Acórdão nº 15/06 de Tribunal Constitucional (Port, 06 de Janeiro de 2006

Magistrado ResponsávelCons. Benjamim Rodrigues
Data da Resolução06 de Janeiro de 2006
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 15/06

Processo n.º 763/05

  1. Secção

Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues

Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:

A – Relatório

1 – A. reclama para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do art. 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), contra a decisão sumária do relator, de não conhecimento do recurso interposto para o Tribunal Constitucional do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), de 6 de Julho de 2005, acórdão este que lhe indeferiu o pedido de reforma do anterior acórdão do mesmo Supremo Tribunal, de 4 de Maio de 2005.

2 – Fundamentando a sua reclamação, o reclamante aduz o seguinte discurso argumentativo:

[…]

O despacho do Exmo. Sr. Conselheiro-Relator, sendo solitário (porquanto era de três Srs. Conselheiros que se esperava - e espera - uma decisão), é tudo menos sumário.

E o simples facto de o Sr. Conselheiro-Relator ter expendido 27 longas páginas numa decisão que se diz sumária mostra bem que a questão colocada nada tem de simples.

O recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do art. 70º da Lei 28/82, de 15.11.

Diz o nº 1 do art. 78º-A da Lei 28/82, que “Se entender que não pode conhecer-se do objecto do recurso, ou que a questão a decidir é simples, designadamente por a mesma já ter sido objecto de decisão anterior do Tribunal ou por ser manifestamente infundada, o relator profere decisão sumária, que pode consistir em simples remissão para anterior jurisprudência do Tribunal.”

Ora, sendo certo que não existe decisão anterior sobre esta matéria, o simples facto de o Exmo. Sr. Conselheiro-Relator ter necessitado de tão longa exposição (ainda que manifestamente infundada, na perspectiva do recorrente...) para concluir do manifesto infundado do recurso (na sua perspectiva...), evidencia que a questão nada tem de simples nem de infundada. Ao invés, é uma questão nova e com sólido fundamento, radicando na aplicação de uma norma, resultante da conjugação de várias normas - nenhuma delas, de per si, inconstitucional -, que constituiu, em absoluto, uma decisão-surpresa, motivo pelo qual não era possível ao recorrente, antecipadamente, prever a aplicação dessa norma, que resulta de uma interpretação, de cariz inconstitucional, dessas outras normas.

A norma cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada é a que resulta da interpretação dos arts. 217º, 224º e 236º, todos do Código Civil, e arts. 12º, nº 1-a) e 13º, nº 1 do D.L. 64-A/89, de 27.2, segundo a qual se distingue entre a declaração de cessação do contrato de trabalho emitida pelo empregador fictício ou a (eventualmente) emitida pelo empregador real, para concluir que, não tendo sido o empregador real a emitir a declaração de cessação, não há despedimento, tudo isto após se ter procedido a uma “requalificação” de toda a relação laboral do A., ao longo dos anos, e daí se ter extraído a (correcta) conclusão de que deve o trabalhador ser tido como trabalhador efectivo do empregador real (B.), assim tendo direito a todas as diferenças entre o que recebeu e o que receberia se tivesse sido tratado como tal.

Ora, ao contrário do expendido pelo Exmo. Sr. Conselheiro-Relator, uma vez feita essa requalificação e, portanto, de se considerar que o A. era trabalhador da B., do que se trata aqui é de entender que a carta de cessação (de pretenso e ilegal contrato a termo certo) enviada pelo empregador fictício não produz os mesmos que - quando não existe empregador fictício - produz a carta de cessação (de pretenso e ilegal contrato a termo certo) enviada pelo empregador (o único). E, portanto, in casu, considerar que, apesar de todo o “esquema" fictício e fraudulento utilizado – e, até certo ponto, sancionado pelo Supremo Tribunal de Justiça -, ainda assim, só se procedente do empregador real (a B.) é que a carta produziria o efeito de uma cessação factual, equivalente ao despedimento, como é jurisprudência unívoca e, designadamente, dos dois Acórdãos do STJ invocados no pedido de reforma do Acórdão.

Parece, pois, inequívoco que as normas ou princípios constitucionais violados são os princípios da igualdade, estabelecido no art. 13º, e da segurança no emprego, plasmado no art. 53º, ambos da Constituição da República Portuguesa, o primeiro incluído no Título I da Parte I (Direitos e Deveres Fundamentais) e o segundo no Capítulo III, do Título II da mesma, relativo aos Direitos, Liberdades e Garantias, os quais, nos termos do art. 18º, nº 1 da mesma, são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas.

Viola o art. 13º, na medida em que estabelece uma diversa (e inaceitável) consequência para o despedimento de um trabalhador, como é o caso do A., contratado (e despedido) através de um esquema fraudulento de contratação com interposição fictícia de empresas, em relação aos demais trabalhadores contratados sem essa interposição fictícia, pois que não equipara, em relação a ele, a declaração de cessação do (ilícito) contrato a termo certo, sendo o termo nulo, ao despedimento ilícito, sendo certo que tal equiparação é sempre feita, em relação aos demais trabalhadores.

