Acórdão nº 533/99 de Tribunal Constitucional (Port, 12 de Outubro de 1999

Magistrado ResponsávelCons. Luís Nunes de Almeida
Data da Resolução12 de Outubro de 1999
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÂO Nº 533/99

Proc. nº 427/97

  1. Secção/Plenário

Rel.: Consº Luís Nunes de Almeida

Acordam em plenário no Tribunal Constitucional:

I - RELATÓRIO

1. Pelo Acórdão nº 135/98, proferido nos presentes autos, em que é recorrente E.... e recorridos o MINISTÉRIO PÚBLICO e C..., SARL, este Tribunal, pela sua 2ª Secção, apreciando recurso interposto do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Março de 1997, julgou não inconstitucional a norma constante do artigo 664º do Código de Processo Penal de 1929, interpretada no sentido de que «se o MP, quando os recursos lhe vão com vista, se pronunciar em termos de poder agravar a posição dos réus, deve ser dada a estes a possibilidade de responderem», assim negando provimento ao recurso.

O recorrente veio então interpor recurso para plenário, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 79º-D da Lei do Tribunal Constitucional, por o acórdão recorrido ter julgado a questão de inconstitucionalidade «suscitada pelo recorrente em sentido divergente do anteriormente adoptado quanto à mesma norma – o art. 664º do CPP de 1929, por violação do disposto no art. 32º nº 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa – designadamente quando foi proferido o douto Acórdão nº 150/87 da 1ª Secção do Tribunal Constitucional».

Admitido o recurso, o recorrente juntou alegações que concluiu pela forma seguinte:

1. O disposto no art. 664º do CPP de 1929 enferma de inconstitucionalidade quando determina a violação do disposto no art. 32º nº 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa;

2. Tal ocorrerá sempre que ao réu não for consentido o direito de contradição em relação ao afirmado pelo Digno Magistrado do Mº Pº junto do STJ, ainda que este se limite a defender a manutenção da decisão recorrida, quando esta remeterá o réu, que se encontra desde o início do procedimento criminal em liberdade provisória, para a prisão efectiva, por factos ocorridos há cerca de quinze anos.

2. Por sua vez, o Ministério Público suscitou questão prévia relativa à inadmissibilidade do recurso para plenário, concluindo pela forma seguinte:

1º - A função desempenhada pelo meio impugnatório previsto no artigo 70º-D da Lei nº 28/82 supõe a existência de um conflito actual, ainda não resolvido, entre as diferentes secções do Tribunal Constitucional, acerca da questão (de mérito) da constitucionalidade ou inconstitucionalidade da mesma norma.

2º - Estando esse conflito jurisprudencial já resolvido, em consequência da prolação de acórdão pelo Plenário do Tribunal – e estando as secções naturalmente vinculadas a seguir a jurisprudência por esta via uniformizada – não é admissível a interposição de novo recurso para o Plenário, invocando contradição entre a decisão proferida (que se limitou a acolher a tese a que aderiu o Pleno) e o acórdão cuja orientação foi precisamente vencida no âmbito do anterior recurso para Plenário.

Notificado para responder à questão prévia suscitada pelo Ministério Público, o recorrente, considerando que não se verificava uma «justaposição integral dos pressupostos fácticos, legais e decisórios entre aquele Acórdão (150/93) e o proferido nestes autos», nomeadamente por no caso concreto se verificar um agravamento da situação do arguido (passando do estado de liberdade para o cumprimento de uma pena de prisão por factos praticados há mais de dezasseis anos), apontou ainda que «a composição actual do Tribunal Constitucional já não é a mesma do que era quando foi proferido o Acórdão 150/93», assim salientando a hipótese de o Tribunal Constitucional alterar a anterior posição assumida.

E concluíu desta forma:

1. O facto de ocorrer divergência entre a decisão de um acórdão proferido por uma secção do Tribunal Constitucional e a de outro acórdão do mesmo Alto Tribunal não preclude o recurso para o Plenário, quando este já se tenha pronunciado sobre a mesma questão, quando esta, pelos seus contornos específicos, contenha nos autos de recurso interposto para o Plenário elementos merecedores de nova tomada de posição deste.

