Acórdão nº 103/06 de Tribunal Constitucional (Port, 07 de Fevereiro de 2006

Magistrado ResponsávelCons. Mota Pinto
Data da Resolução07 de Fevereiro de 2006
EmissorTribunal Constitucional (Port

Acórdão n.º 103/2006

Processo n.º 53/05 2.ª Secção

Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

  1. Relatório

    AUTONUM 1.Por acórdão do tribunal colectivo da comarca de Vagos, datado de 21 de Setembro de 2001, foram condenados os arguidos A., em cúmulo jurídico, na pena única de 8 anos de prisão e proibição de exercer cargos públicos durante 4 anos, B., na pena de 3 anos e seis meses de prisão, declarando-se perdoados 2 anos, C., em cúmulo jurídico, na pena única de 3 anos de prisão, declarando-se perdão de um ano, e proibição de exercer cargos públicos durante 2 anos, e D., em cúmulo jurídico, na pena única de 5 anos de prisão, declarando-se perdoados dois anos. Foram ainda os arguidos B. e E. condenados no pagamento de indemnizações à assistente F..

    Nessa mesma data, 21 de Setembro de 2001, todos os arguidos interpuseram recurso do acórdão condenatório para o Tribunal da Relação de Coimbra, por declaração em acta, quer da matéria de facto, quer da matéria de direito, protestando apresentar, no prazo legal, a respectiva motivação, e requerendo ainda a transcrição integral de toda a prova produzida, requerimentos que na mesma acta lhes foram deferidos.

    Em 24 de Setembro de 2001, o arguido A. requereu ao tribunal que se fixasse o início do prazo legal de 15 dias, para apresentar a motivação, após se encontrar nos autos a transcrição de prova, sem prejuízo de consultar a cópia das cassetes, o que também requereu. O mesmo veio a ser requerido em 25 de Setembro de 2001 pelo arguido C..

    Por despacho de 8 de Outubro de 2001, o Juiz do Tribunal Judicial da Comarca de Vagos deferiu o requerido.

    Em 4 de Outubro de 2001 deu entrada em tribunal a motivação de recurso do arguido/recorrente C.. Em 9 de Outubro de 2001, por telecópia, deu entrada a motivação do arguido/recorrente D.. E, em 11 de Outubro de 2001, entrou a motivação do arguido/recorrente A., o qual requereu simultaneamente a passagem de guias para pagamento da sanção a que se refere o artigo 145.º do Código de Processo Civil.

    Tal pretensão mereceu do Juiz do Tribunal Judicial da Comarca de Vagos o seguinte despacho: “(...) No entanto, mantém-se o despacho de fls. 7118-7118v [despacho que concedera o prazo de 15 dias para apresentação das motivações de recurso, a iniciar-se após a notificação da transcrição das cassetes]. Não se passam guias face ao teor desse mesmo despacho”.

    Em 12 de Outubro de 2001, deu entrada o original da motivação do arguido/recorrente D..

    Em 19 de Novembro de 2001 foi prestada informação nos autos de que se encontrava já junta a transcrição da prova gravada nas cassetes áudio, o que foi notificado aos arguidos/recorrentes.

    Em 5 de Dezembro de 2001, o arguido/recorrente C. reformulou a sua motivação. Em 10 de Dezembro de 2001, o arguido/recorrente A. apresentou nova motivação, em substituição da anteriormente apresentada. E, em 11 de Dezembro de 2001, o arguido/recorrente B. apresentou pela primeira vez a sua motivação, por telecópia, cujo original juntou no dia seguinte. Em 11 de Dezembro de 2001, o arguido/recorrente D. apresentou, também por telecópia, nova motivação, para além da anteriormente junta, entregando o seu original no dia seguinte.

    AUTONUM 2.Admitidos os recursos por despacho de 13 de Dezembro de 2001, juntas as contra-alegações do Ministério Público e dos assistentes, os autos subiram ao Tribunal da Relação de Coimbra. Neste tribunal foi emitido, pelo representante do Ministério Público, parecer preliminar promovendo a baixa dos autos ao tribunal de comarca para ser liquidada, e paga, a multa pelo arguido/recorrente A., que, apesar de requerida, não lhe fora liquidada. Em resposta, os arguidos C., B. e A. defenderam a tempestividade da oferta das sua motivações de recurso no prazo mais dilatado que lhes fora concedido na primeira instância.

    Por acórdão tirado em conferência em 26 de Março de 2003, o Tribunal da Relação de Coimbra decidiu não admitir, “por manifestamente extemporânea a sua motivação”, o recurso interposto pelo arguido B., e ordenou “ a baixa dos autos à primeira instância a fim de aí ser liquidada e paga a multa devida pelos demais recorrentes, cominada no art.º 145.º do Cód. de Proc. Civil, procedendo-se à ulterior tramitação”, com os seguintes fundamentos:

    (...)

    Cumpre decidir, cotejando a Lei:

    Dispõe o art.º 411.° do CPP que o prazo para interposição do recurso é de 15 dias e conta-se a partir da notificação da decisão ou, tratando-se de sentença, do respectivo depósito na secretaria, podendo ser interposto por simples declaração na acta o recurso de decisão proferida em audiência, podendo a sua motivação, neste caso, ser apresentada no prazo de 15 dias, contado da data da interposição.

    Por sua vez, estabelece o art.º 414 °, n.º 2 e n.º 3, do CPP, que o recurso não é admitido quando for interposto fora de tempo e além do mais, quando faltar a motivação, não vinculando o tribunal superior a decisão que admita o recurso.

