Acórdão nº 196/03 de Tribunal Constitucional (Port, 10 de Abril de 2003

Magistrado ResponsávelCons. Benjamim Rodrigues
Data da Resolução10 de Abril de 2003
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 196/2003 Proc. n.º 399/02 2ª Secção

Relator Conselheiro Benjamim Rodrigues (Consª Fernanda Palma)

Acordam no plenário do Tribunal Constitucional:

A ? O relatório

  1. A., recorrente no processo acima mencionado, em que figura como recorrida a Fazenda Pública, dizendo-se inconformada com a sentença da 2ª Secção do 2º Juízo do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações de I.R.C. relativas aos anos de 1990, 1991 e 1992 efectuadas pela Repartição de Finanças do então 11º Bairro Fiscal, interpôs recurso, per saltum, para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.

  2. Nas respectivas alegações de recurso, e na parte que importa ao presente recurso de constitucionalidade, sustentou que o n.º 2 do artigo 8.º do C.I.R.S. seria inconstitucional na interpretação segundo a qual o conceito de reembolso antecipado do mútuo abrangeria a transmissão de títulos de dívida por ofensa da ideia de Estado de direito democrático (artigo 2.º da Constituição) e violação do princípio da legalidade fiscal, na sub-modalidade do princípio da tipicidade (presentemente consagrado no artigo 103.º, n.º 2, da Constituição).

    Por outro lado, a recorrente sustentou que a interpretação conjugada dos artigos 6.º, n.º 1, alínea c), e 8.º, n.os 1, 2 e 3, alínea c) do C.I.R.S., no sentido de considerar que o recebimento do chamado ?juro decorrido? se encontra sujeito a imposto, independentemente de o recebimento não ocorrer no momento do vencimento do título, seria também inconstitucional por violação da legalidade fiscal, na modalidade de tipicidade. Além disso, o recorrente alegou que o entendimento segundo o qual o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 263/92, no que respeita às alterações dos artigos 6.º, 8.º, 10.º e 39.º do C.I.R.S., o artigo 2.º, no que respeita às alterações dos artigos 42.º, n.º 3, e 71º, n.º 2 do C.I.R.C., e o artigo 3.º teriam natureza interpretativa seria igualmente inconstitucional, na medida da sua retroactividade, por violação do artigo 103.º, n.º 3, da Constituição na verão de 1997 (aplicável aos autos).

    Por fim, o recorrente arguiu a inconstitucionalidade desta última interpretação normativa por violação do artigo 2.º da Constituição, visto não haver justificação para a retroactividade e por violação do actual artigo 103.º, n.º 2 (correspondente ao artigo 106.º, n.º 2, antes de 1997), por violação do princípio da tipicidade.

  3. A recorrida Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.

  4. No Supremo Tribunal Administrativo, o Ministério Público emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso, invocando a jurisprudência pacífica e reiterada da Secção do Contencioso Tributário.

  5. Por acórdão de 20 de Março de 2002, a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo negou provimento ao recurso jurisdicional e confirmou a sentença impugnada. No que respeita às alegadas inconstitucionalidades, este aresto remeteu para o acórdão de 14 de Fevereiro de 2002 tirado no processo n.º 26.303, aderindo à argumentação aí aduzida para negar a violação dos princípios da tipicidade e da não retroactividade das leis fiscais.

  6. Inconformada, a recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo dos artigos 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição e 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional. A recorrente identificou como normas cuja inconstitucionalidade arguiu os artigos 6.º, n.º 1, alínea c) [conjugadamente com o artigo 8.º, n.os 1, 2 e 3, alínea a), do C.I.R.S., na redacção anterior ao Decreto-Lei n.º 263/92, no sentido de considerar que o recebimento do chamado ?juro decorrido? se encontrar sujeito a imposto, independentemente de o recebimento não ocorrer no momento do vencimento da obrigação de juro (título)], e 1.º do Decreto-Lei nº 263/92, na parte em que atribuiria eficácia retroactiva às alterações dos artigos 6.º [alteração da alínea c) do n.º 1 e aditamento do n.º 3] e 8.º [aditamento da alínea c) do n.º 3] do C.I.R.S.

    A primeira interpretação normativa seria inconstitucional por violação do princípio da legalidade fiscal, na modalidade do sub-princípio da tipicidade, consagrado, antes da Revisão Constitucional de 1997, no artigo 106.º, n.º 2, e, depois dela, no artigo 103.º, n.º 2, da Constituição. A recorrente indica que suscitou esta questão de constitucionalidade nas alegações do recurso para o Supremo Tribunal Administrativo.

    A segunda interpretação normativa seria inconstitucional por excesso relativamente à autorização legislativa conferida pela Lei n.º 17/92, de 6 de Agosto, com ofensa do que eram, ao tempo da emissão do Decreto-Lei n.º 263/92, os artigos 106.º, n.º 2, 115.º, n.º 2, e 168.º, n.º 1, alínea i), e do que são hoje os artigos 103.º, n.º 2, 112.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição, e por violação do princípio da retroactividade fiscal, presentemente consagrado no artigo 103.º, n.º 2, da Constituição. A recorrente indicou que esta última questão foi por ela suscitada nas alegações de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo.

