Acórdão nº 585/03 de Tribunal Constitucional (Port, 02 de Dezembro de 2003

Magistrado ResponsávelCons. Mota Pinto
Data da Resolução02 de Dezembro de 2003
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃ0 N.º 585/2003 Processo n.º 357/02 2ª Secção

Relator ? Cons. Paulo Mota Pinto

Acordam na 2ª secção do Tribunal Constitucional,

  1. Relatório AUTONUM 1.A. e mulher intentaram acção de impugnação judicial, nos termos dos artigos 120º e seguintes do Código de Processo Tributário, contra a Fazenda Pública, pela liquidação de imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares referente ao ano de 1996, concluindo pelo pedido de anulação daquela liquidação e alegando para tanto que:

    ?(...)

    43º

    Nos termos do art. 106º, n.º 2, da CRP, cuja epígrafe é ?Sistema Fiscal?, ?os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes?.

    44º

    A nossa Lei Fundamental deu guarida e consagrou, pois, claramente, a reserva de lei em matéria de benefícios fiscais.

    45º

    Por outro lado, nos termos do art. 168º, n.º 1, al. i) e n.º 2, da CRP, é da exclusiva competência da Assembleia da República legislar, em matéria de criação de impostos e sistema fiscal.

    46º

    Esta matéria tem, pois, de ser regulada, em princípio, por lei da Assembleia da República.

    47º

    Só não o será, isto é, a matéria só será objecto de Decreto-Lei do Governo se houver autorização legislativa que lhe seja concedida, nos termos do n.º 2 daquela disposição constitucional.

    48º

    Sempre ressalvado o devido respeito, não podem as normas respeitantes a benefícios fiscais ficar ao sabor de circulares interpretativas ? sejam elas da Direcção-Geral de Saúde, sejam elas da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos ? que em cada momento, mais do que interpretar, façam a aplicação às situações concretas da vida da lei em vigor, por forma a que, estabelecendo o entendimento que melhor convém à Administração Fiscal, extingam benefícios que entraram e se consolidaram na esfera jurídica de cada um por força de uma lei e postergam a protecção de direitos constituídos dos cidadãos.

    (...)

    117º

    A posição que a AF tomou para o ano de 1996 relativamente a toda esta questão, com a operação de cosmética a que se submeteu o despacho proferido no ano de 1995 relativo à mesma matéria, com o único fim (embora dissimulado) de obrigar os contribuintes a submeterem-se a novas avaliações, contra o que dispõe o art. 7º, n.º 2, do DL. n.º 202/96, de 23.10, e de tentar justificar essa pretensa obrigatoriedade, com vista à apresentação de novos atestados e à ?prova da manutenção da incapacidade permanente...? não tem, pois, qualquer justificação, é ilegal, incongruente, desproporcionado e inconstitucional, constituindo, igualmente, um manifesto ?venire contra factum proprium? violando, de forma grave, os princípios a que a administração está obrigada nas suas relações com os particulares, ou seja, dos princípios da prossecução do interesse público e da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos, da justiça, da proporcionalidade e da boa fé, da segurança jurídica e da confiança legítima. ? arts. 266º e 268º da CRP e 4º, 5º, n.º 2, 6º e 6º-A do CPA.?

    Por sentença de 8 de Julho de 1999, o Tribunal Tributário de 1ª Instância de Viana do Castelo decidiu julgar a acção improcedente por não provada, absolvendo a ré do pedido.

    AUTONUM 2.Inconformados, os impugnantes recorreram para o Tribunal Central Administrativo, concluindo as suas alegações nos seguintes termos:

    ?I. A douta sentença impugnada deixou de apreciar os mais variados vícios pelo recorrente apontados ao acto impugnado no seu articulado e que eram susceptíveis de conduzir à sua anulação, pelo que é nula, por omissão de pronúncia.

  2. As circulares 22/DSO, de 15.12.95, e 1/96, de 31.01.96, da DGS, não constituíram qualquer consequência do DL. 202/96, de 23.10, já que elas são muito anteriores a este.

  3. O vazio legal existente anteriormente à publicação do DL n.º 202/96 tinha sido preenchido pela própria AF [Administração Fiscal] que, através de circular n.º 28/90, de 22.06, da DGCI, havia estabelecido, ela própria, a forma como a prova da incapacidade devia ser feita perante si própria, pelo que, tendo sido ela a estabelecer as regras, o recorrente nada mais fez do que cumprir essas regras.

  4. A AF não adoptou um procedimento generalizado em relação à totalidade dos contribuintes, antes tendo investido apenas em relação aos contribuintes de Viana do Castelo e de Braga e, mesmo assim, apenas em relação àqueles que adquiriram o benefício fiscal referido nos autos posteriormente a 1994, alheando-se do resto do país e dos contribuintes que adquiriram o mesmo benefício anteriormente a 1994, o que constitui manifesta violação do princípio da igualdade.

  5. Em matéria de benefícios fiscais vigora o princípio da reserva de lei formal, o que implica necessariamente que, nessa matéria, a competência para a definição dos respectivos pressupostos cabe à Assembleia da República ou ao Governo mediante a respectiva autorização legislativa.

  6. As circulares não constituem lei nem têm força vinculativa externa, sendo simples regulamentos interpretativos internos que apenas vinculam na cadeia hierárquica de que dimanam.