    Nos termos do art.º 104.° do CPP, aplicam-se à contagem dos prazos para a prática de actos processuais as disposições da lei processual civil, ou seja, o disposto no art.º 144 ° do Cód. Proc. Civil.

    Certo é que por força do disposto no art.º 107.°, n.º 2 e n.º 3, do CPP, os actos processuais só podem ser praticados fora dos prazos estabelecidos por lei, por despacho do juiz, a requerimento do interessado e ouvidos os outros sujeitos processuais a quem o caso respeitar, desde que se prove justo impedimento, devendo tal requerimento ser apresentado no prazo de três dias, contado do termo do prazo legalmente fixado ou da cessação do impedimento.

    Dispõe então o n.º 5 deste mesmo preceito legal que, independentemente do justo impedimento, pode o acto ser praticado, no prazo, nos termos e com as mesmas consequências que em procedimento civil, com as necessárias adaptações, o que remete o intérprete para o disposto nos art.ºs 145.°, n.ºs 5, 6 e 7, e 146.° do Cód. Proc. Civil.

    A tal não obsta o estatuído no art.º 107.°, n.º 6, do CPP de que “Quando o procedimento se revelar de excepcional complexidade, nos termos do artigo 215.°, n.º 3, parte final, o juiz, a requerimento do assistente, do arguido ou das partes civis, pode prorrogar os prazos previstos nos artigos 78.°, 287.° e 315.°, até ao limite máximo de 20 dias”.

    Ora, todo o citado normativo não permite que os sujeitos processuais e mesmo o tribunal derrogue o carácter peremptório do prazo consignado na lei para interposição do recurso e respectiva motivação - ut art.º 411.°, n.º 3, do CPP.

    É que estribaram-se os recorrentes A. e C. - fIs.7103 e 7108 - na necessidade da transcrição do teor das cassetes para a motivação dos seus recursos e no facto de não ser viável ao tribunal facultá-la dentro do prazo que lhes é imposto por lei (15 dias).

    Acontece, porém, que a transcrição da prova tem como único escopo dar ao Tribunal da Relação a possibilidade de examinar e eventualmente alterar a matéria de facto, sendo esta questionada nos precisos termos vertidos nos n.ºs 3 e 4 do art.º 412.° do CPP (cfr. art.º 431.°, al. b), do CPP) e não proporcionar aos recorrentes elementos que permitam elaborar a motivação em que se pretenda pôr em crise a matéria de facto, podendo, para o efeito, o interessado requerer ao tribunal que lhe forneça, de imediato, a cópia das cassetes onde a mesma foi gravada – ut art.º 7.º do Dec.-Lei n.º 39/95, de 15/2.

    Daí que, nos termos do art.º 412.°, n.º 4, do CPP, quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas al.s b) e c) do seu n.º 3, fazem-se por referência aos suportes técnicos, havendo lugar a transcrição, a qual compete ao tribunal recorrido, nos termos do Assento n.º 2/2003, de 30/01.

    Por isso que os recorrentes não estavam impedidos de recorrer da matéria de facto pelo simples facto de não haver transcrição, sendo aqui inadmissível a aplicação subsidiária do Cód. Proc. Civil, pois que não omisso o CPP nessa matéria e com um regime próprio, concretamente o disposto no art.º 698.° do C. P. Civil.

    Tal prazo de interposição do recurso, em processo penal, só excepcionalmente é prorrogável, nos apertados termos do disposto no art.º 107.º, n.º 6, do CPP.

    Não foi esse o fundamento em que se estribaram os recorrentes e o despacho que deferiu e fixou um prazo suplementar de 15 dias que, a ter suporte legal, jamais poderia iniciar-se, também, “a contar da notificação da transcrição”, como decorre do despacho de fls. 7118v., nem tal consubstancia a legal “excepcional complexidade”, face ao exigido pelos n.ºs 3, al. b), e 4 do art.º 412.º do CPP, uma vez que os recorrentes dispõem, eles próprios, tal como o tribunal, além do mais, dos seus próprios apontamentos e mesmo cópia das cassetes.

    Talvez por essa razão é que o próprio recorrente/requerente A., deu entrada da sua motivação, a fls.7211, em 11/10/01, ou seja, no terceiro dia útil, requerendo logo em simultâneo oferecer-se para o pagamento da multa prevista no art.º 145.° do C. P. Civil, o recorrente/requerente C. e o recorrente D. dão entrada da sua motivação, a fls. 7129 e 7187 em 9/10/01, no primeiro dia útil após o termo do prazo que se verificara em 8 de Outubro de 2001, requerendo aquele, também, a passagem de guias para pagamento da multa (fls. 7121 verso).

    Por sua vez, só em 11/12/2001 deu (fls.7396) entrada em tribunal a motivação do recorrente B.!

    Tal significa, nos termos expostos e do disposto no art.º 414.°, n.º 2, in fine, que não pode ser admitido o recurso do arguido B., por falta de atempada motivação e que a admissibilidade dos recursos dos arguidos A., C. e D. está condicionada ao pagamento da multa cominada no art.º 145.°, n.ºs 5 e 6, do C. P. Civil, por força do disposto no art.º 107.°, n.º 5, do CPP.

    Na verdade, não há ofensa de caso julgado, apesar da concordância de todos os sujeitos processuais e M.º P.º, no tribunal recorrido, com o despacho que prorrogou o prazo de apresentação das motivações, pois que a decisão que admitiu os recursos não vincula...

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