Acórdão nº 659/06 de Tribunal Constitucional (Port, 28 de Novembro de 2006

Magistrado ResponsávelCons. Mário Torres
Data da Resolução28 de Novembro de 2006
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 659/2006 Processo n.º 637/06 2.ª Secção

Relator: Conselheiro Mário Torres

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

1. Relatório

A. reclamou para o Presidente do Tribunal da Relação de Guimarães contra o despacho do Juiz do Tribunal Judicial de Esposende que – considerando taxativa a enumeração das decisões recorríveis constante do artigo 73.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (Regime Geral das Contra-Ordenações – doravante designado por RGCO), na redacção dada pelos Decretos-Leis n.ºs 244/95, de 14 de Setembro, e 323/2001, de 17 de Dezembro –, não admitiu recurso interposto para aquela Relação contra decisão que julgara improcedente, por extemporaneidade, arguição de nulidade processual (consubstanciada em falta de notificação de anterior despacho). Nessa reclamação sustentou o reclamante que:

“1. A enumeração constante do artigo 73.º [do RGCO] não é taxativa; com efeito, como bem refere António Beça Pereira (in Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, Almedina, Coimbra, 3.ª edição, 1997, pág. 126), «no n.º 2 a expressão para além dos casos enunciados no número anterior refere-se apenas às decisões finais previstas nesse número, não resultando daí a irrecorribilidade dos despachos judiciais não previstos neste artigo».

2. O que significa que o artigo 73.º do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas refere-se apenas à sentença ou despacho judicial proferido nos termos do artigo 64.º do mesmo diploma, ou seja, às decisões que põem termo à causa, pelo que estão excluídas, obviamente, da previsão da aludida norma todas as decisões posteriores àquelas.

3. Estão de igual modo excluídas da previsão da norma contida no artigo 73.º do RGCOC todos os despachos interlocutórios proferidos antes da decisão final (a que se referem os artigos 63.º, 64.º e 73.º do mesmo diploma).

4. Os despachos anteriores e posteriores à decisão que ponham termo à causa são também recorríveis sempre que esta (ou a própria decisão da autoridade administrativa!) condene o arguido em coima superior a € 250,00 ou abranja sanções acessórias.

5. De qualquer forma, sempre se dirá que o despacho de fls. 68 e 69, ao ter indeferido a invocada nulidade processual por falta de notificação do despacho de fls. 38 e confirmado, por consequência, o teor do despacho de fls. 42, equivale à decisão de rejeição da impugnação judicial a que se referem os artigos 63.º, n.º 1, 64.º e 73.º, n.º 1, alínea d), do diploma citado.

6. A ser confirmada a interpretação que dela é feita na decisão ora reclamada no sentido de que o despacho (de fls. 68) que indeferiu a nulidade processual por omissão da notificação ao arguido do despacho de fls. 38 não é recorrível, então a norma contida no artigo 73.º é manifestamente inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.ºs 1 e 10, da Constituição da República Portuguesa.”

Esta reclamação foi indeferida por despacho de 17 de Maio de 2006 do Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Guimarães, com a seguinte fundamentação:

“I. Do exame da disciplina legal prevista no artigo 73.º do Regime Geral das Contra-Ordenações tiramos a conclusão de que a regra geral a atender para a admissibilidade do recurso para a Relação da decisão proferida em recurso de impugnação judicial é a que se estatui no n.º 1 daquele preceito legal.

Neste contexto, o n.º 2 deste mesmo normativo estabelece uma regra especial, a atender (para além dos casos enunciados no número anterior ...) apenas quando o objectivo do recurso se destina à abordagem dos casos aí pontualmente descritos: à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência (... poderá a Relação, a requerimento do arguido ou do Ministério Público, aceitar o recurso da sentença quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência).

Se for este o caso, há-de o recorrente – artigo 74.º, n.ºs 2 e 3, do Regime Geral das Contra-Ordenações – formular a respectiva pretensão em requerimento que deverá anteceder aquele em que consubstancia e motiva o atinente recurso, constituindo a respectiva decisão uma questão prévia que deverá ser resolvida por despacho fundamentado do tribunal, equivalendo o seu indeferimento à retirada do recurso.

  1. No seu artigo 73.º, o Regime Geral das Contra-Ordenações, comparando-o com a disciplina legal estatuída no Código de Processo Penal, estabelece um regime especial relativo à admissibilidade do recurso para a Relação.

    Quando estamos perante uma decisão que se enquadra no âmbito do processo de contra-ordenação previsto no Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, actualizado pelo Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de Outubro, aquele normativo (artigo 73.º) enumera, exaustiva e taxativamente, quais as decisões que podem ser impugnadas mediante recurso para a Relação e consignando que só se incluem nesta delimitada área a sentença e o despacho proferidos nos termos do preceituado no artigo 64.º daquele diploma legal, isto é, no caso de se constatar uma decisão mediante audiência de julgamento ou através de simples despacho, acrescentando-se que o recurso ainda pode ter lugar quando seja rejeitada a impugnação judicial da aplicação de uma coima ou por intempestividade ou por desrespeito pelas exigências de forma (alínea d)), ou, ainda, quando o tribunal decidir através de despacho não obstante o recorrente se ter oposto a tal (alínea e)).

    Deste modo, não é susceptível de impugnação mediante recurso qualquer outra decisão incluída no processo de contra-ordenação que se não contenha neste espaço jurídico-processual de contra-ordenação, designadamente não é recorrível a decisão que se integra na disciplina da tramitação do recurso e procede já a sentença final.

    Sendo assim, não cabe recurso da decisão que, por ter considerado intempestiva a atinente reclamação referente à invocada nulidade processual alegadamente cometida e consubstanciada na deduzida omissão da falta de notificação do despacho de fls. 38, desatendeu a pretensão do arguido.

  2. Argumenta o reclamante/recorrente no sentido de que o despacho de fls. 68 e 69, ao ter indeferido a invocada nulidade processual por falta de notificação do despacho de fls. 38 e confirmado, por consequência, o teor do despacho de fls. 42, equivale à decisão de rejeição da impugnação judicial a que se referem os artigos 63.º, n.º 1, 64.º e 73.º, n.º 1, alínea d), do diploma citado.

    Não tem qualquer apoio legal a afirmação assim produzida.

    Na verdade, operando-se a rejeição do recurso quando os autos, remetidos pela autoridade administrativa, forem apresentados pelo Ministério Público ao Juiz e este considerar que o recurso foi interposto fora de prazo ou em desrespeito pelas exigências de forma (artigos 62.º e 63.º), não se podendo incluir neste regime jurídico a pretensão do recorrente, dúvidas também não temos de que a razão não está do lado do reclamante na observação que faz relativamente a este pormenor jurídico-processual de contra-ordenação.

  3. Estão constitucionalmente assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa nos processos de contra-ordenação – artigo 32.º, n.º 10, da Constituição da República Portuguesa.

    Convenhamos, porém, que o direito de defesa legalmente atribuído ao cidadão não se compraz com a atitude de tornar recorrível toda e qualquer decisão proferida no âmbito do processo.

    Compete ao legislador...

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