Acórdão nº 23/02 de Tribunal Constitucional (Port, 10 de Janeiro de 2002

Magistrado ResponsávelCons. Bravo Serra
Data da Resolução10 de Janeiro de 2002
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 23/02

Procº nº797/2001.

Plenário.

Relator: BRAVO SERRA.

1. O Presidente da República, fundado no nº 1 do artigo 278º da Constituição e nos artigos 51º, nº 1, e 57º, nº 1, ambos da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, veio solicitar a este Tribunal que o mesmo apreciasse a constitucionalidade de todas as normas do decreto do Governo, registado sob o nº 219/2001- MAI, aprovado pelo Conselho de Ministros em 5 de Dezembro de 2001 e enviado para promulgação em 14 dos mesmos mês e ano.

Para a entidade requerente, as dúvidas de constitucionalidade residem na questão de saber se, ponderando o disposto na alínea u) do artigo 164º da Constituição e o facto de a Guarda Nacional Republicana ser uma força de segurança, a matéria constante do decreto em causa - que introduz alterações na Lei Orgânica da Guarda Nacional Republicana (aprovada pelo Decreto-Lei nº 231/93, de 26 de Junho, e posteriormente alterado pelo Decreto-Lei nº 188/99, de 2 de Junho), no Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana (aprovado pelo Decreto-Lei nº 265/93, de 31 de Julho, alterado pelos Decretos-Leis números 297/98, de 28 de Setembro, 188/99, e 504/99, de 20 de Novembro), e no regime remuneratório aplicável aos oficiais, sargentos e praças da mesma Guarda (regime esse estabelecido pelo citado Decreto-Lei nº 504/99, alterado pelo Decreto-Lei nº 174/2000, de 9 de Agosto) – não teria de ser considerada como estando incluída na reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República.

Ouvido o Primeiro Ministro, nos termos e para os efeitos dos artigos 54º e 55º, nº 3, da Lei nº 28/82, veio sustentar que não deveria este Tribunal pronunciar-se pela inconstitucionalidade das normas contidas no Decreto do Governo em questão, aduzindo:

- a determinação do sentido e alcance da alínea u) do artigo 164º da Constituição não se afigura como devendo conduzir a que toda e qualquer regulamentação jurídica sobre as forças de segurança caibam no âmbito de aplicação desse preceito, tendo em atenção, por um lado, o cotejo com as restantes alíneas desse artigo e, por outro, a densificação do que se deve entender por regime das forças de segurança;

- todas aquelas diversas alíneas, com excepção das alíneas i) e r), se referem a regime jurídico de várias matérias nelas incluídas, mas cujo âmbito de intervenção legislativa está nas mesmas perfeitamente identificado, seja pela natureza das matérias, seja pela forma de identificação;

- no caso da alínea u), o preceito deixa margem para fundadas dúvidas quanto ao respectivo alcance, uma vez que, ao se referir genericamente ao regime das forças de segurança, poderia incluir, designadamente, as regras aplicáveis aos sistema de segurança interna, comuns a todas as forças de segurança, os poderes, atribuições e competências das forças de segurança em geral e de cada uma delas em particular e, ainda, o seu estatuto remuneratório, funcional e disciplinar;

- simplesmente, e como esses diferentes domínios não têm a mesma dignidade material e formal, seguramente que não foi intenção do legislador constitucional incluir indistintamente todos esses aspectos na reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República;

- dos trabalhos preparatórios da IV Revisão Constitucional resulta claramente que foi intenção do legislador incluir no elenco daquela reserva absoluta as matérias relacionadas com a organização política e administrativa do sistema de segurança interna e aquelas que se prendem com os direitos fundamentais dos cidadãos, tais como as regras aplicáveis a todas as forças de segurança enquanto tais e respectiva organização administrativa, bem como os poderes, atribuições e competências dessas forças;

- e isso porque a especificidade de tais forças abarca o desempenho de funções no domínio da prevenção, repressão e investigação criminal, para além de deterem elas o monopólio do uso da força em nome do Estado;

- sendo assim, os aspectos estritamente estatutários aplicáveis a cada uma das forças de segurança não se integram na reserva parlamentar, precisamente porque se não inclui em nenhuma daquelas matérias o que respeita a remuneração, o regime de férias, faltas e licenças, o número de efectivos, as condições de ingresso e acesso na carreira;

