Acórdão nº 382/07 de Tribunal Constitucional (Port, 03 de Julho de 2007

Magistrado ResponsávelCons. Mário Torres
Data da Resolução03 de Julho de 2007
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 382/2007 Processo n.º 652/07 Plenário

Relator: Conselheiro Mário Torres

(Conselheira Ana Maria Guerra Martins)

Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional,

I – Relatório

1. O Presidente da República requereu, em 11 de Junho de 2007, ao abrigo do n.º 1 do artigo 278.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e dos artigos 51.º, n.º 1, e 57.º, n.º 1, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), que o Tribunal Constitucional aprecie a conformidade com o disposto no n.º 7 do artigo 231.º, conjugado com os n.ºs 1, 2 e 4 do artigo 226.º da CRP, da norma constante do artigo 1.º do Decreto n.º 121/X, de 17 de Maio de 2007, da Assembleia da República, que “Altera o regime de incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos”, recebido na Presidência da República no dia 4 de Junho de 2007 para ser promulgado como Lei, “pela circunstância de essa norma legal poder ter regulado indevidamente uma matéria de reserva necessária dos Estatutos Político-Administrativos das Regiões Autónomas”.

O pedido assenta nos seguintes fundamentos:

“1.º – A disposição normativa constante do artigo 1.º do Decreto enviado para promulgação e que é objecto do presente pedido de fiscalização altera o artigo 1.º da Lei n.º 64/93, de 26 de Agosto, a qual aprova o regime jurídico de incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos.

  1. – A nova redacção que a norma submetida a apreciação confere à alínea b) do n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 64/93 determina expressamente a extensão do regime legal nela previsto sobre incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos aos deputados das Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas, regime que se cumularia com as regras legais vertentes sobre a mesma matéria que constam dos Estatutos Político-Administrativos, em especial, com as normas dos artigos 34.º e 35.º do Estatuto da Região Autónoma da Madeira.

  2. – Embora a alínea m) do artigo 164.º da CRP integre na reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República a regulação por lei comum da matéria do estatuto dos titulares dos órgãos de soberania e do poder local, bem como de outros órgãos constitucionais ou eleitos por sufrágio directo e universal, verifica-se que o n.º 7 do artigo 231.º da CRP determina que o estatuto dos titulares dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas (no qual figura o domínio das incompatibilidades e impedimentos) seja necessariamente definido nos respectivos Estatutos Político-Administrativos.

  3. – Na medida em que a norma cuja apreciação da constitucionalidade se requer e que reveste a categoria formal de lei comum da Assembleia da República impõe a aplicação do regime da Lei n.º 64/93 aos deputados dos parlamentos regionais, ela mostra-se susceptível de violar a reserva de Estatuto Político-Administrativo tal como se encontra definida pelo n.º 7 do artigo 231.º da CRP, já que carece, na sua formação, de uma formalidade essencial do procedimento produtivo da lei estatutária, a qual consiste na reserva de iniciativa dos parlamentos regionais, prevista nos n.ºs 1 e 4 do artigo 226.º da CRP.

  4. – Encontra-se, deste modo, em causa, não uma apreciação substancial do conteúdo do decreto, mas sim a resolução de uma questão prévia de ordem formal que tange à garantia da integridade da reserva de Estatuto Político-Administrativo, a qual releva para a defesa de direitos regionais que se projectam na faculdade conferida às Assembleias Legislativas das regiões para participarem qualificadamente na fase de iniciação do procedimento produtivo de uma lei aprovada pelos órgãos de soberania que disponha sobre o estatuto dos deputados regionais.”

Em anexo ao pedido, foi remetido um parecer da Assessoria para os Assuntos Jurídicos e Constitucionais da Casa Civil da Presidência da República.

2. O artigo 1.º do Decreto n.º 121/X, da Assembleia República, dispõe o seguinte:

“Artigo 1.º

Alterações à Lei n.º 64/93, de 26 de Agosto

O artigo 1.º da Lei n.º 64/93, de 26 de Agosto, alterada pela Lei n.º 39-B/94, de 27 de Dezembro, pela Lei n.º 28/95, de 18 de Agosto, pela Lei n.º 12/96, de 18 de Abril, pela Lei n.º 42/96, de 31 de Agosto, e pela Lei n.º 12/98, de 24 de Fevereiro, passa a ter a seguinte redacção:

Artigo 1.º

(…)

1 – (…).

2 – (…):

a) Os Representantes da República nas regiões autónomas;

b) Os Deputados das Assembleias Legislativas das regiões autónomas;

c) Anterior alínea b);

d) Anterior alínea c);

e) (…);

f) (…);

g) (…).

”

O diploma, que foi aprovado “nos termos da alínea c) do artigo 161.º da Constituição” (que atribui competência à Assembleia da República para “fazer leis, salvo as reservadas pela Constituição ao Governo”), contém ainda um artigo 2.º, que dispõe: “A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação”.

A redacção do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 64/93 que se encontra em vigor corresponde à que lhe foi dada pela Lei n.º 28/95, de 18 de Agosto, e é do seguinte teor:

«Artigo 1.º

(Âmbito)

1 – A presente lei regula o regime do exercício de funções pelos titulares de órgãos de soberania e por titulares de outros cargos políticos.

2 – Para efeitos da presente lei, são considerados titulares de cargos políticos:

a) Os Ministros da República para as Regiões Autónomas;

b) Os membros dos Governos Regionais;

c) O Provedor de Justiça;

d) O Governador e Secretários Adjuntos de Macau;

e) O governador e vice-governador civil;

f) O presidente e vereador a tempo inteiro das câmaras municipais;

g) Deputado ao Parlamento Europeu.”

Da comparação dos dois textos legais resulta que as alterações visadas pelo Decreto n.º 121/X se traduzem: (i) na actualização da designação dos Representantes da República nas Regiões Autónomas em conformidade com a revisão constitucional de 2004; (ii) na eliminação da referência aos extintos cargos de Governador e Secretários Adjuntos de Macau; e (iii) na inclusão dos deputados das Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas entre o elenco dos titulares dos cargos políticos que ficam sujeitos ao regime de exercício de funções estabelecido pela Lei n.º 64/93 e suas sucessivas alterações.

Resulta dos fundamentos do pedido que apenas está em causa esta última alteração.

Constitui, assim, objecto do presente pedido a questão da constitucionalidade da norma do artigo 1.º do Decreto n.º 121/X, na parte em que altera a redacção da alínea b) do n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 64/93, de 26 de Agosto (na redacção vigente, dada pela Lei n.º 28/95, de 18 de Agosto), incluindo os deputados das Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas entre o elenco dos titulares dos cargos políticos que ficam sujeitos ao regime de exercício de funções estabelecido nessa Lei.

3. Notificado nos termos e para os efeitos do artigo 54.º da LTC, o Presidente da Assembleia da República apresentou resposta na qual oferece o merecimento dos autos, remete cópia do recurso de admissão do Projecto de Lei n.º 254/X (BE) apresentado pelo Grupo Parlamentar do PSD, dos Diários da Assembleia da República que contêm matéria a ele referente, e dos trabalhos preparatórios relativos ao Decreto n.º 121/X da Assembleia da República, e esclarece que “a decisão tomada quanto à admissão do Projecto de Lei em questão, ao abrigo da alínea c) do artigo 161.º da Constituição da República Portuguesa e nos termos do n.º 1 do artigo 139.º e da alínea c) do n.º 1 do artigo 17.º do Regimento da Assembleia da República, radica no entendimento e prática de que a rejeição de iniciativas legislativas apresentadas à Assembleia da República, nos casos estabelecidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 133.º do já mencionado Regimento, só deverá ter lugar quando ocorra a violação frontal e absoluta do disposto na Constituição da República Portuguesa, ou dos princípios nela consignados”.

4. Apresentado pela primitiva Relatora o memorando previsto no artigo 58.º, n.º 2, da LTC e tendo-se apurado, uma vez concluída a respectiva discussão, que a solução nele proposta não obtivera vencimento, operou-se mudança de relator, cumprindo agora formular a decisão, em conformidade com o disposto no artigo 59.º, n.º 3, da LTC.

II – Fundamentação

5. Relativamente ao estatuto dos titulares de órgãos de soberania e de outros cargos políticos (incluindo o respectivo regime de incompatibilidades e impedimentos) e quanto ao órgão constitucionalmente competente para a sua definição, a versão originária da CRP limitava-se a atribuir à Assembleia da República competência exclusiva para legislar sobre a “remuneração do Presidente da República, dos Deputados, dos membros do Governo e dos juízes dos tribunais superiores” (artigo 167.º, alínea u)), a estipular que os Deputados que fossem funcionários do Estado ou de outras pessoas colectivas públicas não podiam exercer as respectivas funções durante o período de funcionamento efectivo da Assembleia (artigo 157.º, n.º 1) e que os Deputados que fossem nomeados membros do Governo não podiam exercer o mandato até à cessação destas funções (artigo 157.º, n.º 2), e a determinar a perda de mandato dos Deputados que viessem “a ser feridos por alguma das incapacidades ou incompatibilidades previstas na lei” (artigo 163.º, n.º 1, alínea a)).

Foi a 1.ª revisão constitucional (Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de Setembro) que introduziu nesta matéria três importantes inovações, que, na sua essência, permaneceram até à actualidade.

A primeira respeita à consagração a par da imposição de a lei determinar os crimes de responsabilidade dos titulares dos cargos políticos, bem como as sanções aplicáveis e os respectivos efeitos, que já constava do n.º 2 do artigo 120.º da versão originária da CRP do dever dea lei disp[or] sobre os deveres, responsabilidades e incompatibilidades a que estão sujeitos os titulares dos...

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