Acórdão nº 101/05 de Tribunal Constitucional (Port, 24 de Fevereiro de 2005

Magistrado ResponsávelCons. Bravo Serra
Data da Resolução24 de Fevereiro de 2005
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 101/05

Processo n.º 787-A/2001

  1. Secção

Relator: Conselheiro Bravo Serra

1. Notificado do Acórdão nº 695/2004, em que se procedeu a rectificação de determinados «erros» de transcrição que teriam sucedido no Acórdão nº 425/2004, veio o impugnante Licº A. apresentar reclamação, ao que tudo indica referentemente a este último aresto (que indeferiu uma «reclamação» que teve por alvo o Acórdão nº 150/2004 que, por sua vez, indeferiu a «reclamação» dirigida ao Acórdão nº 603/2003, aresto este que indeferiu a «reclamação» incidente sobre o Acórdão nº 435/2003, que, de seu turno, desatendeu a arguição de nulidades e indeferiu a «reclamação» que recaíram sobre o Acórdão nº 272/2002), com o seguinte teor:-

“A., reclamante nos autos acima identificados, pese embora o devido respeito, considera que o modo como foi tirado o douto acórdão n.º 425/2004, notificado por nota de 21 de Junho de 2004, em que se integra o douto acórdão n.º 695/2004 notificado por nota de 13 de Dezembro de 2004, não se coaduna minimamente com as exigências decorrentes do disposto nos artigos 158.º e 668.º n.º 1, alíneas b) e c), do Código de Processo Civil.

Os vícios evidenciados, no entender do reclamante, pelo douto acórdão n.º 425/2004 em que se integra o douto acórdão n.º 695/2004, demonstram que, nos presentes autos não foi respeitado o direito ao processo equitativo e leal a todos reconhecido pelos artigos 20.º n.ºs 1 e 4, da Constituição e 6.º n.º1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, pelo que dele vem reclamar com os fundamentos que a seguir se expõem.

A - Salvo melhor entendimento, o ora reclamante considera que a presente reclamação é legalmente admissível

  1. O Tribunal Constitucional tem ensinado que ‘... importa acautelar, como exigência constitucional, ... que os destinatários de uma decisão judicial tenham conhecimento do seu conteúdo, nomeadamente para contra ela poderem reagir, através dos meios processuais adequados’(acórdão do Tribunal Constitucional n.º 183/98, de 11 de Fevereiro de 1998, in BMJ n.º 474- Março - 1998, pp. 95,107, carregado acrescentado).

  2. O ora reclamante considera que o texto do ponto 2 do douto acórdão n.º 425/2004, em que se integra o douto acórdão n.º 695/2004, permite evidenciar vícios na estrutura da decisão de indeferimento da reclamação apresentada com vista a contestar a legalidade dos actos cuja prática é atestada pelo texto do douto acórdão n.º 150/2004.

  3. Segundo o n.º 3 do artigo 3.º do Código de Processo Civil, ‘o Juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo o principio do contraditório...’

  4. ‘Relativamente aos actos jurisdicionais ofensivos dos direitos das pessoas, a impugnação faz-se por recurso ou por reclamação, observadas as disposições processuais aplicáveis...’ (acórdão do Tribunal Constitucional n.º 340/90, de 19 de Dezembro de 1990, in BMJ n.º 402 - Janeiro - 1991. pp. 169,176, carregados acrescentados).

  5. Do disposto nos artigos 203.º da Constituição infere-se que os tribunais têm o dever de decidir sempre de harmonia com disposições legais, concordem ou não com elas os julgadores.

  6. O artigo 668.º, nº 3, do Código de Processo Civil estabelece:

    ‘As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1... podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário; no caso contrário, o recurso pode ter como fundamento qualquer dessas nulidades.’

  7. O artigo 677.º do Código de Processo Civil estabelece que ‘a decisão considera-se passada ou transitada em julgado, logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação nos termos dos artigos 668º e 669.º’

  8. Destas disposições normativas decorre, no entender do reclamante, que, para o legislador, a circunstância de as decisões do Tribunal Constitucional não serem passíveis de recurso, só por si, não elimina a possibilidade de sucessivas decisões proferidas em sede de arguição de nulidades revelarem vícios do naipe dos enunciados nos artigos 668.º, n.º 1, e 201.º, n.º 1, do Código de Processo Civil susceptíveis de implicar a anulação dos sucessivos julgamentos.

  9. Assim, enquanto a matéria relativa a nulidades tempestivamente arguidas às sucessivas decisões não for apreciada por forma a que não fique truncada a materialização da dimensão garantística do direito à tutela jurisdicional efectiva, a primeira das decisões não cessa de ser susceptível de reclamação, pois não se compreende como é que, com as irregularidades evidenciadas pela actividade desenvolvida para chegar às decisões posteriores, se poderão sanar os vícios das anteriores.

  10. O facto de as decisões do Tribunal Constitucional não serem passíveis de recurso também não poderá significar que essas decisões não devam respeitar as garantias conferidas pelos artigos 158.º e 668.º, n.º 1, alíneas b) e c), do Código de Processo Civil.

