Acórdão nº 202/02 de Tribunal Constitucional (Port, 06 de Maio de 2002

Magistrado ResponsávelCons. Mota Pinto
Data da Resolução06 de Maio de 2002
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 202/02

Processo n.º 721/00

  1. Secção

Relator - Cons. Paulo Mota Pinto

Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:

  1. Relatório

    Em 20 de Novembro de 1996, V... intentou, no Tribunal Judicial de Guimarães, acção de denúncia de arrendamento urbano contra M... e mulher R... alegando necessitar do imóvel para habitação própria. Os demandados contestaram, impugnando, por um lado, os fundamentos invocados pelo autor e alegando, por outro, que a demandada se encontrava em situação de reforma por invalidez, consubstanciando, desta forma, a factualidade prevista no artigo 107º, n.º 1 do Regime do Arrendamento Urbano, obstando à denúncia do contrato.

    Por sentença de 6 de Março de 2000 a acção foi considerada procedente e os réus condenados a entregar o arrendado livre de pessoas e bens no prazo de três meses após o trânsito em julgado da sentença. Em 3 de Outubro de 2000, inconformados, estes interpuseram recurso de apelação dessa decisão, com os seguintes fundamentos:

    "A Ré encontra-se reformada por invalidez. Ora, nos termos do já referido artigo 107º, n.º 1, alínea a) do Regime do Arrendamento Urbano, o direito de denuncia do contrato de arrendamento, facultado ao senhorio pela alínea a) do n.º 1, do artigo 69º, não pode ser exercido quando no momento em que deva produzir efeitos ocorra alguma das seguintes circunstâncias: encontrando-se o arrendatário na situação de reforma por invalidez absoluta.

    É manifesto de que da matéria de facto provada resulta expressamente que a Ré–esposa, arrendatária, se encontra na situação de reforma por invalidez.

    Parece, à partida, que a resposta assim dada ao quesito 25º é obscura, pois não se sabe se a situação de reforma em que a Ré esposa se encontra é por invalidez absoluta ou relativa.

    Porém, tal situação tal diferença não é suficientemente importante porquanto mesmo a situação de reforma por invalidez relativa obsta à denúncia do contrato de arrendamento por parte do senhorio.

    Na verdade, a lei fala em invalidez absoluta, como sinónimo de pensão de invalidez e como antónimo de incapacidade total para o trabalho. Tal é, aliás, o sentido a retirar das próprias expressões utilizadas pela lei: ‘... se encontre na situação de reforma por invalidez absoluta, ou, não beneficiando da pensão de invalidez, sofra de incapacidade total para o trabalho’.

    Quando se trate de reforma concedida ao abrigo do Regime Geral de Segurança Social, a expressão ‘reforma por invalidez absoluta’ constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 107º do Regime de Arrendamento Urbano deve ser interpretada restritivamente no sentido de reforma por invalidez absoluta para o exercício da profissão que o arrendatário exerça.

    Deste modo, tendo ficado provado a situação de reforma por invalidez por parte de arrendatária, facto que obsta ao exercício do direito de denúncia do contrato de arrendamento, e tendo sido decidida a extinção do contrato de arrendamento, por denúncia, é manifesta a contradição entre a matéria de facto dada como provada e a decisão proferida.

    5. O artigo 107º, n.º 1, alínea a) do RAU.

    5.1. SEM PRESCINDIR, para o caso, que não se admite nem se concede, de se entender que há diferença entre as noções de reforma por invalidez absoluta e a de invalidez relativa, e, deste modo, só aquela, isto é, a invalidez relativa não só à profissão que o arrendatário exercia, mas toda e qualquer profissão, integra a limitação ao direito de denúncia previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 107º do RAU, então a matéria de facto dada como provada é manifestamente obscura e insuficiente para fundamentar a decisão proferida.

    Na verdade, apenas ficou provado que a arrendatária se encontra reformada por invalidez, ignorando-se deste modo se tal invalidez é relativa à profissão que aquela exercia ou se abarca toda e qualquer profissão.

