Acórdão nº 617/06 de Tribunal Constitucional (Port, 15 de Novembro de 2006

Magistrado ResponsávelCons. Fernanda Palma
Data da Resolução15 de Novembro de 2006
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 617/2006 Processo nº 924/2006 Plenário

Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma

Acordam, em sessão plenária, no Tribunal Constitucional:

I

O pedido e a apresentação do problema

  1. O Presidente da República, nos termos do artigo 115º, nº 8, da Constituição e dos artigos 26º e 29º, nº 1, da Lei nº 15-A/98, de 3 de Abril, requereu a fiscalização preventiva da constitucionalidade e da legalidade da proposta de referendo aprovada pela Resolução nº 54-A/2006 da Assembleia da República (publicada no Diário da República, I Série, de 20 de Outubro de 2006).

    A resolução em causa tem o seguinte teor:

    Propõe a realização de um referendo sobre

    a interrupção voluntária da gravidez realizada por opção da mulher nas primeiras 10 semanas

    A Assembleia da República resolve, nos termos e para os efeitos do artigo 115º e da alínea j) do artigo 161º da Constituição da República Portuguesa, apresentar a S. Ex.a o Presidente da República a proposta de realização de um referendo em que os cidadãos eleitores recenseados no território nacional sejam chamados a pronunciar-se sobre a pergunta seguinte:

    “Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras 10 semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?”

    Aprovada em 19 de Outubro de 2006.

    O Presidente da Assembleia da República, Jaime Gama.

  2. A Resolução nº 54-A/2006 corresponde ao Projecto de Resolução apresentado por Deputados do Partido Socialista, em 20 de Setembro de 2006, invocando “o compromisso de suscitar um novo referendo sobre a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, nos termos anteriormente submetidos ao voto popular”.

    Nesta mesma sessão legislativa, foram apresentados três projectos de lei relativos a matéria de despenalização relativa da interrupção voluntária da gravidez: os Projectos de Lei nº 308/X, do Partido Comunista Português, nº 309/X, do Partido Os Verdes (Diário da Assembleia da República, II Série-A, de 21 de Setembro de 2006); e o Projecto de Lei nº 317/X, do Bloco de Esquerda (Diário da Assembleia da República, II Série-A, de 6 de Outubro de 2006).

    Todos estes projectos prevêem a despenalização da interrupção voluntária da gravidez até um certo prazo, quando praticada por solicitação de mulher grávida.

    Assim, diz-se no projecto do Partido Comunista Português:

    Artigo 1º

    (Interrupção da gravidez não punível)

    O artigo 142.º do Código Penal passa a ter a seguinte redacção:

    Artigo 142.º

    (...)

    1 – Não é punível a interrupção da gravidez efectuada por médico, ou sob a sua direcção, em estabelecimento de saúde oficial ou oficialmente reconhecido, quando realizada nas primeiras 12 semanas de gravidez a pedido da mulher para preservação do direito à maternidade consciente e responsável.

    2 – De igual modo, não é punível a interrupção da gravidez efectuada por médico ou sob a sua direcção em estabelecimento de saúde oficial ou oficialmente reconhecido, com o consentimento da mulher quando, segundo o estado dos conhecimentos e da experiência da medicina:

    a) (actual alínea a) do n.º 1 do artigo 142.º)

    b) Se mostrar indicada para evitar perigo de morte ou de grave e irreversível lesão para o corpo ou para a saúde física e psíquica da mulher e for realizada nas primeiras 16 semanas de gravidez;

    c) (actual alínea c) do n.º 1 do artigo 142.º, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 90/97, de 30 de Julho)

    d) Houver seguros motivos que indiciem risco de que o nascituro venha a sofrer, de forma incurável, de HIV (síndroma de imunodeficiência adquirida) e for realizada nas primeiras 24 semanas de gravidez, comprovadas nos termos referidos na alínea anterior;

    e) (actual alínea d) do n.º 1 do artigo 142.º, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 90/97, de 30 de Julho)

    f) Nos casos referidos na alínea anterior, sendo a vítima menor de 16 anos ou incapaz por anomalia psíquica se a interrupção da gravidez for realizada nas primeiras 24 semanas comprovadas nos termos referidos na alínea c).

    3 – Sempre que se trate de grávida toxicodependente não é punível a interrupção da gravidez efectuada a seu pedido nas condições referidas no n.º 1 durante as primeiras 16 semanas de gravidez.

    4 – A verificação das circunstâncias que tornam não punível a interrupção da gravidez, referidas no n.º 2, é certificada em atestado de médico, escrito e assinado antes da intervenção, por médico diferente daquele por quem, ou sob cuja direcção, a interrupção é realizada.

    5 – (actual n.º 3)

    6 – (actual n.º 4).

    No projecto do Partido Os Verdes, lê-se o seguinte:

    Artigo 1.º

    Alteração ao Código Penal

    Os artigos 140.º e 142.º do Código Penal, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo Decreto-Lei 48/95, de 15 de Março, e pela Lei n.º 90/97, de 30 de Julho, passam a ter a seguinte redacção:

    Artigo 140.º

    Aborto

    1 – (…)

    2 – (…)

    3 – (eliminado)

    Artigo 142.º

    Interrupção da gravidez não punível

    1 – Não é punível a interrupção da gravidez quando efectuada por médico, ou sob a sua direcção, em estabelecimento de saúde oficial ou oficialmente reconhecido, com o consentimento da mulher grávida, nas primeiras 12 semanas de gravidez para preservação da sua integridade moral, dignidade social ou do seu direito à maternidade responsável e consciente.

