Acórdão nº 247/05 de Tribunal Constitucional (Port, 10 de Maio de 2005

Magistrado ResponsávelCons. Maria João Antunes
Data da Resolução10 de Maio de 2005
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 247/2005 Processo n.º 891/03 1.ª Secção Relatora: Conselheira Maria João Antunes

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

  1. Relatório

    1. A., com os sinais dos autos, recorre para este Tribunal, ao abrigo do artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de fls. 2085 e ss., que o condenou pela prática de dois crimes de Actos homossexuais com adolescentes, previstos e punidos pelo artigo 175º do Código Penal (CP), na pena única de dois anos e seis meses de prisão.

      O recorrente pede a apreciação da constitucionalidade da norma deste artigo 175°, por entender que viola os artigos 13°, nºs 1 e 2, e 26°, nº 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), nomeadamente quando confrontado com o artigo 174º do mesmo Código.

    2. Admitido o recurso, o recorrente apresentou alegações que concluiu nos seguintes termos:

      "

      1. No requerimento de recurso interposto para o STJ, o recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade do artº 175º CP, face aos artigos 13° n.ºs 1 e 2 e 26° n.º 1 da CRP (na redacção que lhe foi dada pela revisão de 1997), nomeadamente, quando aquele preceito é confrontado com o artº 174° do CP.

      2. Efectivamente, o artº 175° CP dispõe: "Quem, sendo maior, praticar actos homossexuais de relevo com menor entre 14 e 16 anos, ou levar a que eles sejam por este praticados com outrem, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias."

      3. Por sua vez, o artº 174° dispõe: "Quem, sendo maior, tiver cópula, coito anal ou coito oral com menor entre 14 e 16 anos, abusando da sua inexperiência, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias."

      4. Os dois artigos apresentam uma disparidade de requisitos que vai muito para além da simples exigência da inexperiência do menor.

      5. Efectivamente, no campo das relações heterossexuais para que um indivíduo maior seja punido por se relacionar com um menor de 14 ou 15 anos, é necessário que tenha existido:

        cópula, coito anal ou coito oral;

        prática pelo próprio agente do crime;

        abuso da inexperiência do menor; e

        os requisitos são cumulativos.

      6. Já no campo das relações homossexuais para que um indivíduo maior seja punido por se relacionar com um menor entre 14 e 16 anos basta que pratique um acto sexual de relevo ou leve a que ele seja praticado pelo menor com outrem.

      7. Ora, considerando que a jurisprudência do STJ e dos Tribunais da Relação de Lisboa e do Porto entende que um beijo na boca, uma carícia, um passar a mão pelas pernas com fins libidinosos são actos sexuais de relevo, um indivíduo maior que der um beijo na boca de um menor de 14 ou 15 anos do mesmo sexo e com o seu consentimento é automaticamente punido com pena de prisão até 2 anos com pena de multa até 240 dias.

      8. Se estivermos no campo das relações heterossexuais, é necessário cópula, coito anal ou coito oral e, cumulativamente, abuso da inexperiência do menor.

      9. É inegável que existe na lei um tratamento mais benevolente com as relações heterossexuais que, no entendimento do STJ, se justifica.

        Leia-se no douto acórdão do STJ [...] "O legislador, ao proceder assim, não estabelece diferenciações sem fundamento material bastante, de forma irrazoável, movido por uma injustificada e arbitrária razão, antes trata de forma desigual à luz de um padrão objectivo o que o deve ser, e que são as relações homossexuais de relevo de pessoa maior com menores entre os 14 e 16 anos, quando comparativamente com actos entre pessoas de sexo diferente, entre menores de 14 e 16 anos e maior." [...].

      10. Salvo o devido respeito, o acórdão limita-se a evidenciar o que já era evidente: existe diferença entre os dois artigos!!!

        Não justifica a razão de ser da disparidade de requisitos.

      11. Embora tenha tentado fugir a concepções moralistas, o STJ mostra o que o motivou a não declarar a inconstitucionalidade do artº 175° do CP, quando afirma: "...A prática de actos homossexuais de adultos com menores é na envolvência cultural de hoje, encarada, em larguíssimos sectores sociais e humanos, na esmagadora maioria dos cidadãos, objectivamente mais grave do que a prática de actos heterossexuais com menores, pelos efeitos que conduz, repercutindo aquela uma prática de menor normalidade e a última, apesar de ainda condenável, maior normalidade.

        As experiências homossexuais de adultos com menores, independentemente da experiência sexual da vítima, são substancialmente mais traumatizantes, por representarem um uso anormal do sexo, condutas altamente desviantes, por serem contrárias à ordem natural das coisas, comprometendo ou podendo comprometer a formação da personalidade e o equilíbrio mental, intelectual e social futuro da vítima desencadeando, também, colateralmente, efeitos danosos de um ponto de vista social, fenómenos disfuncionais em grau mais elevado, à partida, do que os actos heterossexuais com adolescentes, mesmo sem experiência sexual."

      12. Não se compreendem as afirmações dos Senhores Juízes Conselheiros do STJ, pois o artº 175° não contempla um crime de violação (este tem sede própria). Os actos que aí são contemplados são consentâneos.

      13. Tanto B. como C. eram prostitutos.

      14. Foram eles que tomaram a iniciativa de ir ao encontro do recorrente.

      15. Os actos sexuais foram praticados voluntariamente por eles.

      16. Estamos no domínio dos actos consensuais.

      17. Por outro lado, recurso a um critério de normalidade estatística é "um argumento muito pouco convincente e de legitimidade constitucional assaz duvidosa".

      18. "Só uma concepção da homossexualidade como "vício" – e portanto como "imoral" – pode explicar a persistência da ideia (de todo infundada) de que é preciso proteger os jovens contra qualquer tipo de contactos homossexuais de molde a evitar que possam ser, como se lia na redacção originária do Código Penal vigente, desencaminhados para uma orientação sexual que não é a sua."

      19. O direito penal deve estar desprovido de qualquer carácter moral.

      20. Destaque-se Roxin que afirma que "ao legislador falta em absoluto a legitimidade para punir condutas não lesivas de bens jurídicos, apenas em nome da imoralidade".

      21. Por sua vez, Karl Prelhaz Natscheradetz afirma que "sendo objectivo do direito penal sexual garantir a maior liberdade possível nos comportamentos sexuais [e se] a liberdade consiste em poder fazer tudo aquilo que não prejudique outrem - artigo 4° da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão - deverá exigir-se precisamente que os crimes sexuais tutelem o bem jurídico da liberdade individual, limitando-se assim o direito penal sexual à criminalização das condutas sexuais que mais gravosamente atentem contra a liberdade pessoal do ofendido, ou seja, que ofendam a liberdade sexual ou a livre autodeterminação sexual do ofendido, privando-o da disposição de um dos aspectos mais intimamente ligados à sua auto-realização pessoal, como é a actividade sexual".

      22. Aliás, o facto dos artigos 174° e 175° contemplarem relações consentâneas, leva o Prof. Figueiredo Dias a defender, em comentário ao artº 174º, que "...na verdade parece ser de recomendar, em termos de jure dando, a descriminalização deste tipo de conduta, atribuindo a tutela do desenvolvimento da vida sexual adolescente, nesta parte, a outros meios de política social, nomeadamente de carácter moral, educativo e religioso".

      23. Do mesmo Prof. também se lê que "não é crime qualquer actividade sexual, (qualquer que seja a espécie) praticada por adultos, em privado, e com consentimento" e "se é função do direito penal proteger bens jurídicos fundamentais da comunidade e só eles, decorre daí o mandamento de banir do seu âmbito todas e quaisquer "excrescências moralistas" e permitir que ele se concentre, tanto quanto possível, no seu núcleo essencial. A este propósito se falará, então, com propriedade de exigência de destruição, no seio do direito penal, de todo o dogmatismo moral; da exigência de que se não punam condutas que, embora moralmente censuráveis, ou não põem em causa os restantes membros da comunidade, ou cuja punição acarretaria para esta maiores prejuízos do que vantagens, ou que encerram questões moralmente muito discutíveis e cuja valoração não é feita no mesmo sentido pela generalidade dos membros da comunidade".

      24. Como muito pertinentemente sublinha o Digníssimo Procurador-Adjunto Jorge Dias Duarte "se considerarmos que o bem jurídico tutelado na secção em que este crime se insere é a auto-determinação sexual, ou seja, o direito de crescer até uma dada idade na "relativa inocência" do que são contactos sexuais, até que, uma vez formada a personalidade, se possa livremente exercer a liberdade de escolha de parceiro(s)/parceira(s) e tipos de práticas sexuais em que cada um se decide envolver, não se entende que se tutele esse direito contra práticas homossexuais e não se faça idêntica tutela contra práticas heterossexuais; assim, e a título de provocação (?), pense-se que motivos poderão levar a perseguir juridico-penalmente o jovem de 20 anos de idade que desafia o seu. vizinho de 15 anos, do mesmo sexo, para com ele manter relações de sexo oral e que motivos poderão conduzir a que o mesmo jovem de 20 anos não seja perseguido se convidar a sua vizinha, também com 15 anos de idade e sexualmente "experiente", a participar em jogos sado-masoquistas...".

      25. Seguidamente conclui "que uma sociedade que se pretenda neutral em termos de moralidade sexual apenas pode tratar de forma diversa aquilo que se apresente de forma diversa; assim apenas deverá ser penalmente perseguido o agente que conduza o menor entre 14 e 16 anos de idade à prática de actos homossexuais - de relevo - nos casos em que o mesmo actue de forma a que seja posta em causa a liberdade de autodeterminação sexual desse menor, do mesmo modo que, em idênticas circunstâncias, deverá ser punido o agente que levar o mesmo menor à prática de actos heterossexuais de relevo, pois só desta forma se assegurará uma efectiva tutela de...

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