Acórdão nº 197/03 de Tribunal Constitucional (Port, 10 de Abril de 2003

Magistrado ResponsávelCons. Benjamim Rodrigues
Data da Resolução10 de Abril de 2003
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 197/2003

Proc. n.º 355/02 2ª Secção

Relator Conselheiro Benjamim Rodrigues (Consª Fernanda Palma)

Acordam no plenário do Tribunal Constitucional:

A ? O relatório

1 A., recorrente no processo acima identificado, em que figura como recorrida a FAZENDA PÚBLICA, dizendo-se inconformada com o acórdão do Tribunal Central Administrativo que, concedendo provimento no recurso interposto pela Fazenda Pública da decisão do Tribunal Tributário de 1ª Instância do Porto, julgou improcedente a impugnação judicial que havia deduzido contra as liquidações de IRS dos anos de 1991 e 1992 e de IRC dos anos de 1990, 1991 e 1992, interpôs recurso para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.

  1. Nas respectivas alegações, e na parte que releva para o julgamento do presente recurso de constitucionalidade, suscitou as seguintes questões:

    1. A norma constante do artigo 6.º, n.º 1, alínea c), do CIRS, na versão anterior à redacção conferida pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 263/92, quando interpretada no sentido de abranger os denominados ?juros decorridos?, enquanto ganhos resultantes da alienação de títulos em data anterior ao respectivo vencimento, é inconstitucional por violação dos princípios da legalidade e da tipicidade tributárias consagrados no artigo 103.º, n.º 2, da Constituição;

    2. A norma constante do artigo 1.º do Decreto-Lei nº 263/92, que aditou o n.º 3 ao artigo 6.º do CIRS, quando interpretada no sentido de ser aplicável retroactivamente a situações verificadas antes da sua entrada em vigor, é inconstitucional por violação da proibição de retroactividade fiscal estabelecida no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição.

  2. Nas suas contra-alegações, a Fazenda Pública sustentou então que o recurso era infundado e que não se verificaria qualquer violação dos princípios e normas constitucionais citados, invocando para tanto a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo.

  3. Por acórdão de 20 de Março de 2002, a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo negou provimento ao recurso jurisdicional e confirmou o acórdão impugnado. No que respeita às inconstitucionalidades alegadas, o aresto remeteu para o acórdão de 14 de Fevereiro de 2002 tirado no processo n.º 26.303, aderindo à argumentação aí aduzida para negar a violação dos princípios da tipicidade e da não retroactividade das leis fiscais.

  4. Inconformada, a recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo dos artigos 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição e 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional. A recorrente identificou como normas cuja inconstitucionalidade arguiu os artigos 6.º, n.º 1, alínea c), do CIRS, na redacção anterior à conferida pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 263/92, quando interpretado no sentido de abranger os denominados ?juros decorridos?, enquanto ganhos resultantes da alienação de títulos em data anterior ao respectivo vencimento, por violação dos princípios da legalidade e da tipicidade tributária consagrados no artigo 103.º, n.º 2, da Constituição e o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 263/92, que aditou o n.º 3 ao artigo 6.º do CIRS, quando interpretado no sentido de ser aplicável retroactivamente a situações verificadas antes da sua entrada em vigor, por violação da proibição de retroactividade fiscal estabelecida no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição. A recorrente indicou que tais questões foram por si suscitadas no âmbito das alegações de recurso jurisdicional para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.

  5. No Tribunal Constitucional, a recorrente apresentou alegações que concluiu do seguinte modo:

    1. O acórdão do TCA fundamentou a decisão de conceder provimento ao recurso da Fazenda Pública, com base na interpretação de que ?o texto do artº 6.° n.° 1 c) CIRS é claro ao atribuir a natureza de rendimentos de capital a todo o aumento de valor dos títulos que derive de juros (..) daí que a norma do n.º 3 do art.º 6.° CIRS, introduzida pelo DL 263/92 de 25.11 tenha natureza interpretativa, pois, nos termos expostos, a nova fonte limita-se a explicitar o sentido normativo da situação jurídica preexistente na fonte anterior expressamente referida, sentido normativo esse que a alínea c) do n.º 1 do art.º 6.° tornava duvidoso?.

    2. Os títulos de dívida, seja esta pública ou privada, são títulos de crédito que incorporam crédito de capital e crédito de juros.

    3. A compra e venda dos títulos envolve uma cessão daqueles créditos.

    4. A relação de cessão de crédito (entre alienante e adquirente) não se confunde com a relação de crédito (entre emitente e proprietário do título), sendo esta relação de crédito, o objecto da relação de cessão de crédito.

    5. Pela compra dos créditos incorporados, incluindo o crédito a juros não vencidos, paga-se um preço.

    6. Este preço não é remuneração de um crédito, mas sim o valor da própria alienação de uma titularidade de direitos.

    7. É financeiramente incorrecto e juridicamente absurdo (os títulos extinguir-se-iam!) afirmar que a compra de títulos representa um reembolso antecipado do capital de um mútuo.