  7. No Tribunal Constitucional, a recorrente refutou o decidido com base nas razões expostas nas suas alegações de recurso e que condensou nas seguintes conclusões:

    1. No douto acórdão recorrido, os fundamentos referentes, respectivamente, à interpretação da al. c) do n.° 1 do art. 6.° [conjugada com o art. 8.°, n.os 1, 2 e 3, al. a)] do CIRS e à natureza interpretativa do Dec-Lei n.° 263/92 não são alternativos, funcionando o segundo como adjuvante do primeiro.

    2. Para interpretar o preceito da al. c) do n.° 1 do art. 6.° do CIRS no sentido de incluir os chamados ?juros decorridos?, isto é, os créditos a juros transmitidos antes do vencimento, o douto acórdão recorrido teve de efectuar, implicitamente, uma interpretação restritiva da sub-alínea 1) da al. a) do n.° 3 do art. 8.° do mesmo CIRS e de criar para o caso, nos termos do art. 10.°, n.° 3, do Código Civil, uma norma segundo a qual, quanto às transmissões de créditos a juros, se atenderá, no que toca ao momento da constituição da obrigação de imposto, à data da transmissão dos títulos.

    3. O princípio da tipicidade tributária, consagrado no que eram os arts. 106.°, n.° 2, e 168.°, n.° 1, al. i), e no que são, depois da revisão constitucional de 1997, os art.os 103.°, n.° 2, e 165.°, n.° 1, al. i), impede não só a interpretação para além dos sentidos possíveis das palavras da lei e a integração por via analógica, como, por maioria de razão, a integração segundo a norma que o intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema.

    4. A interpretação feita pelo acórdão recorrido da al. c) do n.° 1 do art. 6.° do CIRS é indissociável da criação normativa que efectuou no âmbito da matéria do art. 8.°, porque nunca os chamados ?juros decorridos? poderiam encontrar-se abrangidos no primeiro se o momento de constituição da obrigação de imposto fosse o do vencimento da obrigação de juros e se não se tivesse definido o momento da constituição da obrigação de imposto.

    5. Por outro lado, a definição do momento de constituição da obrigação de imposto faz parte da definição da incidência e é elemento essencial do imposto para os efeitos do n.° 2 do art. 103.° da CRP (antes, n.° 2 do art. 106.°).

    6. Deste modo, o segmento normativo da al. c) do n.° 1 3, al. a), na interpretação segundo a qual o chamado ?juro decorrido? se encontra sujeito a imposto, obtido, e enquanto obtido, pelo referido procedimento interpretativo (lato sensu), ofende o princípio da legalidade fiscal, na modalidade de tipicidade tributária.

    7. Ofendê-lo-ia aliás sempre por virtude de a dimensão normativa apurada ser contrariada directamente pelos limites literais do regime legal aplicável.

    8. Nos seus Acórdãos n.os 150/86 e 264/98 o Tribunal Constitucional reconheceu que as ?prescrições? especificamente destinadas à solução do caso formuladas pelo tribunal no âmbito do art. 10.°, n.° 3, do Código Civil integram o conceito funcional ou funcionalmente adequado de norma, relevante para a fiscalização concreta da constitucionalidade.

    9. Para interpretar, como interpretou, o art. 6.°, n.° 1, al. c), do CIRS, no texto anterior ao Dec-Lei n° 263/92, o Tribunal a quo teve, conforme se referiu, de, no âmbito do art. 8.° do mesmo CIRS, criar, para o caso, uma norma sobre o pressuposto temporal da incidência, nos termos do art. 10.°, n.° 3, do Código Civil, sendo os dois aspectos indissociáveis.

    10. Tanto basta para que a questão de inconstitucionalidade suscitada seja uma questão de inconstitucionalidade normativa, susceptível de configurar objecto de recurso para o Tribunal Constitucional.

    11. De qualquer modo, mesmo para além do referido aspecto, não há fundamento para que o Tribunal Constitucional não conheça da violação de limites interpretativos (lato sensu) directamente impostos pela Constituição.

    12. A norma é sempre o resultado de uma actividade interpretativa e os preceitos legais são, no que toca a apreciação de constitucionalidade, sempre mediados por uma específica interpretação.

    13. Por outro lado, o sistema português de fiscalização concreta de constitucionalidade, por via de recurso para o Tribunal Constitucional, assegura o amparo, por este Tribunal, quanto a violações dos direitos fundamentais constitucionalmente consagrados, não havendo razão para afastar dessa protecção violações tão graves como as que decorrem do desrespeito, na actividade interpretativa (lato sensu), dos limites impostos pelos princípios da tipicidade penal ou tributária.

    14. Aliás, quando um tribunal viola esses limites aplica implicitamente uma norma de competência inconstitucional.

    15. O art. 1.° do Dec-Lei n° 263/92, de 24 de Novembro, na parte em que modifica os arts. 6.° e 8.° do CIRS, incide sobre matéria (incidência de imposto) abrangida pela reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, nos termos do que era, ao tempo, o art. 168.°, n.° 1, al. i), e do que é hoje o art...

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