    5.2. ACRESCE que a ser assim, isto é, fazendo a lei a diferença entre a situação de reforma por invalidez relativa e a de invalidez absoluta e dando apenas a esta última a possibilidade de obstar ao senhorio o exercício do direito de denúncia, então é manifesto que a alínea a) do n.º 1 do artigo 107º do RAU é INCONSTITUCIONAL, por manifesta violação do disposto no artigo 9º, alínea d), e artigo 13º da Constituição. (...)"

    Por Acórdão de 6 de Novembro de 2000, o Tribunal da Relação do Porto considerou a apelação improcedente com os fundamentos seguintes:

    "(...) Há que extrair do preceito [artigo 107º, n.º 1, alínea a), do RAU], portanto, a interpretação de que para a invalidez do arrendatário funcionar como causa limitativa daquele direito do senhorio tem de ser referente a toda e qualquer profissão ou actividade, isto é, absoluta.

    A invalidez absoluta contrapõe-se à invalidez relativa que é restrita à própria profissão que se exercia ou a profissão equivalente. É o que se resulta dos artigos 2º e 3º do Dec.-Lei n.º 41/89, de 2/2.

    Deve entender-se, assim, que só a invalidez absoluta confere ao arrendatário a possibilidade de invocar a excepção prevista na mencionada alínea a) do n.º 1 do art. 107º do RAU.

    1. Os Réus alegaram a situação de reforma por invalidez absoluta da ré, arrendatária.

      O quesito 25º, onde tal alegação foi vertida, teve resposta restritiva, ao dar-se como ‘provado que a ré se encontrava reformada por invalidez.’ Esta resposta não pode ser alterada pela Relação a não ser nas hipóteses admitidas no artigo 712º do C.P.C. e nenhuma delas ocorre.

      Ora, não pode falar-se de invalidez absoluta equivalente à incapacidade total para o trabalho – para toda e qualquer profissão ou actividade, repete-se – quando apenas se apura a reforma por invalidez, a qual significa o mesmo que invalidez relativa à função exercida. (...)

    2. Na última questão, vertida na conclusão 10ª, os apelantes invocam a inconstitucionalidade da apontada al. a) do n.º 1 do artigo 107º, por a interpretação perfilhada (de só a situação de reforma por invalidez absoluta obstar ao exercício do direito de denúncia) violar o disposto nos arts. 9º, alínea d) e 13º da Constituição.

    3. Estabelece o citado art. 9º, al. d) ser tarefa fundamental do Estado promover... a igualdade real entre os portugueses... Por sua vez, o art. 13º refere-se ao princípio da igualdade, impondo que todos os cidadãos sejam tratados de forma igual, sem privilégios, benefícios, prejuízos ou privações em razão da... situação económica ou condição social.

      É evidente que estes preceitos constitucionais não se mostram violados pelo determinado na referida alínea a) do n.º 1 do art. 107º do RAU já que o que ali se impõe é que haja igual tratamento para o que fôr igual perante a lei, mas já não o prescrevendo para o que fôr desigual.

      O que se pretende com a dita al. a) é que o arrendatário que esteja na situação de reforma por invalidez absoluta, por padecer de incapacidade para o trabalho, não veja o seu direito à habitação prejudicado em razão da sua impossibilidade para angariar meios económicos, as mais das vezes em idade avançada. Só para esses, e não para os que, como a ré, sofrem de invalidez relativa, é que se justifica que não possa ser exercido o direito de denúncia do contrato por parte do senhorio.

      A invalidez absoluta é uma realidade jurídica e social diferente da invalidez relativa. Daí que os arrendatários que se encontrem na situação de reforma por uma ou por outra, não se apresentem em igualdade de circunstâncias, aceitando-se e compreendendo-se que sejam merecedores de tratamento diferenciado na norma do RAU em apreço.

      Não se verifica, portanto, a alegada violação dos arts. 9º, al. d) e 13º da Constituição por essa lei, na interpretação acolhida. (...)"

      Inconformados, os demandados interpuseram o presente recurso de constitucionalidade desta decisão, com base no artigo 70º, n.º 1, alínea b) da Lei do Tribunal Constitucional, concluindo as suas...

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