Acórdão nº 285/06 de Tribunal Constitucional (Port, 03 de Maio de 2006

Magistrado ResponsávelCons. Maria João Antunes
Data da Resolução03 de Maio de 2006
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 285/2006 Processo nº 1020/04 1ª Secção Relatora: Conselheira Maria João Antunes

Acordam na 1ª secção do Tribunal Constitucional

  1. Relatório

    1. Nos presentes autos vindos do Supremo Tribunal Administrativo, em que é recorrente o Município de Oeiras e recorrida a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, foi interposto recurso, ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), da decisão daquele Tribunal de 6 de Outubro de 2004, que reconheceu à ora recorrida isenção do pagamento de tarifa de conservação de esgotos, confirmando sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra.

    2. A ora recorrida impugnou junto do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa o «acto de cobrança da tarifa de conservação de esgotos por parte dos Serviços Municipalizados de Água e Saneamento de Oeiras», invocando a sua isenção pessoal, ao abrigo do disposto nos artigos 13º, alínea a), do Decreto-Lei nº 40 397, de 24 de Novembro de 1955 e 34º dos Estatutos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, aprovados pelo Decreto-Lei nº 322/91, de 26 de Agosto. Remetidos os autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, foi por este tribunal proferida sentença, em 29 de Março de 2004, que julgou procedente a impugnação e anulou as liquidações impugnadas.

    3. No recurso que interpôs para o Supremo Tribunal Administrativo, peça processual que o recorrente identifica como aquela em que suscitou a questão de inconstitucionalidade (cf. fl. 101), o Município de Oeiras sustentou e concluiu, para o que agora releva, o seguinte:

      (…) Na sentença recorrida e na esteira do acórdão do S.T.A. de 9.10.2002, foi decidido que a Misericórdia de Lisboa estava isenta do pagamento das tarifas em causa, considerando que o art.º 13.º, alinea a), do Decreto-Lei n.º 40397, de 24.11.1955, estabelece que a mesma goza de isenção de impostos, contribuições, taxas ou licenças do Estado ou dos corpos administrativos, seja de que natureza forem, e que o art.º 34.º do Estatutos da mesma Misericórdia, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 322/91, manteve a favor da mesma instituição todas as isenções que lhe foram concedidas por lei.

      4. Ora, a alínea a) do art.º 13.º do Decreto-Lei n.º 40397, na parte que isenta a Misericórdia de impostos, contribuições, taxas ou licenças dos corpos administrativos, foi derrogada por força do art.º 293.º, n.º 1, da Constituição de 1976 (texto inicial) uma vez que contrariava os princípios consignados na nova Lei Fundamental, designadamente o princípio da autonomia do poder local consignado no n.º 1 do art.º 6.º e nos art.ºs 237.º e segts.

      Mesmo que assim se não entendesse, o que se admite sem conceder, a referida norma ter-se-á de considerar derrogada pela 1.ª Lei das Finanças Locais (Lei n.º 1/79, de 2 de Janeiro) que passou a regular tudo o que se refere a receitas municipais. No caso de se sustentar que a Lei n.º 1/79 não se refere a isenções e, consequentemente, continuará em vigor a isenção do Decreto- Lei n.º 40397, essa tese seria afastada pelo Decreto-Lei n.º 98/84, de 29 de Março, feito pelo Governo no uso de autorização legislativa da Assembleia da República, o qual no seu art.º 29.º enumera as entidades isentas do pagamento de “todas as taxas e encargos de mais valia”.

      Assim, estando as isenções fixadas nessa 2.ª Lei das Finanças Locais (Decreto-Lei n.º 98/84) deixaram de vigorar as que constavam de diploma do chamado Estado Novo, que, não pode ser olvidado, atentavam contra a autonomia do poder local constitucionalmente consignado.

      5. Temos ainda o Decreto-Lei n.º 322/91 que pretende reafirmar a vigência das isenções estabelecidas no diploma de 1955, através do texto do art.º 34.º dos Estatutos que aprovados por aquele diploma.

      Acontece, no entanto, que a constitucionalidade dessa norma, na vertente da sua aplicabilidade às autarquias comuns, não resiste ao mais ligeiro exame.

      Na verdade a Constituição da República Portuguesa, na versão então em vigor, estabelecia no art.º 168.º, n.º 1, alínea s), que era da exclusiva competência da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo, legislar sobre o estatuto das autarquias locais, incluindo o regime das finanças locais.

      O Decreto-Lei n.º 322/91, invoca no seu preâmbulo a competência do Governo referida na alínea a) do n.º 1 do art.º 201.º da Constituição, ou seja, a de “fazer decretos-leis em matérias não reservadas à Assembleia da República”.

