Acórdão nº 469/07 de Tribunal Constitucional (Port, 25 de Setembro de 2007

Magistrado ResponsávelCons. Mário Torres
Data da Resolução25 de Setembro de 2007
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 469/2007 Processo n.º 710/06 2.ª Secção

Relator: Conselheiro Mário Torres

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

1. Relatório

1.1. A. e B. interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), contra o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20 de Abril de 2006 – que, concedendo provimento a recurso de revista interposto por Rede Ferroviária Nacional – REFER, EP, revogou o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 16 de Novembro de 2005 (que concedera parcial provimento à apelação deduzida pelos ora recorrentes), ficando a subsistir o decidido na sentença do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, de 6 de Abril de 2005 –, pretendendo ver apreciada a inconstitucionalidade, por violação dos princípios constitucionais da igualdade, da justa indemnização e do direito à propriedade privada, consagrados nos artigos 13.º e 62.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), das normas constantes dos artigos 23.º, n.º 1, 25.º, n.ºs 2 e 3, 26.º, n.º 12, e 27.º do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro, “quando interpretadas no sentido que lhes é atribuído no impugnado acórdão, isto é, no sentido de excluírem da classificação de solo apto para construção ou sequer de mera equiparação directa ou analógica a uma tal classificação – e de remeterem para a classe residual de solo para outros fins – os solos integrados em Reserva Agrícola Nacional, quando expropriados para a construção de um terminal ferroviário para apoio a parque industrial, mesmo que a parcela expropriada apresente elementos objectivos indicadores de potencialidade de urbanização/construção – designadamente, (i) ser marginada por arruamento com baía de estacionamento e por caminho público pavimentado, (ii) estar inserida numa zona em que a construção existente é predominantemente de rés-do-chão e andar e que beneficia de escolas, parques e outros equipamentos desportivos, fazendo parte de aglomerado urbano e encontrando-se nas imediações de aglomerado industrial, (iii) dispor de serviço das redes de energia eléctrica, telefónica, saneamento com ligação a estação depuradora, abastecimento de água, etc., e (iv) ser destacada de imóvel que se encontra parte em espaço urbanizável e parte na dita reserva e que confronta com terrenos destinados a fins urbanísticos”.

1.2. A sentença do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, de 6 de Abril de 2005 – considerando resultar dos factos provados que a parcela em questão se enquadra perfeitamente na alínea a) do n.º 2 do artigo 25.º do Código das Expropriações (por confrontar com caminho pavimentado, na extensão de 122 metros, dispondo de rede de distribuição de energia eléctrica, rede telefónica, rede de saneamento e rede de abastecimento de água, estando inserida em aglomerado urbano), embora se encontrasse, à data da declaração de utilidade pública, integrada, pelo Plano Director Municipal (PDM) em vigor, em espaço agrícola integrado em Reserva Agrícola Nacional (RAN), mas sendo certo que a expropriação se destinava à realização das obras da empreitada de remodelação do troço Nine-Braga, do itinerário ferroviário Porto-Braga, com vista à duplicação e electrificação da via e remodelação das estações e apeadeiros, e que a parcela em concreto se destinava à instalação do terminal de Braga, em Aveleda, para apoio ao Parque Industrial de Celeirós –, deu conta de que esse Tribunal tinha vindo a decidir classificar este tipo de parcelas como “solo apto para construção”. Nesse sentido apontariam a eliminação do artigo 25.º do Código das Expropriações de 1999 (correspondente ao artigo 24.º do Código de 1991) de disposição equivalente ao n.º 5 do artigo 24.º do Código de 1991 (“Para efeitos de aplicação do presente Código é equiparado a solo para outros fins o solo que, por lei ou regulamento, não possa ser utilizado na construção”), de que resultaria que, dada essa eliminação, o solo que reúna as características de alguma das alíneas do artigo 25.º, ainda que por lei ou regulamento não seja edificável, deverá ser considerado como “solo apto para construção” (neste sentido: Perestrelo de Oliveira, Código das Expropriações, 2.ª edição, 2000, p. 97), devendo então utilizar-se o critério do artigo 26.º, n.º 12 (neste sentido: Alípio Guedes, Valorização de Bens Expropriados, 2.ª edição, 2001, pp. 82 e 92), normativo este que significativamente passou a incluir, além dos solos classificados por plano de ordenamento do território como zona verde ou de lazer, também os solos destinados a equipamentos públicos. No entanto, o Tribunal de Braga, no presente caso, decidiu abandonar o referido critério, que vinha adoptando, por entretanto ter sido publicado o Acórdão n.º 275/2004 do Tribunal Constitucional, que, sem votos de vencido, julgou inconstitucionais, por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP, as normas contidas nos artigos 23.º, n.º 1, e 26.º, n.º 1, do Código das Expropriações de 1999, quando interpretadas no sentido de incluir na classificação de “solo apto para construção” e, consequentemente, de como tal indemnizar, o solo, integrado na RAN, expropriado para implantação de vias de comunicação. Foi por se subordinar a este juízo de inconstitucionalidade que a referida sentença acabou por classificar a parcela expropriada como solo “para outros fins”, sendo o valor da indemnização fixado, nos termos do n.º 3 do artigo 27.º do referido Código, em € 374 999,50 (valor actualizável de acordo com o índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação).

