Acórdão nº 219/02 de Tribunal Constitucional (Port, 22 de Maio de 2002

Magistrado ResponsávelCons. Mota Pinto
Data da Resolução22 de Maio de 2002
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃ0 Nº 219/02

Processo n.º 671/98

  1. Secção

Relator – Paulo Mota Pinto

Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:

  1. Relatório

    No Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, A interpôs recurso contencioso de anulação do despacho de 4 de Março de 1993 do Conselho de Administração da Telecom Portugal, SA, que impôs ao primeiro a sanção disciplinar de despedimento por, alegadamente, "aproveitando-se da disponibilidade e meios inerentes ao exercício das suas funções profissionais de montagem e instalação de equipamentos terminais, ter promovido a comercialização, instalação e manutenção deste tipo de equipamento por conta de uma empresa concorrente da Telecom, sua entidade patronal".

    Por sentença de 10 de Maio de 1994, foi concedido provimento ao recurso e declarada a invalidade do acto impugnado.

    Desta decisão veio o Conselho de Administração da Telecom Portugal, SA interpor recurso de agravo para o Supremo Tribunal Administrativo.

    Invocando anterior decisão de não conhecimento do recurso, por incompetência material dos tribunais administrativos, o Exm.º Conselheiro-relator desse Supremo Tribunal determinou, em 14 de Outubro de 1997, a audição de recorrente e recorrido sobre tal questão prévia.

    Só o recorrido se pronunciou, considerando, designadamente, que, nos termos do artigo 3º do Decreto-Lei n.º 277/92, de 15 de Novembro, que criou a Telecom Portugal, S.A., por cisão simples dos CTT, "Os trabalhadores e pensionistas dos CTT, SA, oriundos dos CTT, EP, transferidos por efeito da cisão para a Telecom Portugal, SA, mantêm, perante esta, todos os direitos e obrigações de que eram titulares na empresa cindida...", pelo que lhe continuaria a ser aplicável o Regulamento Disciplinar inserto no Acordo de Empresa da Portugal Telecom (publicado no Boletim do Trabalho e do Emprego, 1ª Série, n.º 34, de 15 de Setembro de 1996), empresa, esta, resultante da fusão da Telecom Portugal com os TLP e TDP (Decreto--Lei n.º 122/94, de 14 de Maio). Além disso, seria ilegal a decisão de considerar incompetentes os tribunais administrativos por ter transitado em julgado a decisão do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, acrescentando:

    "Seria materialmente inconstitucional a norma legal aplicada que, no caso dos autos e na presente fase processual, excluísse os Tribunais Administrativos da competência em razão da matéria, para julgar a questão submetida à sua apreciação, por violação dos art.ºs 20º e 268º, n.ºs 4 e 5 da Constituição da República Portuguesa."

    Por Acórdão de 6 de Maio de 1998, o Supremo Tribunal Administrativo decidiu conceder provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida e considerando incompetentes os Tribunais Administrativos, argumentando, na fundamentação, do seguinte modo:

    "Com a transformação dos CTT.EP numa sociedade anónima de capitais públicos operada pelo DL 87/92, este diploma ressalvou no art.º9º os direitos dos trabalhadores oriundos dos CTT.EP dispondo que os trabalhadores e pensionistas ... mantêm todos os direitos e obrigações de que forem titulares na data da entrada em vigor do presente diploma, ficando a sociedade obrigada a assegurar a manutenção do fundo de pensões do pessoal daquela empresa pública e no n.º2 acrescenta-se que ‘os regimes jurídicos definidos na legislação aplicável ao pessoal da empresa publica vigentes naquela data continuarão a produzir efeitos relativamente aos trabalhadores referidos no numero anterior’, ou seja, os trabalhadores e pensionistas da empresa publica CTT.’

    A primeira questão que importa resolver em face da redacção dada aquele n.º2 do art.º9º do DL 87/92 é a de saber que regimes jurídicos definidos na legislação aplicável são salvaguardados. Neles também está incluído o regime consagrado na Portaria 348/87?

    É verdade que a forma ampla como está redigida aquela norma abrange qualquer regime. A expressão verbal é pois de molde a permitir uma interpretação declarativa ampla em que aquele regime se encontra igualmente incluído.

    As soluções, no entanto, a que interpretação conduz levam a ir além do elemento literal.

    Com efeito a aceitação sem qualquer limitação desta interpretação implica a aplicação de um regime de natureza pública aos trabalhadores de uma empresa privada, sujeitando esta a um regime de tutela incompatível com a sua natureza privada. Os actos praticados no âmbito daquela portaria seriam actos administrativos sujeitos a recurso hierárquico e a recurso contencioso para os tribunais administrativos.

    Por outro lado, a aplicação por via da portaria acima citada de um regime de direito público aos trabalhadores de uma empresa privada, fora do quadro geral do regime da função pública, mas também fora do quadro do regime do contrato individual de trabalho, altera o quadro geral de punição de infracções disciplinares, pelo que de acordo com a alínea d) do n.º 1 do art.º168, hoje, art.º 165 da Constituição, constitui reserva da AR. À mesma conclusão chegaríamos, de resto com a invocação da alínea q) do mesmo número e art.º da CRP, em relação à atribuição de competência aos tribunais administrativos, decorrente do n.º4 do art.º26º do DL 49368, confirmada pelo art.º9º atrás transcrito, se a interpretação a dar aquela norma abrangesse o disposto na Portaria 348/87.

