Acórdão nº 362/00 de Tribunal Constitucional (Port, 05 de Julho de 2000

Magistrado ResponsávelCons. Maria dos Prazeres Beleza
Data da Resolução05 de Julho de 2000
EmissorTribunal Constitucional (Port

Acórdão nº 362/00

Processo nº 452/99

  1. Secção

Relator: Conselheiro Sousa e Brito

(Maria dos Prazeres Pizarro Beleza)

Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional :

1. L. P., acusada pelo Ministério Público da prática de um crime de fraude na obtenção de subsídio na forma tentada, foi julgada com intervenção do tribunal singular, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 16º do Código de Processo Penal, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Mértola, que, por entre o mais, a condenou na pena de 26 meses de prisão, cuja execução ficou suspensa pelo período de 3 anos (fls. 410 e segs.).

Desta decisão recorreu a arguida para o Tribunal da Relação de Évora (fls. 418 e segs.), invocando, na parte ora relevante, a inconstitucionalidade do nº 3 do artigo 16º do Código de Processo Penal, por violação dos "princípios da estrutura acusatória do processo penal e do direito de contraditório tal como consagrados no nº 5 do art. 32º da C.R.P.", do "princípio do 'juiz natural', que tem expressão no nº 7 do mesmo preceito", e ainda por violação do princípio da igualdade.

Antes de proferida a sentença condenatória, a arguida interpusera recurso (fls. 372) da decisão interlocutória que rejeitou a arguição de irregularidade do depoimento de duas testemunhas – depoimento cujo objecto seria "o que se ouviu dizer à própria arguida" –, por violação dos artigos 129º e 57º a 61º do Código de Processo Penal.

Na motivação do recurso interposto da decisão interlocutória (fls. 405 e segs.), a arguida afirma, na conclusão a), ter havido violação dos "arts. 356º, 357º, 129º e 130º, nº 2, do C.P.P.", pondo em causa "a posição e estatuto processual do arguido enquanto ‘sujeito processual', que não mero 'objecto' ou 'instrumento de prova', contido mormente nos arts. 57º a 61º do mesmo diploma, disposições essas instrumento e factor dos princípios da estrutura acusatória e da contraditoriedade".

Para a arguida, "qualquer outra interpretação dos preceitos citados que admitisse como válidos tais depoimentos poria em causa os referidos princípios da estrutura acusatória e do contraditório expressamente consagrados nomeadamente no art. 32º, nº 5, da Constituição da República Portuguesa, interpretação essa, por isso, inconstitucional" (conclusão c).

E acrescenta: "a entender-se que da prática dos actos naquelas condições não resultaria nulidade processual com a consequente possibilidade de anulação, decorreria daí a insuficiência dos meios de defesa da arguida, com preterição também do princípio constitucional consagrado no nº 1 do artigo 32º da C.R.P. no sentido de que 'o processo criminal assegurará todas as garantias de defesa', incorrendo, por isso, em inconstitucionalidade por omissão".

2. O Tribunal da Relação de Évora (por acórdão de fls. 490 e segs.) negou provimento aos dois recursos interpostos, confirmando o despacho e a sentença recorridos.

Quanto ao recurso intercalar, o Tribunal da Relação de Évora pronunciou-se nos seguintes termos:

"Foi depois de ter aceite a audição da testemunha que a arguida, através do seu mandatário, pretendeu anular o depoimento feito, como o de outra testemunha que antes também depusera, dizendo que contrariavam o disposto nos arts. 129º e 57ºº a 61º do CPP.

É evidente que a recorrente não tem razão, para além de ser confuso o seu requerimento e o próprio recurso.

O art. 129º do CPP proíbe o depoimento indirecto, o chamado depoimento de ouvir dizer. Só que o prestado pelas testemunhas em questão não é indirecto, mas, ao contrário, resulta directamente da sua percepção da confissão feita pela arguida, numa reunião, de que não possuía as trezentas ovelhas que deram origem à fraude por que foi julgada.

Só se compreenderia a proibição de depoimentos sobre essa confissão no caso de a arguida ter optado no julgamento pelo silêncio, o que não tendo acontecido, como resulta da respectiva acta, anula a sua pretensão.

Aquilo que ela disse em julgamento, por ser diferente do que disseram as testemunhas, não anula os depoimentos, mas testa a verdade, aliás com toda a legitimidade por parte do tribunal.

Na mesma ordem de ideias estes depoimentos não contrariam a CRP, nomeadamente o disposto no seu art. 32º, nº 5.

A observância do contraditório é imediatamente possível, tanto pela intervenção dos mandatários como pela comparação dos depoimentos com a versão da arguida e com o que terá eventualmente a dizer depois.

Nem se vê que esteja posta em causa a posição e estatuto do arguido, enquanto sujeito processual, como pretende a recorrente, ou sejam diminuídas as garantias de defesa.

(...)

Nesta ordem de ideias, não vemos que a recorrente tenha razão, estando correcta a audição das testemunhas contestadas, ao abrigo do art. 340º do CPP, na exigência do princípio, ainda em vigor, da verdade material, que informa o nosso direito processual penal".

Por seu turno, relativamente ao recurso da sentença, o Tribunal da Relação de Évora, na parte que agora releva, afastou a alegada inconstitucionalidade da norma do nº 3 do artigo 16º do Código de Processo Penal, afirmando:

"(...) lembramos que a estrutura acusatória do processo nunca é contrariada, com o uso do art. 16º, nº 3, do CPP, já que nunca é o Ministério Público que julga, mas sempre o juiz quem avalia se há ou não motivo para condenação e sempre ele quem dita, em...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT