Acórdão nº 144/05 de Tribunal Constitucional (Port, 16 de Março de 2005

Magistrado ResponsávelCons. Helena Brito
Data da Resolução16 de Março de 2005
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 144/05

Processo n.º 875/04

  1. Secção

    Relatora: Conselheira Maria Helena Brito

    Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:

    I

    1. A. interpôs, junto do Supremo Tribunal Administrativo, recurso contencioso de anulação de um despacho conjunto do Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas e do Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças, pelo qual lhe foi atribuída uma indemnização pelos produtos florestais extraídos de certos prédios rústicos durante o período de intervenção da reforma agrária, sem atender ao valor real da cortiça no momento do pagamento da indemnização.

      Houve resposta do Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas (fls. 33 e seguintes), alegações da recorrente (fls. 40 e seguintes), alegações do Ministro (fls. 75 e seguintes) e parecer do Ministério Público (fls. 84 e seguintes).

    2. Por acórdão de 5 de Novembro de 2002 (fls. 89 e seguintes), o Supremo Tribunal Administrativo negou provimento ao recurso.

    3. Deste acórdão interpôs A. recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo (fls. 100), tendo nas alegações respectivas (fls. 108 e seguintes) concluído, para o que aqui releva, do seguinte modo:

      “[...]

  2. - Pela Constituição da República, os critérios de avaliação e direitos a indemnizar têm de respeitar os princípios de Justiça, Igualdade e Proporcionalidade.

  3. - Todos estes princípios se encontram ausentes no Acórdão recorrido quando negou a actualização da cortiça arrecadada pelo Estado entre 76 e 86.

  4. - Pelo Acórdão do S.T.J., Proc. 1292/02 de 28/05/02, relativamente à extracção de uma cortiça em 1989, num prédio rústico abrangido pelas medidas da Reforma Agrária e posteriormente devolvido, e tendo por fundamento o Despacho Normativo 101/89 de 25/10/89, publicado no D.R. I Série de 09/11/89 e art. 6º do D.L. 312/85 de 31/07, ficou decidido que a indemnização devida pela cortiça está subtraída ao princípio nominalista, previsto no art. 550º do C.C., sendo a mesma actualizada nos termos do art. 551º do C.C.

  5. - Este mesmo Acórdão do STJ decidiu aplicar:

    - O art. 62º n.° 2 da C.R.P. à indemnização pela perda do rendimento de cortiça;

    - Subsidiariamente os arts. 22º e 23º do Código das Expropriações, D.L. 438/91 de 13/11, para actualização da cortiça de acordo com o índice de preços no consumidor;

  6. - O despacho impugnado ao ofender o conteúdo essencial de um direito fundamental, é nulo por violação do preceituado na alínea d) do n.° 2 do art. 133° do CPA, conjugado com o art. 62º n.° 2 da CRP, uma vez que não respeita o direito constitucional à justa indemnização, prevista no art. 62º n.° 2 da CRP.

  7. - O Acórdão recorrido ao não proceder à actualização da cortiça, por erro de interpretação violou o disposto nos arts. 9º n.ºs 1, 2, 3, 4, e 5 e art. 13º n.° 1 da Lei 2/79, no art. 6º n.ºs 2 e 3 do Decreto-Lei 312/85 de 31/07, no art. 1º n.° 1 e n.° 2 e art. 7º do Decreto-Lei 199/88 de 31/05, o art. 5º n.° 2 d) e art. 14º n.° 1 do mesmo diploma na redacção do Decreto-Lei 38/95 de 14/02, o art. 2º n.° 1 e art. 3º c) da Portaria 197-A/95 de 17/03, o art. 133º n.° 2 d) do CPA, arts. 9° n.° 1, 10°, 212° e 551° do Código Civil.

  8. - O Acórdão recorrido ao partir do pressuposto que a indemnização pela perda do rendimento florestal é fixada pelas regras aplicáveis de direito comum aos lucros cessantes, enferma de errada interpretação da lei, designadamente do art. 564º do Código Civil.

  9. - O art. 564º do C.Civi1 nomeadamente com a interpretação que lhe foi conferida pelo douto Acórdão recorrido, ao entender que o cálculo das indemnizações da Reforma Agrária pela perda do rendimento florestal é efectuado nos termos da referida disposição legal, não assegura a justa indemnização, pelo que terá de se considerar inconstitucional, uma vez que está em desconformidade com o disposto no art. 62º n.° 2 da C.R.P. que determina que o pagamento da justa indemnização pela expropriação de bens e direitos só pode ser alcançado pela actualização desses bens para o valor rea1 e corrente.

  10. - Os arts. 13º, 19º e 24º da Lei 80/77 de 26/10, e nomeadamente com a interpretação que foi perfilhada pelo douto Acórdão recorrido, ao entender que aos valores da cortiça apenas acresce a taxa de juro de 2,5%, referida naquela disposição legal, não assegura a justa indemnização, pelo que ter-se-á de considerar, nessa parte inconstitucional, uma vez que está em desconformidade com o disposto no art. 62º n.° 2° da Constituição da República, que determina que o pagamento da justa indemnização, pela expropriação e privação de bens e direitos, só pode ser alcançado pela actualização desses bens, para o valor real e corrente.

  11. - A recorrente, no que se refere à não actualização da cortiça foi tratada de forma particularmente desfavorável e sem qualquer fundamento legal, relativamente a outros cidadãos que receberam os bens indemnizáveis actualizados e os valores da cortiça, logo após as devoluções dos prédios ou entrega da reserva.

  12. - Os arts. 13º, 19º e 24º da Lei 80/77 com o sentido e alcance que lhe foi conferido pelo douto Acórdão, nomeadamente quando entendeu que aos valores da cortiça apenas são acrescidos dos juros à taxa de 2,5% ao ano, não assegura o princípio da igualdade, é inconstitucional, por violação do art. 13º n° 1 da CRP.

    [...].”

    O Ministro da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas também alegou (fls. 231 e seguintes), sustentando que devia ser negado provimento ao recurso. Em idêntico sentido se pronunciou o Ministério Público, no seu parecer (fls. 236).

    1. Por acórdão de 2 de Junho de 2004 (fls. 240 e seguintes), o Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo negou provimento ao recurso, pelos seguintes fundamentos:

      “[...]

      A questão que se coloca é, pois, como se vê, a de saber que [...] critérios devem presidir ao cálculo da indemnização dos produtos florestais, designadamente da cortiça, a que tem direito o proprietário cujo prédio foi nacionalizado, expropriado ou ocupado no âmbito da Reforma Agrária e o modo da sua actualização.

      E no tocante a essa questão a jurisprudência deste Tribunal encontra-se consolidada, pelo que inexistindo razões para dela divergir limitar-nos-emos a acompanhar o que tem sido dito.

      Escreveu-se a esse propósito no Acórdão do Pleno de 28/4/01 (rec. 47.391):

      Do exame da legislação indicada apura-se que, com o Decreto-Lei n.º 199/88, se introduziu no regime de indemnizações relativo às expropriações e nacionalizações efectuadas no âmbito da Reforma Agrária, a par de indemnizações pela ‘perda do direito de propriedade, perfeita ou imperfeita’ e pela ‘caducidade dos direitos do arrendatário’ [art. 3º, n.º 1, alíneas a) e b)], uma indemnização pela privação temporária do uso e fruição dos prédios expropriados ou nacionalizados, indemnização esta que se aplica em todos os casos em que houve devolução dos bens em momento ulterior [art. 3º, n.º 1, alínea c), deste diploma].

      Assim, nestes casos em que houve devolução dos bens, não há qualquer outra indemnização, no que concerne a bens devolvidos, pois esta visa, precisamente, reparar o prejuízo global sofrido com a privação do uso e fruição, como decorre do [art.] 14º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 199/88.

      No caso dos autos, está-se perante uma situação em que ocorreu a devolução global dos prédios expropriados [segundo se infere da alínea a) da matéria de facto fixada], pelo que há lugar à indemnização por privação temporária do uso ou fruição desses prédios, à face do preceituado nos referidos arts. 3º, n.º 1, alínea c), e 14º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 199/88.

      A indemnização por privação temporária, no que concerne ao rendimento florestal, é a correspondente ao ‘rendimento florestal líquido do prédio, calculado de acordo com os critérios do Decreto-Lei n.º 312/85, de 31/7, e do Decreto-Lei n.º 74/89, de 3/3, cujo apuramento será efectuado pelo Instituto Florestal’, como expressamente se refere na alínea d) do n.º 2 do art. 5º do Decreto-Lei n.º 199/88.

      Consequentemente, nestes casos de devolução de bens, não há lugar a uma indemnização autónoma por frutos pendentes, designadamente a prevista no n.º 7 do art. 11º do Decreto-Lei n.º 199/88, pois esta tem lugar nos casos em que os bens que integravam o capital de exploração não foi devolvido, como se conclui do conjunto das disposições deste artigo, em que se incluem referências expressas a bens que não tenham regressado à posse dos seus titulares e a bens não devolvidos (n.ºs 4 e 6), conjugadas com o art. 14º, em que se prevê uma indemnização autónoma ‘pela privação temporária de uso e fruição dos bens devolvidos’.

      Relativamente aos bens devolvidos, o único prejuízo consubstancia-se em tal privação e, por isso, se ele é indemnizado autonomamente, abrangendo o rendimento líquido dos bens florestais, a atribuição cumulativa de uma indemnização por frutos pendentes, que constituem uma parte do rendimento líquido do prédio durante o período de privação, reconduzir-se-ia a uma inaceitável duplicação parcial de indemnização pelo mesmo prejuízo.

      7. No caso em apreço, o valor da indemnização relativa à cortiça extraída foi calculada tomando por referência os valores pelos quais foi vendida [alínea g) da matéria de facto fixada].

      Como se referiu, no art. 7º do Decreto-Lei n.º 199/88, depois de se estabelecer, no n.º 1, que ‘as indemnizações definitivas pela expropriação ou nacionalização ao abrigo da legislação sobre reforma agrária serão fixadas com base no valor real e corrente desses bens e direitos, apurado nos termos deste diploma, de modo a assegurar uma justa compensação pela privação dos mesmos bens e direitos’, acrescenta-se, no n.º 2 que ‘o valor atrás indicado deve referir-se à data da ocupação, nacionalização ou expropriação, consoante o acto que tenha ocorrido em primeiro lugar’.

      Assim, também no caso de produtos florestais, depois de determinado o rendimento líquido com base nos valores de venda desses produtos e dos...

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