Acórdão nº 660/04 de Tribunal Constitucional (Port, 17 de Novembro de 2004

Magistrado ResponsávelCons. Benjamim Rodrigues
Data da Resolução17 de Novembro de 2004
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 660/04

Processo n.º 14/04

  1. Secção

    Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues

    Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

    A – Relatório

    1 - A. intentou no Tribunal do Trabalho de Vila Nova de Gaia, acção com processo ordinário, contra o banco B., pedindo que se declarasse a ilicitude do seu despedimento e se condenasse a R. a reintegrá-la, sem prejuízo de opção pela indemnização de antiguidade, e a pagar-lhe as retribuições desde a data do despedimento, bem como Esc. 2.000.000$00, de danos não patrimoniais, até ao momento de propositura da acção, tudo acrescido de juros de mora, para tanto, alegando fundamentalmente, ter sido admitida como trabalhadora da Ré, em 20.06.1977, assim se mantendo até ao seu despedimento, por carta da Ré, de 12.07.1993, na sequência de processo disciplinar, mas inexistindo justa causa para tal decisão.

    2 – A acção que foi contestada pela R. e que na mesma deduziu um pedido reconvencional de pagamento de determinada quantia a título de pagamento de juros de que a Autora abusivamente havia desfrutado, após um primeiro julgamento e uma primeira sentença em 1ª instância que vieram a ser anulados por acórdão do Tribunal da Relação do Porto em consequência de recurso para ele interposto, veio a ser julgada parcialmente procedente, declarando-se ilícito o despedimento da Autora e condenando-se a R. a reintegrar a Autora e a pagar-lhe todas as retribuições que a Autora deixou de auferir desde 30 dias antes da propositura da acção até à data da sentença, em quantitativo a liquidar em execução de sentença, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da sentença.

    Tendo a R. apelado para o referido Tribunal da Relação concedeu esta 2ª instância provimento ao recurso, revogou a sentença recorrida, absolveu a mesma R. de todos os pedidos formulados pela Autora e julgou parcialmente procedente o pedido reconvencional, condenando a Autora a pagar à R. a quantia a apurar em liquidação de sentença, no tocante aos juros não cobrados pelo crédito de que a Autora havia ilicitamente beneficiado.

    3 – Inconformada, a Autora recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, concluindo as respectivas alegações do seguinte modo:

    1ª. Ao contrário do que se afirma no douto acórdão recorrido, e se é certo que não se provou que os Caixas Terminalistas tiveram beneficio com o "jogo de cheques", também não ficou provado "que o não tiveram.

    2ª. É inadequado, e induz numa conclusão gravemente distorcida e incorrecta da gravidade do que esteve em causa dizer-se, sem mais, que os montantes desembolsados pelo Banco Recorrido perfizeram 378.350 contos, dado que, se se determinar, por divisão desse somatório das parcelas em descoberto ao longo do período de cerca de um ano (Novembro de 1991 a Novembro de 1992) que durou o "jogo de cheques", o que poderá chamar de "descoberto médio", ver-se-á que ele é de apenas cerca de 1.036 contos.

    3ª. Embora seja correcta a jurisprudência segundo a qual a entidade patronal pode sancionar os mesmos factos por forma diversa, desde que para tanto haja razões, no caso dos autos o Banco Recorrido não observou o principio da coerência disciplinar, dado que sancionou a ora Recorrente de forma diferente dos Caixas Terminalistas - aplicando a estes as medidas de suspensão com perda de vencimento" - e de uma outra trabalhadora sua referida nos autos.

    4ª. No caso em apreço, os factos, as condutas, não são os mesmos, para a Recorrente e para os Caixas, dado que a primeira estava na veste de simples Cliente, como tal pedindo (embora não o devendo ter feito, é certo) que lhe fosse feita a disponibilização de valores em causa, enquanto os Caixas, na circunstância, representavam a estrutura do Banco, no quadro das funções que diária e profissionalmente lhes cabiam, sendo a eles que estava cometido zelar pelo cumprimento das normas vigentes em matéria de pagamento e crédito firme, como numerário, dos cheques apresentados no balcão.

    5ª. Era à estrutura do Banco, ou seja, aos ditos Caixas, que cumpria, acatando instruções que existiam mas que não eram observadas, ter actuado por forma a que os prejuízos que o Banco invoca se não tivessem produzido e a que, se acaso tivessem chegado a produzir-se, rapidamente a situação fosse detectada, com um prejuízo que seria mínimo se comparado com os valor, finais alcançados.

    6ª. Entre os comportamentos adoptados pela Recorrente e os factos acontecidos, adentro da estrutura do Banco, na sequência daqueles, com a disponibi1ização dos fundos pretendidos, na base dos cheques apresentados por ela, não existe nenhum nexo de causalidade adequada, já que, face aos dispositivos vigentes no Banco Recorrido, e desde que esses tivessem sido minimamente observados, dos pedidos formulados aos Caixas Terminalistas nunca poderia ter resultado, em termos de causalidade adequada, o que efectivamente sucedeu.

    7ª. Ao contrário, dos factos praticados pelos Caixas Terminalistas resultaram, como é óbvio, como consequências directas e necessárias os desembolsos indevidos por parte do Banco.

    8ª. A Recorrente actuou sempre única e exclusivamente na veste de cliente, dirigindo-se ao balcão do Recorrente (cfr. resposta ao quesito 24º), como faz qualquer cliente, e aí apresentando as suas solicitações, que os Caixas teriam de apreciar, enquadrar e decidir ou apresentar a decisão superior.

    9ª. Não se provou que fosse a Recorrente a ter de pedir autorização superior para os pagamentos dos cheques, antes tendo de se concluir que não era normal, não correspondia à prática no Banco nem ao nele regulamentado serem os empregados a pedir qualquer autorização superior para receber por caixa os cheques sobre outros Bancos.

    10ª. Ficou provado que era aos Caixas que competia suscitar a questão do pedido de autorização superior, e do preenchimento do impresso 5279.8 e se, como deviam, registavam os cheques em causa como valores à cobrança, contactar a Gerência para autorização do pagamento em numerário.

    11ª.Como a Jurisprudência tem vincado, na determinação e comparação das responsabilidades em matéria de "jogo de cheques", tem de ter-se em atenção as peculiares responsabilidades das pessoas envolvidas.

    12ª. Estando a Recorrente na veste de mera Cliente, que se limitou a PEDIR que os cheques fossem desde logo pagos em numerário, ou que os respectivos depósitos fossem considerados como se tivessem sido em numerário, é óbvio que quem ACTUOU foram os Caixas Terminalistas, sendo que estes infringiram directamente, no exercício estrito das suas funções de empregados, as regras a estas aplicáveis, sendo também evidente, face até à grande reiteração dos pedidos em causa, que os Caixas não podiam ter deixado de perceber que se estava perante um "jogo de cheques" (que o perceberam perfeitamente afirmou-o sem reservas a testemunha do Banco C.).

    13ª. Nessas condições, a conduta dos Caixas Terminalistas foi tão ou mais grave do que a da Recorrente, porque eram eles, como se decidiu em 1ª instância, "Os verdadeiros guardiões dos procedimentos que o Banco instituiu no que diz respeito ao depósito e pagamento de cheques, tendo frustrado com a sua conduta os princípios que o Banco queria ver respeitados nesse domínio", sendo a carta da Recorrente de 6 de Abril de 1993, e o que nela assumiu, irrelevantes para ajuizar sobre a justiça relativa das penas aplicadas aos vários infractores em questão.

    14ª. O douto acórdão recorrido, tal como já fizera a sentença de 1ª instância, omitiu completamente a comparação com outro casos recente de trabalhador do Recorrido (D.), sendo que a ponderação do mesmo era muito relevante, permitindo, também ela, tornar claro que não era coerente e ajustado aplicar à ora Recorrente a pena máxima, de despedimento.

    15ª. Quanto à trabalhadora D., como se retira da resposta dada ao quesito 31º e decorre de decisão disciplinar cuja cópia está junta aos autos, a mesma foi punida, por factos bem mais graves do que os imputados à ora Recorrente, com uma pena somente de 24 dias de suspensão.

    16ª. Sendo as condutas da Recorrente de gravidade não superior à dos factos praticados pela referida trabalhadora D., a decisão correcta tinha de ser no sentido de que, se o Recorrido não despediu nem essa trabalhadora nem os Caixas Terminalistas, deveria ter igual atitude em relação à Recorrente.

    17ª. Neste contexto, ao decidir que a responsabilidade da Recorrente foi mais grave e que o seu despedimento foi lícito, o Tribunal "a quo" violou, por erro de interpretação e de aplicação, as normas do artigo 9º, nºs 1 e 2, e do artigo 12º, nº 5, do Regime Jurídico aprovado pelo Decreto-lei nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro, bem como do artigo 13º da Constituição da República e, do mesmo passo, os princípios da igualdade dos cidadãos e da coerência disciplinar.

    18ª. Deve, pois, ser revogada, por acórdão que dê o despedimento dos autos como ilícito, disso retirando as consequências legais.

    19ª. No que concerne ao decidido no douto acórdão recorrido relativamente à matéria do pedido reconvencional, não foi tido em conta que a nossa lei regula cuidadosamente as condições em que pode ocorrer, durante o processo, alteração da causa de pedir (artigos 272º e 273º do C. P. C.) e que tal disciplina legal pressupõe e impõe que não possa ser atendida no processo, sem que hajam sido observadas as regras já referidas para efeitos de ampliação ou alteração da causa de pedir, uma causa de pedir diferente da inicialmente considerada ou, no caso, daquela que, por decisão que produziu caso julgado formal, se tornou a única atendível no processo.

    20ª. Ora, o pedido reconvencional funda-se numa causa de pedir muito concreta, ligada ao contrato de trabalho da Recorrente com o Banco Recorrido e ao dever de fidelidade que alegadamente incumpriu, conclusão que se impõe dado o caso julgado formal estabelecido pelo douto acórdão desse Supremo Tribunal proferido nestes autos em 18/03/1997, o qual decidiu que o pedido reconvencional se "funda" no incumprimento do dever de "fidelidade" da ora...

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