  11. Os vícios que, no entender do reclamante, afectam o modo como foram tirados os doutos acórdãos n.ºs 425/2004 e 695/2004 permitem pensar que as decisões de condenação em custas proferidas nestes autos foram ditadas exclusivamente pela preocupação de punir o facto de o reclamante ter reagido a actos praticados no exercício da função jurisdicional por ele considerados ofensivos dos seus direitos fundamentais.

  12. Por requerimento enviado em 6 de Julho de 2004, o interessado veio pedir a rectificação de erros de escrita detectados no douto acórdão n.º 425/2004.

  13. Por nota de 13 de Dezembro de 2004, é notificado ao interessado o douto acórdão n.º 695/2004 pelo qual se procedeu à rectificação dos erros de escrita indicados.

  14. Assim, à luz do disposto nos artigos 670.º, n.º 3, e 144.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, esta reclamação é apresentada dentro do prazo legalmente previsto.

  15. O artigo 13.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (direito a um recurso efectivo) estabelece:

    ‘Qualquer pessoa cujos direitos e liberdades reconhecidos na presente Convenção tiverem sido violados tem direito a recurso perante uma instância nacional mesmo quando a violação tiver sido cometida por pessoas que actuem no exercício das suas funções oficiais.’

  16. Nestas condições. a presente reclamação deve ser admitida e examinada equitativamente.

    B - Razões de facto e de direito da presente reclamação

    I - O reclamante considera que o douto acórdão n.º 425/2003 não satisfaz as exigências decorrentes do disposto nos artigos 158.º e 668.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil

  17. O reclamante considera que os fundamentos de uma decisão judicial se determinam através da indagação, interpretação e aplicação das regras de direito aos factos apurados.

  18. No que toca ao dever de fundamentação decorrente do artigo 158.º do Código de Processo Civil, o Tribunal Constitucional tem ensinado:

    ‘A exigência de fundamentação das decisões judiciais corresponde sem dúvida a um imperativo constitucional e constitui uma garantia integrante do conceito de Estado de Direito democrático.

    ... Sobretudo quanto às decisões judiciais que tenham por objecto a solução do objecto do litígio, impõe-se a fundamentação ou motivação fáctica dos actos decisórios através da exposição concisa e completa dos motivos de facto, bem como das razões de direito que justificam a decisão (acórdão do Tribunal Constitucional n.º 151/99, de 9 de Março de 1999, in BMJ n.º 485 Abril - 1999, pp. 70, 72- 73, carregados acrescentados).

  19. Assim, para além de facilitar o reexame da causa no tribunal superior, a fundamentação exerce a função de promover o auto-controlo do julgador, e é um elemento essencial para garantir a transparência na administração da justiça, sendo, enquanto instrumento de ponderação e de legitimação das decisões judiciais, inerente ao próprio acto jurisdicional.

  20. O douto acórdão n.º 425/2004 não indica os elementos de facto e de direito que serviram de premissas à conclusão de que ‘(é) por demais óbvio que, in casu, não se posta nenhuma das situações a que se reportam as nulidades de que aquele artº 202° permite ao tribunal conhecer oficiosamente’.

    1. No ponto 2 do douto acórdão n.º 425/2004, lê-se:

      ‘De acordo com o artº 202° do diploma adjectivo civil (disposição que é a invocada pelo reclamante) 'das nulidades mencionadas nos artigos 193.º e 194.º, na segunda parte do n.° 2 do artigo 198.º e nos artigos 199.° e 200.° pode o tribunal conhecer oficiosamente, a não ser que devam considerar-se sanadas. Das restantes só pode conhecer sobre reclamação dos interessados, salvo os casos especiais em que a lei permite o conhecimento oficioso’,

      É por demais óbvio que, in casu, não se posta nenhuma das situações a que se reportam as nulidades de que aquele artº 202° permite ao tribunal conhecer oficiosamente’ (carregado acrescentado).

    2. Destas passagens decorre que o Tribunal Constitucional considerou que o artigo 202.º do Código de Processo Civil lhe veda a possibilidade de conhecer da matéria exposta pelo interessado na reclamação apresentada com vista a contestar a legalidade dos actos cuja prática é atestada pelo texto do douto acórdão n.º 150/2004.

    3. O ponto 2 do douto acórdão n. 425/2004 não permite ao seu destinatário ou a terceiros identificar elementos de facto que permitam fazer uma ideia da situação que foi excluída do âmbito de aplicação do artigo 202.º do Código ,de Processo Civil nem os critérios normativos de que se serviram os julgadores na actividade de interpretação dessa disposição legal.

    4. A ausência de indicação dos factos e dos critérios normativos que presidiram à interpretação do artigo 202.º do Código de Processo Civil. cujo texto vem reproduzido no douto acórdão n.º 425/2004, inviabiliza um controlo geral e externo da fundamentação factual lógica e jurídica da conclusão de que ‘(é) por demais óbvio que, in casu, não se posta nenhuma das situações a que se reportam as nulidades de que aquele artº 202° permite ao tribunal conhecer oficiosamente’.

    5. O reclamante apresentou reclamação a fim de contestar a legalidade dos actos cuja prática é atestada pelo douto acórdão n.º 150/2004, por...

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