    2 – Da mesma forma, não é punível a interrupção da gravidez quando efectuada por médico, ou sob a sua direcção, em estabelecimento de saúde oficial ou oficialmente reconhecido, com o consentimento da mulher grávida, quando, segundo o estado dos conhecimentos e da experiência da medicina:

    a) (actual alínea a))

    b) Se mostrar indicada para evitar perigo de morte ou de grave e duradoura lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher grávida e for realizada nas primeiras 16 semanas de gravidez;

    c) Houver seguros motivos para prever que o nascituro virá a sofrer, de forma incurável, de grave doença, designadamente de HIV (vírus da imunodeficiência humana) ou malformação congénita, e for realizada nas primeiras 24 semanas de gravidez, comprovadas ecograficamente ou por outro meio adequado de acordo com as leges artis, excepcionando-se as situações de fetos inviáveis, caso em que a interrupção poderá ser praticada a todo o tempo;

    d) (actual alínea d))

    e) Nos casos referidos na alínea anterior, sendo a vítima menor de 16 anos ou incapaz por anomalia psíquica, se a interrupção da gravidez for realizada nas primeiras 24 semanas comprovadas nos termos descritos na alínea c).

    3 – A verificação das circunstâncias, previstas nas alíneas a) a e) do número anterior, que tornam não punível a interrupção da gravidez, é certificada através de atestado médico, escrito e assinado antes da intervenção por médico diferente daquele por quem, ou sob cuja direcção, a interrupção é realizada.

    4 – (actual n.º 3)

    5 – (actual n.º 4)

    E, finalmente, o projecto do Bloco de Esquerda tem o seguinte teor:

    Artigo 1.º

    Direito de optar

    Todas as mulheres têm o direito de controlar os aspectos relacionados com a sua sexualidade, incluindo a sua saúde sexual e reprodutiva, e de decidir livre e responsavelmente sobre estas questões, sem coacção, discriminação ou violência.

    Artigo 2.º

    Exclusão de ilicitude do aborto

    O artigo 142.º do Código Penal passa a ter a seguinte redacção:

    Artigo 142.º

    (…)

    1 – Não é punível o aborto efectuado por médico, ou sob a sua orientação, em estabelecimento de saúde oficial ou oficialmente reconhecido, nas seguintes situações:

    a) A pedido da mulher, nas primeiras 12 semanas de gravidez;

    b) No caso de existirem seguros motivos para crer que o nascituro virá a sofrer, de forma incurável, de grave doença ou malformação e for realizada nas primeiras 24 semanas com consentimento da mulher;

    c) Sempre que exista perigo de vida para a mulher grávida ou de grave e irreversível lesão para a sua saúde física e psíquica e for realizado com o seu consentimento até às 16 semanas de gravidez;

    d) Sempre que existirem sérios indícios de que a gravidez resultou de crime contra a liberdade e autodeterminação sexual e for realizado, com consentimento da mulher grávida, nas primeiras 16 semanas, ou nas primeiras 24 semanas, no caso da vítima ser menor ou ser incapaz por anomalia psíquica;

    e) Quando se trate de grávida toxicodependente, desde que realizado, com o seu consentimento, nas primeiras 16 semanas de gravidez;

    f) No caso de mulheres grávidas portadoras de HIV (síndroma de imunodeficiência adquirida) ou afectadas por este vírus, até às 24 semanas, se for esse o consentimento da mulher;

    g) No caso de fetos inviáveis, a interrupção de gravidez poderá ser feita em qualquer idade gestacional;

    h) Constituir o único meio de remover o perigo de morte ou de grave e irreversível lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher grávida.

    2 – (…)

    3 – (…)

    4 – (…)

    O Partido do Centro Democrático Social – Partido Popular formulou uma proposta de substituição da pergunta apresentada pelos Deputados do Partido Socialista, em que pretendia a alteração da redacção da pergunta, substituindo “despenalização” por “liberalização” e “interrupção voluntária da gravidez” por “aborto” (cf. Diário da Assembleia da República, I Série, nº 14, de 20 de Outubro de 2006).

    Em Reunião Plenária de 19 de Outubro de 2006, a Assembleia da República aprovou, após debate, o Projecto de Resolução nº 148/X, com votos a favor do Partido Socialista, do Partido Social Democrata e do Bloco de Esquerda e votos contra do Partido Comunista Português, do Partido Ecologista “Os Verdes”, de uma Deputada do Partido Socialista e de um Deputado do Partido Social Democrata e abstenções do Partido do Centro Democrático Social – Partido Popular, de duas Deputadas do Partido Socialista e de um Deputado do Partido Social Democrata.

    Após esta aprovação, a Assembleia da República considerou prejudicada a votação da proposta de substituição da pergunta do Partido do Centro Democrático Social – Partido Popular.

    3. A pergunta que constitui objecto da...

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