2. As decisões tomadas em Plenário do Tribunal Constitucional são susceptíveis de serem alteradas em novos recursos onde o circunstancialismo da mesma questão assuma contornos específicos diferentes e ainda quando a alteração das realidades factuais, sociais e legais assim o justifiquem.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

II – FUNDAMENTOS

3. Cumpre apreciar, antes de mais, a questão prévia suscitada pelo Ministério Público.

No Acórdão nº 150/87 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 9º vol., pág. 709), o Tribunal Constitucional, pela sua 1ª Secção, julgou inconstitucional a norma do artigo 664º do Código de Processo Penal de 1929, por violação do disposto no artigo 32º, nºs. 1 e 5, da Constituição. Tendo havido divergência jurisprudencial com esta solução em posterior aresto da 2ª Secção, foi então interposto recurso para plenário, onde se concluíu, no já mencionado Acórdão nº 150/93 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 24º vol., pág. 303), pela não inconstitucionalidade da mesma norma, interpretada no sentido de que, se o Ministério Público, quando os recursos lhe vão com vista, se pronunciar em termos de poder agravar a posição dos réus, deve ser dada a estes a possibilidade de responderem.

No Acórdão nº 135/98, de que ora se pretende recorrer, o Tribunal Constitucional limitou-se a aplicar ao caso dos autos a doutrina fixada em plenário. Ora, segundo sustenta o Ministério Público, desse acórdão não cabe recurso para o plenário, porquanto este já procedeu oportunamente à uniformização da jurisprudência.

Segundo se preceitua no artigo 79º-D da LTC, quando o Tribunal Constitucional «julgar a questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade em sentido divergente do anteriormente adoptado quanto à mesma norma, por qualquer das suas secções, dessa decisão cabe recurso para o plenário do Tribunal, obrigatório para o Ministério Público quando intervier no processo como recorrente ou recorrido». A lei não atribui, contudo, à decisão que for tirada em plenário qualquer força vinculativa – nem os restantes tribunais, nem o próprio Tribunal Constitucional, em plenário ou em secção, ficam juridicamente obrigados a seguir a doutrina fixada na sequência de uma divergência jurisprudencial. E se bem se compreende que, em regra, não havendo alteração das circunstâncias ou argumentos novos que se apresentem como decisivos, a simples observância do princípio da economia processual – tendo em conta o próprio sistema de recursos – conduza a que, uma vez uniformizada a jurisprudência em plenário, essa mesma jurisprudência venha a ser uniformemente aplicada, a verdade é que ela é sempre revisível pelo próprio Tribunal Constitucional, em plenário. Aliás, essa revisibilidade nunca poderia ser totalmente impedida, como este Tribunal entendeu, em situação com alguma afinidade, a propósito dos assentos, no Acórdão nº 810/93 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 26º vol., pág. 261) e, posteriormente, no Acórdão nº 743/96 (Diário da República, I Série-A, de 18 de Julho de 1996).

Esta circunstância poderia, desde logo, numa certa perspectiva das coisas, afastar a interpretação propugnada pelo Ministério Público, ao suscitar a questão prévia. Com efeito, se a lei não atribui particular força jurídico-vinculativa aos acórdãos tirados em plenário na sequência de divergências jurisprudenciais, dir-se-á – neste entendimento das coisas – que ela também não pode seguramente ter pretendido atribuir-lhes o efeito de impedir futuros recursos para o plenário, designadamente quando, como acontece no caso concreto, se verificou uma significativa alteração das circunstâncias em que se procedeu à uniformização da jurisprudência, tendo em conta as modificações na composição do Tribunal.

Seja como for, e ainda que se não sufrague este argumento, o que se não pode ignorar é que o artigo 79º-D, no seu teor literal, não exclui o recurso para o plenário nos casos em que já outro idêntico recurso tenha anteriormente sido decidido.

Assim sendo, não se descortina como se possa optar por uma interpretação que – sem a menor expressão no texto da lei – apenas julgue admissível o recurso para plenário quando uma das secções contrarie a orientação que havia anteriormente triunfado em plenário (só nesse caso, portanto, se assegurando a revisibilidade da jurisprudência anteriormente uniformizada). Na verdade, desse modo o cidadão veria significativamente encurtado o direito ao recurso, já que ficaria sempre impedido de obter, em plenário, uma decisão virtualmente favorável, no caso de a opinião anteriormente maioritária - mas já virtualmente minoritária, no contexto global do Tribunal - continuar todavia maioritária na secção em que o seu recurso é julgado.

Ora, os recursos são, antes de mais, uma expressão do direito à tutela judicial efectiva, não se podendo aceitar que o direito a recorrer, quando previsto na lei, possa ser significativamente restringido com base em argumentos de ordem meramente institucional, sem que tal restrição encontre na letra da lei um apoio minimamente perceptível.

...

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