Acórdão nº 12/05 de Tribunal Constitucional (Port, 12 de Janeiro de 2005

Magistrado ResponsávelCons. Mota Pinto
Data da Resolução12 de Janeiro de 2005
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃ0 N.º 12/2005 Processo n.º 3/00 2.ª Secção

Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

  1. Relatório

    AUTONUM 1.A. intentou uma acção declarativa de condenação contra o Estado Português, pedindo o pagamento de uma indemnização no valor de 12.500.000$00, por danos sofridos com prisão preventiva de 19 meses no âmbito do processo penal em que figurava como arguido, e decretada, em seu entender, sem que se tivessem verificado no caso concreto os respectivos pressupostos de aplicação.

    Por sentença do Tribunal Judicial do Círculo de Torres Vedras, proferida em 13 de Outubro de 1998, esta acção foi considerada improcedente e o demandado absolvido do pedido, dizendo-se:

    O DIREITO:

    Em sede de “Direitos. Liberdades e Garantias”, estabelece a Constituição da República Portuguesa no n.º 1 do artigo 27º, que todos têm direito à liberdade e à segurança.

    Nos termos do n.º 2 do normativo constitucional citado, ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória ou de aplicação judicial de medida de segurança.

    O n.º 3 consagra taxativamente as excepções ao princípio referido, prevendo a privação da liberdade pelo tempo e nas condições que a lei determinar, incluindo-se na alínea a) a prisão preventiva.

    Prevê o n.º 5 da mesma norma constitucional que a privação da liberdade contra o disposto na Constituição e na lei constitui o Estado no dever de indemnizar o lesado nos termos que a lei estabelecer.

    Dispõe o n.º 1 do artigo 225º do Código de Processo Penal:

    “Quem tiver sofrido detenção ou prisão preventiva manifestamente ilegal pode requerer, perante o tribunal competente, indemnização dos danos sofridos com a privação da liberdade.”

    Prescreve o n.º 2 do normativo em apreço:

    “O disposto no número anterior aplica-se a quem tiver sofrido prisão preventiva que, não sendo ilegal, venha a revelar-se injustificada por erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia, se a privação da liberdade lhe tiver causado prejuízos anómalos e de particular gravidade...".

    Vejamos quais os pressupostos da obrigação de indemnizar por parte do Estado, decorrente da prisão preventiva:

    1. Os previstos no n.º 1 do artigo 225º do Código de Processo Penal

    Exige a lei que a prisão preventiva seja “manifestamente ilegal”.

    Na apreciação deste pressuposto, o Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República, no parecer n.º 12/92 conclui que “É manifesto o que é evidente, inequívoco ou claro, isto é, o que não deixa dúvidas (…) será prisão ou detenção manifestamente ilegal aquela cujo vício sobressai com evidência. em termos objectivos, da análise da situação fáctico-jurídica em causa, como é o caso da prisão preventiva com fundamento na indiciação da prática de um crime a que corresponda pena de prisão de máximo inferior a três anos, e da detenção com base na indiciação de uma infracção criminal apenas punida com multa”.

    No mesmo sentido, escreve o Conselheiro Maia Gonçalves na anotação à norma referida, que a ilegalidade manifesta é aquela que necessariamente se torna evidente numa mera apreciação superficial (Código de Processo Penal Anotado, ed. de 1987).

    Em suma: o juízo a partir do qual se conclui pela existência de “ilegalidade manifesta” é de natureza objectiva, traduzindo-se na constatação (óbvia) de que naquela situação em concreto nunca seria possível a aplicação da prisão preventiva, já que se indicia a prática de um crime (absolutamente) insusceptível de aplicação da medida coactiva em causa.

    A situação do Autor não se integra na previsão legal do n.º 1 do artigo 225º do CPP, já que se considerou indiciado a prática, para além de outros, do crime de associação criminosa, pelo que “considerando-se existirem fortes indícios dessa prática”, sempre a prisão preventiva seria legal.

    Questão diversa é a confirmação de existência ou não da indiciação imperativamente exigida pela lei, o que nos leva ao n.º 2 do artigo 225º.

    2. Pressupostos previstos no n.º 2 do artigo 225º do Código de Processo Penal

    Como ficou referido, exige o n.º 2 do artigo 225º que o lesado tenha

    “...sofrido prisão preventiva que, não sendo ilegal, venha a revelar-se injustificada por erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia, se a privação de liberdade lhe tiver causado prejuízos anómalos e de particular gravidade ...”

    Escreve o Conselheiro Maia Gonçalves (Código de Processo Penal anotado, ed. de 1997, 8ª edição, pág. 410):

    “Os órgãos de polícia criminal e as autoridades judiciárias, por mais zelosos que procurem ser no comprimento dos seus deveres, estão sempre sujeitos a uma margem de erro. Por isso mesmo, a lei aqui só leva em conta, para fundamentar a responsabilidade do Estado e consequente direito à indemnização, o erro grosseiro, isto é. aquele em que um agente minimamente cuidadoso não incorreria”.