- mal se compreenderia, aliás, que esses aspectos se incluíssem na reserva absoluta de competência parlamentar, pois que tratam apenas do regime funcional relativo a um corpo especial da função pública, que mais tem a ver com o domínio do funcionalismo público do que com a organização das forças de segurança;

- se fosse intenção do legislador constituinte submeter esses aspectos à reserva absoluta parlamentar, ter-se-ia referido na alínea u), à semelhança do que acontece com a alínea m), ao «estatuto dos agentes das forças de segurança»;

- há uma reiterada prática legislativa, que nunca foi sindicada em sede de fiscalização da constitucionalidade, que pressupõe que o Governo mantém, quanto às forças de segurança, competência legislativa nos domínios orgânico e estatutário, bem como noutros domínios não atinentes ao regime das forças de segurança;

- como cabe ao Governo a condução da política nacional, incluindo-se aqui a política de segurança interna, mal se compreenderia que essa competência ficasse completamente esvaziada no plano legislativo pela criação de uma reserva absoluta da Assembleia da República que se estendesse aos aspectos de maior minúcia do regime remuneratório, de horários, carreiras e de domínios mais relevantes relativos às funções, fiscalização e tutela;

- devendo-se incluir na alínea u) do artigo 164º apenas as regras aplicáveis à actuação das forças de segurança enquanto tais, nomeadamente, os aspectos que dizem respeito aos direitos fundamentais dos cidadãos, bem como o regime da organização e funcionamento das forças de segurança, de concluir é que as normas sob sindicância não versam sobre aqueles aspectos, pois que, por um lado, a alteração dos artigos 11º e 33º da Lei Orgânica da Guarda Nacional Republicana não altera o actual regime de autonomia administrativa e financeira e rege tão só sobre os efectivos a atingir progressivamente pela Guarda; por outro, a alteração ao Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana, porque incide sobre direitos de carácter social - férias, faltas e licenças - distribuição dos quadros por armas, serviços ou ramos e condições de promoção aos postos de major e cabo, deve ser considerada como dizendo respeito unicamente ao estatuto daqueles militares enquanto funcionários públicos; por outro, ainda, o mesmo se aplica ao artº 3º do Decreto, que apenas altera o regime remuneratório dos oficiais, sargentos e praças, disciplinando aspectos de pormenor relativos à progressão na carreira em função do respectivo índice e categoria.

Não se deparando nenhum obstáculo que obste ao conhecimento de mérito, cumpre decidir.

2. Pelo decreto em apreço visa-se estabelecer:-

- alteração aos artigos 11º e 33º da Lei Orgânica da Guarda Nacional Republicana (no primeiro, que é referente ao regime administrativo e financeiro da Guarda, elencando-se o que constituirá receitas daquela força militar de segurança e, no segundo, modificando-se o número de efectivos e lugares globais a atingir progressivamente e, bem assim, estabelecendo-se novas regras para a fixação dos lugares e correspondentes postos e respectivas atribuição e distribuição);

- alteração aos artigos 22º (atribuição de outros direitos dos militares da Guarda), 150º (Valorização Profissional), 171º (Licença de férias), 175º (Licença por casamento), 192º (Quadros e postos dos oficiais dos quadros da Guarda), 195º (Ingresso na categoria de oficial dos quadros da Guarda), 203º (Condições especiais de promoção a major), 266º (Funções dos sargentos da Guarda), 266º (Condições especiais de promoção a cabo) e 268º (Promoção a cabo), todos do Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana;

- alteração ao nº 1 do artº 12º do Decreto-Lei nº 504/99, que regula o processamento na escala remuneratória da promoção do militar da Guarda quando realizada dentro da mesma categoria;

- que a alteração dos efectivos resultantes da redacção a conferir ao artº 33º da Lei Orgânica da Guarda Nacional Republicana produza efeitos de determinada forma (40% na data de publicação do diploma, 30% seis meses após a sua entrada em vigor e 30% seis meses após aquela entrada) no Quadro geral de distribuição de lugares por armas e serviços;

- que a alteração resultante da redacção a conferir ao nº 1 do artº 171º do Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana se faça até ao ano de 2003 de forma progressiva e segundo uma determinada calendarização, tendo em conta o completamento de certos anos de idade por parte dos militares da Guarda.

3. Com a Revisão Constitucional operada pela Lei Constitucional nº 1/97, de 20 de Setembro, o artigo 167º da Lei Fundamental decorrente da Revisão Constitucional...

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