Acórdão nº 222/98 de Tribunal Constitucional (Port, 04 de Março de 1998

Magistrado ResponsávelCons. Vítor Nunes de Almeida
Data da Resolução04 de Março de 1998
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº222/98

Proc.Nº 215/96

Sec. 1ª

Rel. Cons.

Vitor Nunes de Almeida

Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:

I - RELATÓRIO:

  1. -.- E. e mulher, M. propuseram pelo Tribunal Judicial da Comarca do Funchal uma acção com processo sumário contra N. e H. pedindo que fosse decretada a remição do contrato de arrendamento relativo ao prédio que identificam, fixando-se o preço a pagar aos Réus. Após a contestação destes, foi proferido despacho saneador que decidiu julgar extinta a instância por os autores não terem juntado um exemplar do contrato de arrendamento invocado.

    Notificados desta decisão, os autores interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, pretendendo a revogação da decisão recorrida e a prolação de um despacho que ordene o prosseguimento da acção, uma vez que entendiam que, no caso em apreço, não era exigível a apresentação do contrato de arrendamento.

    A Relação, por acórdão de 2 de Maio de 1995, decidiu negar provimento ao recurso, pois, nos termos do nº1 do Decreto-Lei nº 385/88, de 25 de Outubro, os arrendamentos rurais são obrigatoriamente reduzidos a escrito, aplicando-se essa disposição legal aos contratos existentes antes da entrada em vigor daquele Decreto-Lei a partir de 1 de Julho de 1989, por força do nº3 do artigo 36º do mesmo diploma legal. Ou seja, todos os contratos de arrendamento rural, ainda que já existentes à data da entrada em vigor daquele Decreto-Lei, terão, a partir de 1 de Julho de 1989, de estar reduzidos a escrito (vide, neste sentido o acórdão da Relação do Porto, de 4-10-1990, Col.Jur.,XV,4,224, citado por Aragão Seia, Costa Calvão e Cristina Aragão Seia, in Arrendamento Rural, 2ª edição, págs. 17 e 18). De acordo com este entendimento, nenhuma acção judicial pode ser recebida ou prosseguir, sob pena de extinção da instância, se não for acompanhada de um exemplar do contrato, se este for exigível, como é no caso dos autos, a não ser que se alegue logo na petição inicial que tal falta é imputável aos réus, o que não aconteceu.

  2. - Notificada aos autores esta decisão, não se conformaram com ela, tendo interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ).

    Neste Tribunal, os autores e recorrentes apresentaram alegações em que formularam as seguintes conclusões:

    "I - O acórdão recorrido não se pronunciou sobre as questões postas nas duas primeiras conclusões das alegações de fls. 76 e segs., sendo nulo por omissão de pronúncia (Cód. Proc.Civ., arts. 668º, nº 1, alínea d), e 716º, nº1).

    II)- A norma do artigo 35º,nº.2, do Decreto-Lei-nº385/88, de 25 de Outubro, não é aplicável à acção para tornar efectivo o direito de remição consignado no artigo 5º, nº1,do Decreto-Lei nº547/74, de 22 de Outubro, mas unicamente à acção real de preferência e às acções pessoais, para tornar efectivos direitos de crédito, previstas no diploma em primeiro lugar indicado.

    III) E a Portaria nº489/77,de l de Agosto, que na sequência do Decreto-Lei nº566/75, de 19 de Setembro, mandou seguir a forma do processo sumário no exercício do mencionado direito de remição está ferida de ilegalidade.

    IV).- Com a revogação, pelo artigo 20º da Lei nº76/79,de 3 de Dezembro, do artigo 49º da Lei nº76/77, de 29 de Setembro, operou-se a convalidação do arrendamento invocado pelos autores, não sendo assim exigível, neste caso, a apresentação de um exemplar desse contrato, nos termos do artigo 36º, nº.5, do citado Decreto-Lei nº385/88,contrariamente ao que se decidiu nas instâncias.

    V) Por último, a norma do artigo 36º. nº3 deste último diploma legal quando fosse interpretada no sentido de abranger o caso sub judice que ficou convalidado com a revogação do artigo 49º. da Lei nº.76/77., pelo artigo 2º, da Lei nº 76/79. seria inconstitucional, porque contrária ao princípio do Estado de direito consignado no artigo 2º da Constituição, em que se inclui o princípio da protecção da confiança dos cidadãos."

  3. - O STJ, por acórdão de 9 de Janeiro de 1996, veio a negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.

    Esta decisão fundamentou-se essencialmente no seguinte encadeamento argumentativo:

    "E para começar, vejamos se, na hipótese, é exigível um exemplar do contrato.

    O citado nº 5 do artigo 35º dispõe:

    Nenhuma acção judicial pode ser recebida ou prosseguir, sob pena de extinção da instância, se não for acompanhada de um exemplar do contrato, quando exigível, a menos que logo se defina que a falta é imputável à parte contrária.

    E o artigo 3º, nº 1 do dito Dec.Lei 385/88 preceitua:

    Os arrendamentos rurais, incluindo os arrendamentos ao agricultor autónomo, são obrigatoriamente reduzidos a escrito.

    ..E, por sua vez, o artigo 36º ainda do mesmo diploma estabelece:

    1- Aos contratos existentes à data da entrada em vigor da presente lei aplica-se o regime nela prescrito.

    ..............................................

    3- O novo regime previsto no artigo 3º da presente lei apenas se aplicará aos contratos existentes à data da sua entrada em vigor a partir de 1 de Julho de 1989.

    ..Da conjugação destes preceitos (arts. 3º, nº 1 e 36º nºs 1 e 3) decorre que, a partir de 1/7/89, todos os contratos de arrendamento rural, mesmo os já existentes à data do início de vigência do Dec.-Lei 385/88, têm de estar reduzidos a escrito.

    Estamos ante uma aplicação retroactiva da lei, muito embora ao arrepio da regra básica expressa nos artigos 12º, nº 1 do C.Civil, segundo a qual "a lei só dispõe para o futuro", mas o certo é que nada obsta a que as normas transitórias de qualquer diploma legal, como acontece com este Dec.-Lei 385/88, atribuam eficácia retroactiva a um ou outro dos seus preceitos, dado que o princípio da não retroactividade da lei não tem assento na Constituição vigente (Pires de Lime e Antunes Varela, C.C. Arest.,Vol.I, 4ª ed., 61; Antunes Varela, R.L.J. 114º, 15 e 16, 120º, 108º, 128º, 143º; J. Baptista Machado, Sobre a aplicação no tempo do novo Código Civil, ed. de 1968, 56º, ac. do S.T.J. de 26/2/80, B.M.J. 294º, 327).

    É, pois, exigível o exemplar do contrato e porque este não foi junto nem foi alegado que a sua falta era imputável à parte contrária, forçoso é concluir que a presente acção não pode ser recebida ou prosseguir e há lugar à extinção da instância, nos termos do transcrito nº 5 do artigo 35º (Pires de Lima e Antunes Varela C.C.Arest., Vol.II, 2ª ed. 473 e 3ª ed. 437 e 512; Aragão Seia, Costa Calvão, Cristina Aragão Seia, Arrendamento Rural, 2ª ed., 18, 153, 163; acs.da Rel. Porto de 4/10/90, 29/1/91 e 21/10/91 e da Rel. de Évora de 7/11/91, in, respectivamente, C.J. 1990, T IV, 224, 1991, T I, 243, 1991, T IV, 264 e 1991, T V, 241).

    E não se diga, como os recorrentes...

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