1.3. Desta sentença apelaram os expropriados para o Tribunal da Relação de Guimarães, que, por acórdão de 16 de Novembro de 2005, concedeu parcial provimento ao recurso. Começou esse acórdão por salientar ter a decisão arbitral, por unanimidade, dividido a parcela expropriada em duas faixas distintas – uma com a área de 4530 m2, que classificou como solo apto para construção, e uma outra, com a área de 16 316 m2, que classificou como solo apto para outros fins, fixando a indemnização global devida pela expropriação (valor da parcela, benfeitorias e desvalorização das partes sobrantes) em € 480 386,00. Como os recursos interpostos do acórdão arbitral visavam: o da expropriante, o valor da indemnização fixada, mas concordando com a classificação feita quanto às duas faixas de terreno em que dividiu a parcela; e o dos expropriados, o da classificação de uma das faixas como solo apto para outros fins – entendeu a Relação ter-se constituído caso julgado do acórdão arbitral quanto à classificação como solo apto para construção da faixa com a área de 4530 m2, pelo que não podia o juiz a quo tê-la reclassificado como solo apto para outros fins, sendo de atribuir a essa faixa, de acordo com o laudo unânime dos peritos, o valor de € 120 045,00. Passando à questão da classificação da faixa de terreno com a área de 16 316 m2, o Tribunal da Relação, reiterando o argumento já aludido de que da não reprodução, no Código de 1999, da norma do n.º 5 do artigo 24.º do Código de 1991, se pode retirar não existir obstáculo no Código vigente a que um terreno classificado como área RAN ou REN possa vir a ser classificado como solo apto para construção ou equiparado, e citando a doutrina do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 114/2005, a que adere, concluiu:

“Tratando-se no caso de expropriação de parcela de terreno, com vista à instalação de infra-estrutura e equipamento público, que preenche os requisitos da alínea a) do n.º 2 do artigo 25.º do Código das Expropriações, somos levados a classificá-la como solo equiparado a solo apto para construção, para efeitos do disposto no n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações e consequentemente a determinar que a indemnização devida aos expropriados, no que respeita à faixa de 16 316 m2, seja calculada em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada.

Posto isto, resta dizer que, em face de os Srs. Peritos não se terem pronunciado sobre a avaliação da parcela expropriada, a perspectiva da sua avaliação como solo equiparado a solo apto para construção, tendo em conta o disposto no n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações, tem este Tribunal que anular parcialmente o julgamento para que se proceda à dita avaliação, o que se decide ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 712.º do Código de Processo Civil, devendo o Tribunal de 1.ª Instância, em face dessa avaliação, fixar a justa indemnização a atribuir aos expropriados pela faixa de 16 316 m2 e pelas partes sobrantes.”

1.4. Deste acórdão (na parte em que decidiu classificar a faixa de terreno de 16 316 m2 como solo equiparado a solo apto para construção para efeito do disposto no n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações e da que anulou a sentença com vista à avaliação pericial), interpôs recurso de revista (com fundamento em oposição entre o acórdão recorrido e o acórdão da mesma Relação, de 19 de Outubro de 2005, Proc. n.º 1410/05-2, transitado em julgado) a expropriante Rede Ferroviária Nacional REFER, EP, aduzindo, em síntese, que: (i) o acórdão recorrido é contraditório com outro do mesmo tribunal e assenta em pressupostos não verificados à data da declaração da utilidade pública da expropriação; (ii) a parcela de terreno não poderá ser classificada como solo acto para construção ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 25.º do Código das Expropriações; (iii) a desafectação de terrenos integrados na reserva agrícola nacional para efeitos de expropriação com vista ao melhoramento de uma via ferroviária não lhes traz maior potencialidade edificativa; (iv) por se tratar de...

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