Acórdão nº 308/07 de Tribunal Constitucional (Port, 16 de Maio de 2007

Magistrado ResponsávelCons. Mário Torres
Data da Resolução16 de Maio de 2007
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 308/2007 Processo n.º 187/07 2.ª Secção

Relator: Conselheiro Mário Torres

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

1. A., SA, apresentou reclamação para a conferência, ao abrigo do n.º 3 do artigo 78.º-A da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), contra a decisão sumária do relator, de 14 de Março de 2007, que decidiu, no uso da faculdade conferida pelo n.º 1 desse preceito, não tomar conhecimento do recurso.

1.1. A decisão sumária reclamada tem a seguinte fundamentação:

“1. A., SA, interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo das alíneas b) e f) (com referência à alínea c)) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), contra o acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (STA), de 12 de Julho de 2006, que, concedendo provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais contra o acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul (TCA Sul), de 1 de Fevereiro de 2005, revogou este acórdão e julgou improcedente a acção administrativa especial que a ora recorrente havia instaurado contra o despacho daquela entidade que indeferira pedido de dedução de prejuízos fiscais.

No requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, refere a recorrente que visa a fiscalização concreta da constitucionalidade e da legalidade:

«1 – Do artigo 69.º, n.º 7, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (Código do IRC), na redacção do Decreto-Lei n.º 221/2001, de 7 de Agosto, e do artigo 27.º, n.º 1, da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, em vigor à data dos factos do processo (que será a redacção do dito artigo 69.º do Código do IRC a considerar neste requerimento, salvo indicação expressa em contrário), interpretado no sentido de que uma decisão administrativa proferida mas não notificada ao requerente é susceptível de impedir a formação de acto tácito de deferimento, por violação dos artigos 268.º, n.º 1 (princípio da transparência resultante da garantia constitucional de informação dos particulares acerca dos procedimentos que lhes digam respeito) e n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, 66.º do Código do Procedimento Administrativo e 36.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Esta questão foi suscitada na petição inicial e na réplica apresentada pela ora recorrente no Tribunal Central Administrativo.

2 – Do artigo 11.º-A do Estatuto dos Benefícios Fiscais, quando interpretado no sentido da sua aplicabilidade a um pedido formulado ao abrigo do artigo 69.º, n.ºs 2 e 7, do Código do IRC em data anterior à sua entrada em vigor, por violação do princípio da não retroactividade da lei fiscal, artigo 103.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, do artigo 12.º, n.º 2, do Código Civil, 12.º, n.ºs 1 e 3, da Lei Geral Tributária e do artigo 11.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.

Esta questão foi suscitada na petição inicial, na réplica apresentada pela ora recorrente no Tribunal Central Administrativo, nas contra-alegações produzidas no Supremo Tribunal Administrativo e no requerimento de nulidade de fls. ... (aplicando-se a este respeito as considerações explanadas. em 4 supra [sic]).

3 – Do artigo 69.º, n.º 7, do Código do IRC, interpretado no sentido de ser exigível certidão de inexistência de dívidas à Segurança Social para se iniciar a contagem do prazo de deferimento tácito aí estabelecido por efeito de norma impeditiva – artigo 11.º-A do Estatuto dos Benefícios Fiscais – posterior ao pedido do benefício fiscal e num contexto em que a entidade decisora (i) tenha pedido outros elementos à aí requerente em momento anterior do mesmo procedimento administrativo sem todavia pedir tal certidão (apesar de a então requerente ter cumprido a Circular n.º 6/2002 in totum); (ii) disponha já dessa mesmíssima certidão no âmbito da concessão de outro benefício fiscal requerido ao mesmo Ministro das Finanças e apresentado na mesma Direcção de Serviços de Benefícios Fiscais; e (iii) para a mesma operação económica, tudo por violação do princípio da imparcialidade e boa fé estabelecidos no artigo 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, 6.º do Código do Procedimento Administrativo e 9.º da Lei Geral Tributária.

Esta questão foi suscitada na petição inicial, na réplica apresentada pela ora recorrente no Tribunal Central Administrativo e no requerimento de nulidade de fls. ... (aplicando-se a este respeito as considerações explanadas. em 4 supra [sic]).

4 – Do artigo 69.º, n.º 2, do Código do IRC quando interpretado no sentido de estabelecer conceitos indeterminados (mormente razões económicas válidas ou se a fusão se insere numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva) concedentes de discricionariedade técnica insindicável pelos tribunais administrativos, por violação do princípio constitucional da legalidade e o limite a que ela está sujeita na prossecução do interesse público (artigo 266.º da Lei Fundamental), do direito jusfundamental à tutela jurisdicional plena e efectiva contra actos lesivos estabelecida no artigo 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa e nos artigos 3.º e 95.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro, no âmbito de uma acção administrativa especial instaurada com o expresso pedido de condenação à prática do acto devido.

Esta questão decorre da petição inicial e das alegações no Tribunal Central Administrativo (na justa medida em que expressamente se alega e pugna pela sindicabilidade) e foi suscitada no requerimento de nulidade de fls. ….

Em todo o caso, atendendo à natureza inesperada e insólita da interpretação normativa efectuada pelo Acórdão do STA, a A. deve considerar-se dispensada do ónus estabelecido na parte final do n.º 2 do artigo 72.º da Lei n.º 28/82, na esteira aliás da douta Jurisprudência deste Venerando Tribunal plasmada, entre outros, no Acórdão n.º 669/2005, de 6 de Dezembro de 2005, da 2.ª Secção (Processo n.º 818/2005).

Tanto mais que o despacho administrativo em crise no processo principal foi sindicado em profundidade pelo Tribunal Central Administrativo Sul e que a interpretação da insindicabiliciade de conceitos indeterminados/discricionariedade técnica é contraditória com jurisprudência do STA e deste douto Tribunal (v., pela sua qualidade, Acórdão n.º 269/2000, 1.ª Secção, Processo n.º 598/99, em que foi Relator S. Ex.a o actual Presidente do Tribunal Constitucional).»

O recurso foi admitido por despacho do Conselheiro Relator do STA, decisão que, como é sabido, não vincula o Tribunal Constitucional (n.º 3 do artigo 76.º da LTC), e, de facto, entende-se que o presente recurso é inadmissível, o que possibilita a prolação de decisão sumária de não conhecimento do objecto do recurso, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC.

2. A recorrente interpôs o presente recurso ao abrigo das alíneas b) e f) (com referência à alínea c)) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.

Diga-se, desde já, que não tem cabimento a invocação da alínea f), com referência à alínea c), do n.º 1 do artigo 70.º, já que a recorrente não suscitou perante o tribunal recorrido a questão de não dever ser aplicada determinada norma por padecer de ilegalidade por violação de lei com valor reforçado, nem sequer, aliás, menciona qualquer ilegalidade deste tipo no próprio requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional.

Na verdade, para além das leis de autorização legislativa, das leis de bases gerais, das leis orgânicas e das leis que careçam de aprovação por maioria de dois terços, só podem ser consideradas leis com valor reforçado aquelas que, por força da Constituição, sejam pressuposto normativo necessário de outras leis ou que por outras devam ser respeitadas (n.ºs 2 e 3 do artigo 112.º da Constituição da República – CRP), o que não é manifestamente o caso do Código do Procedimento Administrativo, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, do Código Civil, da Lei Geral Tributária, do Estatuto dos Benefícios Fiscais ou do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, diplomas a que pertencem disposições que, segundo a recorrente refere no requerimento de interposição do recurso, teriam sido violadas, a par de normas constitucionais, pelas interpretações normativas que teriam sido efectuadas pela decisão recorrida.

Para além de que, por razões similares às que a seguir serão desenvolvidas a propósito do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, não se pode considerar que a recorrente haja suscitado, de modo processualmente adequado, perante o tribunal recorrido, antes de proferida a decisão impugnada, a questão da ilegalidade por violação de lei com valor reforçado das interpretações normativas que no requerimento de interposição de recurso se imputam a essa decisão.

Não se conhecerá, pois, do recurso interposto ao abrigo da alínea f), com referência à alínea c), do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.

3. Quanto ao recurso interposto com base na alínea b) do mesmo preceito, importa começar por recordar que, no sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge-se ao controlo da inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade constitucional imputada a normas jurídicas (ou a interpretações normativas, hipótese em que o recorrente deve indicar, com clareza e precisão, qual o sentido da interpretação que reputa inconstitucional), e já não das...

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