    8. Representa sim uma ?troca de capital? no sentido de que, através da cessão, cedente e cessionário substituem nos seus respectivos patrimónios direitos (créditos e dinheiro) que neles preexistiam.

    9. A melhor prova de que o preço de cessão de direitos de crédito, na parte que excede o valor nominal, reveste a natureza de ganho de capital ou mais-valia (e não de rendimento de capital) reside no facto de o próprio legislador ter qualificado como mais-valia os ganhos provenientes da alienação de obrigações e outros títulos da dívida (artigo 10°, n° 2 do CIRS), sem distinguir consoante tais obrigações tenham ou não, como acessórios, juros decorridos vincendos.

    10. Também a lei considera como mais valia, os ganhos resultantes da ?alienação onerosa de partes sociais? (artigo 10°, n° 1, alínea a) do CIRS), não obstante na fixação do valor da alienação possam ser considerados os lucros ou dividendos futuros a que dão direito.

    11. Assim, da mesma forma que, no caso atrás referido o preço de compra de acções não se confunde com o pagamento de dividendos, também no caso de títulos de dívida o preço de compra dos títulos não se pode confundir com o pagamento de juros.

    12. É tecnicamente insustentável definir como rendimento de um bem um negócio jurídico que encerre a alienação do próprio bem que o gerou.

    13. Assim, essa valorização patrimonial não é susceptível de ser tributada na data em que se verifica a venda do bem, uma vez que esse negócio não gera, em sentido jurídico próprio, um rendimento de capital.

    14. Daí que tal realidade se não contivesse no âmbito da previsão da norma de incidência tributária dos rendimentos de capital, dado tratar-se de uma pura operação de compra de títulos da dívida pública, antes da data do seu vencimento, logo, definitiva e irreversível.

    15. Os rendimentos resultantes de aplicação de um capital (actos de administração) pressupõem a existência de uma remuneração ou fluxo de riqueza, de carácter regular e de natureza periódica, que resulta da aplicação de um determinado activo que é gerador de uma determinado ?fruto? (a remuneração), no sentido de que tal rendimento resulta da manutenção continuada da titularidade do respectivo activo, que é a sua fonte. De tal forma que o activo subsiste na titularidade do seu detentor para além do rendimento gerado.

    16. Ao invés, os ganhos de mais-valias, não têm um carácter regular nem periódico, mas sim ocasional, não dependem de uma qualquer prévia e específica actividade dirigida à sua obtenção e resultam, não da detenção de um activo, mas da sua alienação (actos de disposição).

    17. As mais-valias são um acréscimo patrimonial que entra na esfera do titular não como um fruto ou renda de um activo, mas antes como o valor obtido pela própria alienação (quando confrontado com o preço de aquisição) desse activo que, assim, não subsiste na titularidade do seu detentor, ao contrário do que se verifica com os rendimentos de capitais.

    18. Os ganhos resultantes das alienações intercalares de títulos de dívida, como valores mobiliários negociáveis, constituem mais-valias a que o Código do IRS fazia corresponder o regime jurídico-fiscal previsto no seu art.° 10°.

    19. Mesmo que se aceitasse a tese absurda do reembolso antecipado de capital de mútuo, o pressuposto temporal de incidência só seria, nos termos do artigo 8.°, n.° 2, do CIRS, a data do reembolso se não houvesse data estipulada de vencimento da obrigação de juros.

    20. Nos termos dos artigos 6.°, n.° 1, alínea c) e 8.°, n.° 3, alínea a), I), do CIRS apenas eram tributados, a título de rendimento de aplicação de capitais, os juros (não o preço de alienação do respectivo crédito) e no momento do respectivo vencimento.

    21. Pelo que não podiam ser tributados quaisquer juros auferidos (nomeadamente por transacções intercalares) antes do seu vencimento.

    22. A interpretação feita pelo julgador do art. 6.° n.º 1 al. c) do CIRS, na medida em que considera compreendidos na sua previsão, a tributação dos juros vencidos ou decorridos, e ao atribuir-lhe este sentido normativo, ofende e viola o princípio da tipicidade tributária consignado no art. 103.º da CRP , logo é inconstitucional.

    23. Uma vez que, por força desse princípio, a actividade do intérprete não pode chegar a conclusões interpretativas que façam integrar na norma de incidência tributária realidades que objectiva e inequivocamente não são por elas abrangidas.

    24. Ora, defendendo o julgador que os juros vencidos ou decorridos se continham na previsão dessa norma, é conferir à sua interpretação uma dimensão normativa ostensivamente oposta àquela que resultaria da análise e interpretação do seu elemento literal, que consigna, de forma expressa, que o imposto só é devido no momento do vencimento dos juros.

    25. Tal interpretação, não só ignora as razões que presidiram à dita alteração, patenteadas no seu relatório, como constitui a passagem de um autêntico...

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