    Na anotação ao artigo 225° do Código de Processo Penal, (ob. cit., pág. 411), cita-se o Dr. Castro e Sousa (in Jornadas de Direito Processual Penal, 162-163), que traça a seguinte distinção:

    “O n.º 1 do artigo 225º respeita à reparação devida quando a privação da liberdade tiver sido manifestamente ilegal, dando assim cumprimento à injunção constante do n.º 5 do artigo 27º da Constituição (...) por sua vez o n.º 2 estabelece que a reparação a arbitrar é extensiva aos casos de prisão preventiva formalmente legal, mas que se vem a revelar injustificada por erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia …”.

    No parecer citado (Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República n.º 12/92) traça-se a seguinte fronteira entre “erro” e “erro grosseiro”:

    “O erro é o desconhecimento ou a falsa representação da realidade fáctica ou jurídica envolvente de uma determinada situação. O erro grosseiro é o erro indesculpável, crasso ou palmar em que se cai por falta de conhecimento ou de diligência”.

    No mesmo sentido decidiu o Supremo de Justiça em acórdão de 17 de Outubro de 1995 (in CJ-STJ, ano 3, 1995, T. 3, pág. 65): “erro grosseiro não pode deixar de significar erro absurdo, contra manifesta evidência, demonstrativo de que não houve o mínimo de cuidado por parte de quem decidiu”.

    Em face dos indícios recolhidos em sede de inquérito, concluiu o Meritíssimo Juiz de Instrução Criminal, que estava indiciado entre outros, a prática do crime de associação criminosa, à época previsto e punido no artigo 287° do Código Penal.

    Decorre do n.º 1 e da alínea a) do n.º 2 do artigo 209º do Código Penal, que, sempre que o crime imputado for o previsto no artigo 287º do Código Penal, “... o juiz deve, no despacho sobre medidas de coacção, indicar os motivos que o tiverem levado a não aplicar ao arguido a medida de prisão preventiva”.

    Escreve o Conselheiro Maia Gonçalves em anotação a este normativo (ob. cit., pág. 260), que os crimes aqui previstos são grosso modo aqueles que na lei anterior – Decreto-Lei n.º 477/82 de 22.12 -, considerava crimes incaucionáveis, concluindo que “... são crimes de muita gravidade, aferida pelos valores que violam e pelas penas que a lei comina, e que, em regra, são motivo de grande alarme social”.

    Perante este cenário, o Meritíssimo Juiz de Instrução Criminal aferiu a situação como justificativa da aplicação ao ora Autor, da medida de prisão preventiva.

    O desenvolvimento da investigação e a evolução do processo não lhe deram razão.

    É fácil hoje, com a objectividade da distância e do tempo decorrido, constatar que a decisão assumida pelo Meritíssimo Juiz de Instrução Criminal não foi confirmada sequer pela investigação.

    Mas, para avaliar se se verificou o “erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto” de que fala o n.º 2 do artigo 225º do Código de Processo Penal, temos que nos colocar na posição da Senhor Juiz de Instrução, sem a “omnisciência” que o decurso do tempo permite.

    Ora, perante aquele quadro concreto, o Meritíssimo Juiz de Instrução fez uma avaliação da situação, que, apesar de não ter sido confirmada, não se poderá considerar “erro grosseiro”.

    Repete-se aqui a definição já traçada, de erro grosseiro como “erro indesculpável, crasso ou palmar em que se cai por falta de conhecimento ou de diligência”.

    Do juiz, como “último reduto” da liberdade do cidadão, espera-se que respeite essa liberdade, mas também se espera que proteja a sociedade e os seus valores essenciais de estabilidade e segurança, sacrificando a liberdade do cidadão sobre quem recaiam sérios indícios da prática de crime grave, nas situações em que tal sacrifício é absolutamente indispensável para garantir a realização da justiça penal, sempre que se verifiquem os pressupostos enunciados no artigo 204º do Código de Processo Penal: perigo de fuga, perigo de perturbação do inquérito, perigo de perturbação da ordem pública ou da continuação da actividade criminosa.

    A avaliação que o juiz faz no momento em que lhe é apresentado um arguido para interrogatório alicerça-se em meros indícios, que o futuro confirmará ou não.

    Do facto de a investigação não confirmar os indícios iniciais, não se retira automática e necessariamente a existência de “erro grosseiro”.

    Decidindo em função de indícios, muitas vezes numa fase embrionária da investigação, na encruzilhada entre o direito à liberdade do arguido como regra e as necessidades cautelares do processo penal, que excepcionalmente se sobrepõem e justificam a prisão preventiva, ao juiz impõe-se que assuma uma decisão sobre a medida coactiva, num momento em que apenas pode estabelecer um juízo de probabilidade, quer sobre a forma como ocorreram os factos, quer sobre o êxito da investigação.

    O juízo de probabilidade envolve sempre o risco da não confirmação, em duas vertentes possíveis: quer porque se conclua que o arguido não praticou os factos, quer porque a investigação criminal não teve êxito, não logrando demonstrar a confirmação dos indícios susceptíveis de justificar a acusação.

    Recorde se que o...

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