E viola o art. 53º, na medida em que o despedimento ocorrido, enquadrado no esquema de contratação fraudulenta utilizado pelas RR., é um verdadeiro despedimento sem justa causa, proibido por este normativo constitucional, representando a interpretação dada pelo douto acórdão aos concernentes artigos da lei ordinária, não atribuindo à declaração de cessação comunicada pela C., Lda. o mesmo efeito que teria se tivesse sido emitida pela B., uma clara violação desse princípio com assento e dignidade constitucional.

A inconstitucionalidade da "norma” resultante da interpretação efectuada foi já suscitada no processo, em pedido de reforma do Acórdão proferido pelo STJ, e não antes porquanto foi este alto Tribunal o primeiro a fazer uma tal interpretação, a qual (quer pelo seu absurdo intrínseco, quer pelas absurdas consequências já referidas nesse pedido de reforma) apanhou o recorrente completamente de surpresa, não sendo, por isso, lícito exigir-lhe que tivesse previsto a aplicação de tal “norma" e, prevenindo-a, tivesse previamente suscitado a questão da sua inconstitucionalidade (de resto, já perante o Acórdão do Tribunal da Relação, suscitara uma outra, de algum modo paralela, e de violação de uma das normas agora invocadas).

Termos em que deve a presente reclamação ser considerada procedente e, em consequência, ser o recorrente notificado para apresentar alegações, nas quais, com mais delonga, possa demonstrar a existência da inconstitucionalidade, a qual, de forma alguma, constitui uma questão simples ou manifestamente infundada, que pudesse ser resolvida pelo Exmo. Sr. Conselheiro-ReIator, em decisão sumária (e, de facto, de sumária nada teve...)

.

3 – A recorrida B., s.a., não respondeu.

4 – A decisão reclamada tem o seguinte teor:

«1 – A. recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), de 6 de Julho de 2005, acórdão este que lhe indeferiu o pedido de reforma do anterior acórdão do mesmo Supremo Tribunal, de 4 de Maio de 2005, afirmando, no seu requerimento de interposição de recurso, que “a norma cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada é a que resulta da interpretação dos artigos 217º, 224º e 236º, todos do Código Civil, e artigos 12º, n.º 1, alínea a) e 13º, n.º 1, do DL. 64-A/89, de 27/2, segundo a qual se distingue entre a declaração de cessação do contrato de trabalho emitida pelo empregador fictício ou a (eventualmente) emitida pelo empregador real, para concluir que, não tendo sido o empregador real a emitir a declaração de cessação, não há despedimento, tudo isto após se ter procedido a uma “requalificação” de toda a relação laboral do A. ao longo dos anos, e daí se ter extraído a (correcta) conclusão de que deve o trabalhador ser tido como trabalhador efectivo do empregador real (B.), assim tendo direito a todas as diferenças entre o que recebeu e o que receberia se tivesse sido tratado como tal”.

Mais diz, no mesmo requerimento, que «a inconstitucionalidade da “norma” resultante da interpretação efectuada foi já suscitada no processo, em pedido de reforma do Acórdão proferido pelo STJ, e não antes porquanto foi este alto Tribunal a fazer uma tal interpretação, a qual (quer pelo seu absurdo intrínseco, quer pelas absurdas consequências já referidas nesse pedido de reforma) apanhou o recorrente completamente de surpresa, não sendo, por isso, lícito exigir-lhe que tivesse previsto a aplicação de tal “norma” e, prevenindo-a, tivesse previamente suscitado a questão da sua inconstitucionalidade (de resto, já perante o Acórdão da Relação, suscitara uma outra, de algum modo paralela, e de violação de uma das normas invocadas)».

2 – Porque se configura uma situação enquadrada na hipótese recortada no n.º 1 do art. 78º-A da LTC, passa a decidir-se imediatamente.

3 – O objecto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 280º da Constituição e na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, disposição esta que se limita a reproduzir o comando constitucional, consubstancia-se na questão de (in)constitucionalidade da norma(s) de que a decisão recorrida faça efectiva aplicação ou que constitua o fundamento normativo do aí decidido.

Trata-se de um pressuposto específico do recurso de constitucionalidade que é exigido pela natureza instrumental (e incidental) do recurso de constitucionalidade tal como o mesmo se encontra desenhado no nosso sistema constitucional, de controlo difuso da constitucionalidade de normas jurídicas pelos vários tribunais, bem como pela natureza da própria função jurisdicional constitucional (cf. Cardoso da Costa, «A jurisdição constitucional em Portugal», in Estudos em homenagem ao Professor Doutor...

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