  7. Tanto a TNI aprovada pelo DL 341/93, de 30.09, como o DL 202/96, de 23.10, mandavam atender às disfunções residuais após a aplicação dos meios de correcção ou de compensação adequados, residindo a diferença entre os dois diplomas em que o primeiro previa um limite máximo de 15% para a redução e o segundo eliminou esse limite.

  8. O DL 202/96 não é um mero diploma interpretativo, já que veio inovar e criar normas de adaptação do critério legal de avaliação de incapacidade constante da TNI, na perspectiva da Lei n.º 9/89, de 05.02, não podendo, por isso, ser aplicado retroactivamente.

  9. Mesmo que se entendesse que o diploma tem natureza interpretativa, sempre a solução seria a mesma, pois que haveria que respeitar a regra que o próprio diploma contém quanto à sua aplicação no tempo (art. 7º/1 e 2).

  10. Tal diploma não era aplicável ao recorrente, pois que o seu processo de avaliação já tinha sido concluído em 1995, tendo culminado com a emissão do respectivo atestado de incapacidades junto aos autos.

  11. À data em que entrou em vigor o D.L. n.º 202/96, já havia nascido na esfera jurídica do recorrente o direito ao referido benefício fiscal em causa nos autos, porque já se encontrava comprovada a factualidade descrita na hipótese legal (a incapacidade igual ou superior a 60%) pelo atestado médico respectivo, passado pela entidade competente, no domínio da lei anterior e de acordo com esta.

    (...)

  12. A AF está sujeita ao princípio da legalidade, devendo inteira obediência à Constituição e à lei, não podendo desconhecer e desrespeitar o valor e limites do caso decidido ou caso resolvido, pondo em causa, em qualquer momento, a estabilidade dos actos administrativos e valores fundamentais do Direito como são a Certeza e a Segurança.

  13. O exame e atestação de uma certa incapacidade permanente, em face do acto tributário subsequente praticado pela Administração Fiscal, constitui um acto autónomo que, em direito tributário, é um acto prejudicial em sentido técnico.

  14. A Administração Fiscal não tem competência em matéria de saúde, não estando o atestado médico passado pela entidade competente sujeito à livre apreciação da Administração Fiscal.

  15. Com o requerimento feito pelo interessado à autoridade de saúde inicia-se um procedimento administrativo, no qual tem lugar uma prova pericial e que culmina com um acto administrativo praticado pela autoridade de saúde, de posse do qual o contribuinte vai reivindicar o seu direito junto da AF.

  16. O acto da autoridade de saúde, como acto prejudicial que é, pertencendo a outra autoridade diferente da autoridade fiscal, precedendo o acto tributário, implica que quem pratica este deve conformar-se com a decisão dada pela autoridade de saúde, dado o carácter técnico das questões ou interesses em causa, devendo impugná-lo contenciosamente, no caso de entender que o mesmo padece de invalidade, por se tratar de acto susceptível de impugnação judicial directa, independente do acto prejudicado, sob pena de preclusão do respectivo conhecimento.

  17. Se o acto prejudicial é estranho à Administração Fiscal, cabe recurso contencioso do mesmo para os Tribunais administrativos.

  18. No caso, nem a AF nem ninguém impugnou contenciosamente o referido acto prejudicial no prazo legal, nem ninguém o revogou ou arguiu de falso, pelo que o mesmo se firmou na ordem jurídica como um caso decidido ou caso resolvido, com valor de caso julgado, estando a AF legalmente obrigada a respeitá-lo integralmente.

  19. O acto da entidade de saúde, como acto administrativo que é, goza da presunção de verdade e de legalidade, sendo obrigatórios, quer para os particulares, quer para a Administração, pelo que de modo algum poderia a AF, sem sindicar o acto pela via contenciosa, destruir essa presunção.

  20. No sentido defendido no presente recurso se pronunciou já a Secção do Contencioso Tributário, em Pleno, do venerando Supremo Tribunal Administrativo, no rec.º n.º 24.305, em caso precisamente igual ao dos presentes autos.

  21. Salvo o devido respeito foram violadas, entre outras, as disposições dos arts. 660º/2 e 668º/1/d) do CPC, 10º/1, 11º, 12º/4 e 44º do EBF [Estatuto dos Benefícios Fiscais], 13º, 106º/2, 168º/1, i) e 2 da CRP, 16º, 17º/a) e b) e 144º/1 do CPT, 7º/1 e 2 do DL 202/96, de 23.10.?

    Por acórdão de 21 de Novembro de 2000, o Tribunal Central Administrativo negou provimento ao recurso, baseado nos seguintes fundamentos:

    ?O benefício fiscal em causa, em nosso entender, (elevação em 50% das deduções referidas nos art.ºs 25º e 80º do CIRS e 44º do EBF), não depende do seu reconhecimento pela AF, antes resulta automaticamente da Lei, comprovada que esteja, pela entidade competente, o grau de incapacidade que a lei considera relevante para efeitos fiscais, no caso ?um grau de invalidez permanente igual ou superior a 60%? (cfr. n.º 3 do citado art.º 25º e n.º 6 do art.º 80º do CIRS e ainda o n.º 5 do art.º 44º do EBF).

    (...)

    4.3. Outra questão também invocada pelos impugnantes para a...

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