      Assim sendo, carecia o Governo de competência para fazer decretos-leis sobre as finanças locais, pelo que o art.º 34.º dos Estatutos aprovados por esse Decreto-Lei não pode reportar-se a quaisquer taxas ou tarifas municipais, sob pena de ostensiva inconstitucionalidade (...).

      10. Conclusões:

      a) As isenções de tarifas ou taxas municipais não se presumem e terão de estar determinadas em norma jurídica válida e eficaz.

      b) A alínea a) do art.º 13.º do Decreto-Lei n.º 40397, na parte que isenta a Misericórdia de Lisboa de impostos, contribuições, taxas ou licenças municipais, foi derrogada pelo disposto no art.º 293.º, n.º 1, da Constituição de 1976, na sua versão inicial, uma vez que a mesma contrariava o princípio da autonomia do poder local consignado no n.º 1 do art.º 6.º e nos art.ºs 237.º e segts. da Lei Fundamental.

      c) Mesmo que assim se não entenda, a norma da referida alínea a) do art.º 13.º do Decreto-Lei n.º 40397 foi derrogada pela Lei n.º 1/79, que passou a regular tudo o que respeita a receitas municipais.

      d) Por outro lado, passando as isenções de taxas a estar estabelecidas no art.º 29.º do Decreto-Lei n.º 98/84 (2.ª Lei das Finanças Locais) deixaram de vigorar todas as isenções que constavam em diplomas anteriores, designadamente as que provinham da legislação do chamado Estado Novo, isto na hipótese de se considerar que a Misericórdia de Lisboa continuava a gozar de isenção.

      e) A interpretação do art.º 34.º dos Estatutos aprovados do Decreto-Lei n.º 322/91, na parte que pretende abranger as autarquias locais, quando se reafirma a manutenção das isenções previstas no Decreto- Lei n.º 40397, é inconstitucional.

      f) Com efeito, falecia competência ao Governo legislar sobre o regime de finanças locais, porquanto a Constituição, na versão então em vigor, deferia no seu art.º 168.º, n.º 1, alínea s), essa competência à Assembleia da República, que a podia autorizar ao Governo, o que não foi o caso.

      g) Por outro lado, mesmo que se entenda que a Misericórdia goze actualmente das isenções previstas no aludido Decreto-Lei n.º 40397, as tarifas são realidades distintas das taxas, distinção essa que a Lei n.º 1/87, então em vigor, teve a preocupação de evidenciar nos seus art.ºs 11.º, 12.º e 27.º.

      h) Finalmente e na hipótese remota da vigência das isenções consignadas na alínea a) do art.º 13.º do Decreto-Lei n.º 40397, a actual interpretação dessa norma terá de ser feita considerando as regras constantes do art.º 9.º do Código Civil, designadamente a unidade do sistema jurídico e as circunstâncias em que aquele diploma foi elaborado e as condições especificas do tempo em que é aplicado, o que conduz necessariamente à sua não aplicabilidade às tarifas de conservação de esgotos.

      i) A sentença recorrida não teve em conta o que se acaba de referir , pelo que não poderá ser mantida na ordem jurídica

      .

    4. O Supremo Tribunal Administrativo negou provimento ao recurso, por acórdão de 6 de Outubro de 2004, que constitui a decisão recorrida no presente recurso de constitucionalidade:

      (...) Estabelece a alínea a) do art. 13° do Decreto Lei n. 40.397, de 24/11/55, que a Misericórdia de Lisboa goza de isenção de impostos, contribuições, taxas ou licenças do Estado ou corpos administrativos, seja de que natureza forem.

      O recorrente sustenta que a recorrida não goza da isenção que lhe foi inicialmente atribuída por lei, pois, na sua perspectiva, a referida alínea a) do art. 13.º do Decreto Lei n. 40397 foi revogada pela Constituição (art°s. 293°, 1, da Constituição de 1976), ou, a não se entender assim, pela Lei n. 1/79, que passou a regular tudo o que respeita a receitas municipais, sendo que o Diploma que substituiu aquele Dec.-Lei n. 40397(o DL 322/91), é inconstitucional, no segmento respeitante a isenções respeitantes às finanças locais, por o Governo não estar provida da necessária credencial passada pela Assembleia da República, pois se estava no domínio reservado desta. Acresce que o art. 29° do DL n. 98/84 (2ª Lei das Finanças Locais) passou a estabelecer quais as entidades isentas de taxas, aí não figurando a recorrida.

      Que dizer?

      Pois bem.

      No tocante a este último aspecto, não é possível dele extrair tal conclusão, pois pelo facto de aí se estabelecer que o Estado e seus institutos e organismos autónomos personalizados (e a Misericórdia de Lisboa era então não um instituto público mas uma pessoa colectiva de direito privado e utilidade pública administrativa) estão isentos de taxas não significa que...

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