    Ora o art.º 9º n.º2 do DL 87/92 comporta outra interpretação mais restritiva, abrangendo unicamente os regimes jurídicos aplicáveis àqueles trabalhadores relacionados com o fundo de pensões ou outros igualmente estabelecidos para esses trabalhadores. A interpretação que assim decorre do n.º1 e 2 do art.º9º é que no n.º1 o legislador quis acautelar os direitos de que já eram titulares os trabalhadores, à data de entrada em vigor deste diploma, e no n.º2 se quis acautelar a aplicação desses regimes jurídicos com base nos quais esses direitos e obrigações foram atribuídos, em relação aos trabalhadores em relação aos quais esses direitos ainda não se tinham vencido.

    Trata-se da interpretação que por ser mais conforme com a Constituição deve ser adoptada, uma vez que ela salva aquela norma jurídica.

    Mas esta interpretação que já nos parece ser aquela que resulta do disposto no art.º9º atrás referido, não pode deixar de ser aquela que resulta do disposto no art.ºl5º, alínea b) do DL 122/94 que transformou a natureza jurídica daquela sociedade de capitais públicos, por fusão, a Portugal Telecom, SA.

    Com efeito com a revogação do DL 49368, deixou de ter sustentáculo legal a portaria que continha o regime disciplinar, e isso constitui mais uma razão para, por razões de conformidade constitucional, aceitar aquela interpretação.

    De resto, é visível essa preocupação do legislador quando procura englobar no n.º3 do art.º5º desse diploma os trabalhadores, pensionistas e beneficiários ao definir o âmbito dos regimes jurídicos protegidos por aquela norma.

    Julgamos pois, que hoje o regime do DL 49368, vertido na Portaria n.º 348/87 não é aplicável aos trabalhadores oriundos dos CTT, que em tudo o que diz respeito ao processo disciplinar está abrangido pela lei geral aplicável aos trabalhadores das empresas privadas.

    Sendo assim, os tribunais competentes para julgar os conflitos decorrentes da aplicação de sanções disciplinares são os tribunais de trabalho e não os tribunais administrativos.

    A incompetência do tribunal prejudica o conhecimento dos vícios invocados.

    É a mesma doutrina que se impõe seguir no presente caso, mesmo que o trabalhador fosse oriundo dos C.T.T. EP Escalão I.

    Tão pouco vale invocar o facto de a decisão do tribunal administrativo sobre a competência ter transitado em julgado, na medida em que a sentença foi posta em causa no presente recurso, como não transitou em julgado pois que a decisão de 1ª instância não equacionou explicitamente a questão da competência, ora colocada.

    Não se vê ainda onde se possa verificar qualquer inconstitucionalidade material. Não se trata aqui de uma norma nova, mas da interpretação de norma já vigente no momento em que foi interposto o recurso.

    Não se pode, pois, afirmar que haja qualquer norma inconstitucional que agora tenha sido aplicada."

    É desta última decisão que vem interposto por A o presente recurso de constitucionalidade, fundamentando-se para tal em que:

    "tendo sido aplicada, como não podia deixar de ser, a Portaria n.º 348/87, de 28 de Abril que aprovou o Regulamento Disciplinar para vigorar nos CTT e, posteriormente, na Telecom Portugal e Portugal Telecom, a sua desaplicação com o consequente julgamento de incompetência dos Tribunais Administrativos, é não só, ostensivamente, injusta e ilegal como materialmente e formalmente inconstitucional, por violação do disposto nos art.ºs 20º; 206º; 207º; 268º e 277º da Const. da Rep. Portuguesa, ao menos, na interpretação seguida pelo Tribunal ‘a quo’".

    Por o recorrente não ter indicado os elementos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 75º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (Lei do Tribunal Constitucional), foi, no Tribunal Constitucional, dada aplicação ao disposto no n.º 6 desse mesmo artigo, tendo o recorrente atendido ao convite de aperfeiçoamento através de requerimento a fls. 178 dos autos, no qual teceu as seguintes considerações:

    "1. O Tribunal ‘a quo’ recusou a aplicação ao caso dos autos...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
2 temas prácticos
  • Acórdão nº 195/08 de Tribunal Constitucional (Port, 01 de Abril de 2008
    • Portugal
    • 1 de abril de 2008
    ...Constitucional em Portugal, Almedina, 2007, p. 73, nota 93, e, entre outros, Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 41/95, 172/96, 1020/96, 219/2002 e 8/2008, disponíveis em Seguindo este critério, é de concluir pelo conhecimento do objecto do recurso interposto: para o decidido no acórdão......
  • Acórdão nº 196/08 de Tribunal Constitucional (Port, 01 de Abril de 2008
    • Portugal
    • 1 de abril de 2008
    ...Constitucional em Portugal, Almedina, 2007, p. 73, nota 93, e, entre outros, Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 41/95, 172/96, 1020/96, 219/2002 e 8/2008, disponíveis em Seguindo este critério, é de concluir pelo conhecimento do objecto do recurso interposto: para o decidido no acórdão......
2 sentencias
  • Acórdão nº 195/08 de Tribunal Constitucional (Port, 01 de Abril de 2008
    • Portugal
    • 1 de abril de 2008
    ...Constitucional em Portugal, Almedina, 2007, p. 73, nota 93, e, entre outros, Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 41/95, 172/96, 1020/96, 219/2002 e 8/2008, disponíveis em Seguindo este critério, é de concluir pelo conhecimento do objecto do recurso interposto: para o decidido no acórdão......
  • Acórdão nº 196/08 de Tribunal Constitucional (Port, 01 de Abril de 2008
    • Portugal
    • 1 de abril de 2008
    ...Constitucional em Portugal, Almedina, 2007, p. 73, nota 93, e, entre outros, Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 41/95, 172/96, 1020/96, 219/2002 e 8/2008, disponíveis em Seguindo este critério, é de concluir pelo conhecimento do objecto do recurso interposto: para o decidido no acórdão......

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT