Acórdão nº 508/05 de Tribunal Constitucional (Port, 04 de Outubro de 2005

Magistrado ResponsávelCons. Mário Torres
Data da Resolução04 de Outubro de 2005
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 508/2005 Processo n.º 571/05 2.ª Secção

Relator: Conselheiro Mário Torres

(Conselheira Maria Fernanda Palma)

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

I – Relatório

1. Ao arguido A. foi aplicada a medida de coacção de prisão preventiva, por despacho do Juiz de Instrução Criminal do Funchal, de 12 de Outubro de 2004 (cf. fls. 42 a 44 dos presentes autos), do seguinte teor:

“Apesar de o arguido «mostrar» ignorar os factos fortemente indiciados terem sido praticados por si e que lhe foram exaustivamente comunicados, o que é certo é que os elementos de prova até este momento colhidos indiciam fortemente que o mesmo, conjuntamente com outros dois arguidos já ouvidos em sede de primeiro interrogatório judicial, pelo menos por duas vezes procuraram que promotores de projectos devidamente identificados nos autos entregassem quantias elevadas em dinheiro «vivo» em «troca» de uma futura aprovação de projectos mesmo contra o Plano Director Municipal da Câmara Municipal de X..

Indiciado está fortemente e igualmente que o dinheiro a receber seria para ser entregue ao ora arguido, que depois o repartiria com pelo menos o co-arguido B., funcionário da referida Câmara.

Igualmente está fortemente indiciado que, usando da sua qualidade de Presidente da Câmara, terá «forçado» um dos aludidos promotores de projectos a entregar a elaboração do mesmo à co-arguida C., a quem teria que pagar o preço da sua execução para que se «facilitasse» a aprovação do projecto em causa.

Dos autos resulta, por parte do mesmo, a prática já fortemente indiciada de vários ilícitos cometidos no âmbito da alínea i) do artigo 3.° da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, a saber:

– Dois crimes de prevaricação, previstos e punidos nos termos do artigo 11.° do Decreto-Lei supra citado, e punido com pena de prisão de 2 a 8 anos;

– Dois crimes de corrupção passiva para acto ilícito, previstos e punidos nos termos do artigo 16.°, n.° 1, do citado diploma com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 108/2001, de 28 de Novembro, punido com pena de prisão de 2 a 8 anos;

– Dois crimes de corrupção activa, previstos e punidos nos termos do n.° 3 do artigo 18.° da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 108/2001, de 28 de Novembro, punido com pena de prisão de 2 a 8 anos.

A prova já carreada aos autos, quer documental, quer testemunhal, entre outras, conseguida em tão pouco tempo de investigação e com bases já tão sólidas, é fortemente elucidativa da actividade ilícita do arguido na sua qualidade de Presidente da Câmara de X..

Face às funções que o mesmo arguido exerce à frente da Câmara Municipal de X. e tendo em atenção que está compreendido no âmbito das suas funções proferir despachos sobre projectos de licenciamento de obras, bem como tem o mesmo acesso a todos os documentos existentes em tal Câmara, bem como a influência que exercerá sobre alguns dos seus colaboradores mais próximos, leva a concluir pela existência de perigo de continuação da actividade criminosa e de perigo de perturbação do decurso do inquérito, bem como grande perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova.

Perigo esse de perturbação do inquérito e aquisição, conservação ou veracidade da prova que maior é ainda sabendo-se que o mesmo reside na área da Câmara de que é Presidente, podendo «destruir» ou «calar» a prova.

É, pois, por demais evidente que existe perigo de continuação da actividade criminosa.

Perigo igualmente existe e grande quer, por um lado, face ao extracto socio-económico em que o arguido está inserido, de o mesmo se ausentar da RAM.

Por outro lado, a natureza dos ilícitos que já se encontram fortemente indiciados e imputáveis ao arguido, de extrema gravidade dada a confiança que lhe foi depositada ao ser eleito para um cargo de Presidência de Câmara pelos seus conterrâneos, são veementemente repudiados e fortemente condenados pela opinião pública, a que acresce, no caso concreto, a já referida posição do arguido no seio da autarquia de X..

Ilícitos esses a condenar ainda mais sabendo-se que para se obterem ganhos ilícitos através da prática de actos ilícitos contrariando a mais elementar das regras: não violação do PDM.

Assim sem sombra de dúvidas estão reunidas todas as condições para se aplicar qualquer das medidas de coacção previstas na lei processual penal para além da medida de coacção termo de identidade e residência.

É certo que a medida de coacção prisão preventiva apenas é de aplicar, face aos princípios da adequação e proporcionalidade, em último caso, quando se revelarem inadequadas ou insuficientes qualquer outra das medidas de coacção.

Do que até agora se disse resulta ser a única medida capaz e adequada às exigências cautelares que este caso requer, bem como é proporcional à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas.

Assim, e tendo em atenção essencialmente a natureza dos ilícitos, a personalidade e funções do arguido, a existência de perigo de continuação da actividade criminosa, o perigo de fuga e a necessidade de assegurar a tranquilidade e a paz pública, determino que, e ao abrigo do disposto nos artigos 191.º, 192.º, 193.º, 195.°, 202.°, n.° 1, alínea a), e 204.°, nas suas diversas alíneas (a), b) e c)), todos do Código de Processo Penal, que o arguido aguarde os ulteriores termos do processo sujeito às seguintes medidas de coacção:

  1. termo de identidade e residência, já prestado a fls. 275; e

  2. prisão preventiva.”

2. O arguido interpôs recurso deste despacho para o Tribunal da Relação de Lisboa, terminando a respectiva motivação (cf. fls. 45 a 63 destes autos) com a formulação das seguintes conclusões:

“1.ª – De harmonia com o disposto no artigo 193.º, n.º 2, do CPP, a prisão preventiva só pode ser aplicada quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coacção;

  1. – E o artigo 28.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa dispõe que a prisão preventiva tem natureza excepcional, não sendo decretada nem mantida sempre que possa ser aplicada caução ou outra medida mais favorável prevista na lei;

  2. – Ao aplicar a medida de prisão preventiva, no caso vertente, o Senhor Juiz não equacionou nem ponderou a suficiência de adequação da imposição ao arguido da obrigação de permanência na sua casa de habitação, cumulativamente com a proibição de entrar no edifício onde estão instalados os serviços da Câmara Municipal de X., de não contactar com os funcionários e membros dos órgãos autárquicos daquela autarquia nem com quaisquer promotores imobiliários com interesses imobiliários na área do concelho de X. e ainda cumulativamente com a suspensão do exercício das funções de Presidente da dita Câmara – previstas nos artigos 201.º, 200.° e 199.º do CPP;

  3. – Medidas estas que seriam inquestionavelmente suficientes para evitar a fuga ou perigo de fuga, o perigo de perturbação do decurso do inquérito e o perigo da perturbação da ordem e da tranquilidade públicas ou de continuação da actividade criminosa;

  4. – Não foi, assim, respeitado o princípio da subsidiariedade da prisão preventiva, pois a aplicação desta terá de ser considerada excessiva, atendendo ao seu carácter provisório e subsidiário;

  5. – Ao decidir pela aplicação da medida máxima de coacção foram violados os artigos 28.º, n.º 2, da Constituição e os artigos 193.°, 202.° e 204.° do CPP.

Pelo exposto, deverá o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, decretar-se a revogação da prisão preventiva aplicada ao ora recorrente e, em sua substituição, ser-lhe aplicada a medida de obrigação de permanência na habitação, prevista no artigo 201.º do CPP, cumulativamente ou não com a proibição de entrar no edifício onde estão instalados os serviços da Câmara Municipal de X., de não contactar com os funcionários e membros dos órgãos autárquicos daquela autarquia nem com quaisquer promotores imobiliários com interesses na área do concelho de X. e ainda cumulativamente com a suspensão do exercício das funções de presidente da Câmara Municipal de X., medidas estas previstas nos artigos 201.º, 200.º e 199.º do citado Código.”

Ao recurso foi negado provimento pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 16 de Dezembro de 2004 (cf. fls. 68 a 80 dos presentes autos).

Nesse acórdão, após se transcrever o despacho recorrido, consignou-se:

“(...) da análise dos elementos probatórios já carreados para os autos, designadamente os depoimentos dos também arguidos C. e B., reproduzidos a fls. 132 a 146, e que prestam, igualmente, serviço na Câmara Municipal de X. [a primeira como arquitecta e o segundo como fiscal de obras], resulta claramente indiciada a prática, pelo recorrente, dos imputados crimes.

Aqueles são peremptórios na imputação factual que fazem ao recorrente, imputação essa que se reforça com o depoimento prestado pelo denunciante D., e com a apreensão dos 15 000 euros feita pelo mesmo à referida C., logo após os ter recebido daquele, como forma de ver aprovado um projecto de construção, há muito apresentado na Câmara de X., mas que também não respeitava as imposições do PDM e do RGEU.

Assim sendo, e na suficiência dos indícios nesta fase processual, as imputações criminosas feitas ao recorrente mostram-se claramente sustentadas, sendo também as respectivas molduras penais aquelas que foram indicadas no despacho recorrido.”

De seguida, o Tribunal da Relação de Lisboa passou a apreciar a necessidade e adequação da medida de coacção aplicada, concluindo que, no caso, a obrigação de permanência na habitação não seria suficiente para, designadamente, assegurar o objectivo de evitar perturbação na aquisição e conservação da prova, pelo que negou provimento ao recurso.

3. Por despacho do Juiz de Instrução Criminal do Funchal, de 10 de Janeiro de 2005 (cf. fls. 111 a 115 destes autos), na sequência do reexame da subsistência dos pressupostos da prisão preventiva, foi mantida a aplicação desta medida. Lê-se nesse despacho:

Dado que ao arguido A. lhe foi...

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