Acórdão nº 278/07 de Tribunal Constitucional (Port, 02 de Maio de 2007

Magistrado ResponsávelCons. Mário Torres
Data da Resolução02 de Maio de 2007
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 278/2007 Processo n.º 397/07 2.ª Secção

Relator: Conselheiro Mário Torres

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

1. Relatório

Na decisão instrutória proferida, em 15 de Setembro de 2006, no Tribunal Judicial da Comarca de Albufeira, que culminou com a pronúncia dos arguidos A., B., C., D. e E. como co-autores materiais, em concurso real, de um crime de sequestro, um crime de homicídio qualificado, um crime de profanação (ocultação) de cadáver e um crime de detenção ilegal de arma de defesa, foi inicialmente apreciada a arguição de nulidade (deduzida no debate instrutório pela defesa dos dois primeiros arguidos e posteriormente subscrita pela defesa dos terceiro e quarto arguidos) da busca realizada na residência do arguido D., sita no … – …, Marina de Albufeira, pela Polícia Judiciária, com base na existência de fortes indícios de se encontrar um indivíduo sequestrado e/ou agredido nesse apartamento, mas sem que tenha tido lugar a comunicação imediata da realização da busca ao juiz, nem a sua avaliação e validação. Essa arguição foi indeferida com base na seguinte fundamentação:

“Desde logo, refira-se, afigura-se falecer legitimidade aos arguidos não residentes, à data, naquele apartamento, para arguir a nulidade decorrente de uma busca efectuada num domicílio que, afinal de contas, não era o seu.

Todavia, o certo é que também o arguido D. subscreveu o respectivo requerimento, pelo que de todo o modo haverá que apreciar de fundo a questão suscitada.

A regra da inviolabilidade do domicílio tem, desde logo, consagração constitucional (artigo 34.º, n.ºs 1, 2 e 3, da Constituição), cominando ainda a Lei Fundamental com nulidade as provas obtidas mediante abusiva intromissão no domicílio (artigo 32.º, n.º 8, da Constituição).

No que concerne às buscas domiciliárias, por regra só podem ser autorizadas ou ordenadas pelo juiz (artigo 177.º, n.º 1, do Código de Processo Penal). Porém, segundo dispõe o artigo 177.º, n.º 2, do mesmo diploma, «Nos casos referidos no artigo 174.º, n.º 4, alíneas a) e b), as buscas domiciliárias podem também ser ordenadas pelo Ministério Público ou ser efectuadas por órgão de polícia criminal. É correspondentemente aplicável o disposto no artigo 174.º, n.º 5.»

Assim, face ao que estabelece o artigo 174.º do Código de Processo Penal, as buscas domiciliárias podem ser efectuadas por órgão de polícia criminal nos casos:

(…)

a) De terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, quando haja fundados indícios da prática iminente de crime que ponha em grave risco a vida ou a integridade de qualquer pessoa;

b) Em que os visados consintam, desde que o consentimento prestado fique, por qualquer forma, documentado;

(…).

(alíneas a) e b) do n.º 4 do referido artigo).

Todavia,

5. Nos casos referidos na alínea a) do número anterior, a realização da diligência é, sob pena de nulidade, imediatamente comunicada ao juiz de instrução e por este apreciada em ordem à sua validação.

(n.º 5 do artigo 174.º do Código de Processo Penal).

No caso, resulta dos autos que, no dia 15 de Setembro de 2005, na sequência da detenção de alguns dos arguidos, elementos da PJ entraram no apartamento em causa, o apartamento …, sito nos …, em Albufeira, onde encontraram o cadáver da vítima F. no interior de uma arca congeladora, e procederam à apreensão dos objectos melhor descritos nos autos.

A diligência ficou, nomeadamente, documentada a fls. 23 a 25, tendo ali sido invocado pela PJ que, na sequência, encontrando-se aberta a porta daquele apartamento, por julgar existirem fortes indícios de se encontrar um indivíduo sequestrado e/ou agredido naquele apartamento, verificou que numa arca frigorífica colocada de forma pouco estética junto à porta de entrada se encontrava um cadáver que apresentava indícios ao nível do hábito externo de ter sofrido violentas agressões. A PJ efectuou ainda inspecção judiciária ao referido apartamento, removeu o corpo, que lá se encontrava, e procedeu à apreensão dos objectos melhor descritos nos autos e que lá se encontravam (cfr. ainda fls. 50 a 55).

Tais diligências tiveram lugar após as 18h30 do dia 15 de Setembro de 2005.

No dia 17 de Setembro de 2005, os autos foram presentes ao juiz de instrução, juntamente com os arguidos, então detidos, para o seu primeiro interrogatório judicial, o qual teve lugar pelas 12h10 do mesmo dia.

Nesse mesmo dia, o juiz de instrução, apreciando, não só julgou válidas as detenções de todos os arguidos, sustentando-se em que foram efectuadas na sequência de crime cometido em situação de quase flagrante delito, tal como este se mostra definido no artigo 256.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, como entendeu que resultava já fortemente indiciada nos autos a prática por todos os arguidos, em co-autoria, dos crimes de homicídio qualificado, previsto e punido nos artigos 131.º e 132.º, n.º 2, alínea g), do Código Penal, de ocultação de cadáver, previsto e punido no artigo 254.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, e bem assim do crime de posse e detenção de arma proibida, previsto e punido no artigo 275.º do Código Penal, tendo-se decidido pela aplicação a cada um deles da medida de coacção prisão preventiva.

Os arguidos suscitam duas questões, a ausência de comunicação imediata da realização da busca ao juiz de instrução e a ausência de apreciação dessa mesma busca.

Desde logo, compulsando os autos, deles resulta manifesto que a entrada naquele apartamento se sustentou em fundados indícios da prática iminente de crime que pusesse em grave risco a vida ou integridade física daquele que, todavia, veio a ser encontrado no interior do apartamento em causa já sem vida, a vítima F..

Ora, detidos os arguidos, e realizada a busca, os elementos que documentavam a entrada naquele apartamento, juntamente com os arguidos, vieram a ser apresentados ao juiz de instrução ainda antes de decorrido o prazo de 48 horas que a lei estabelece para a apresentação dos detidos a primeiro interrogatório judicial.

Não se poderá pois deixar de concluir pela comunicação tempestiva da entrada do órgão de polícia criminal no apartamento … sito nos …, na Marina de Albufeira, não se vislumbrando que o legislador, ao impor a comunicação imediata ao juiz de instrução, pretendesse estabelecer um prazo mais curto do que aquele que consagra para a apresentação dos detidos, privados da liberdade, a primeiro interrogatório judicial. Por outro lado, a nosso ver, a cominação de nulidade, a que alude o n.º 5 do artigo 174.º do Código de Processo Penal, respeita apenas à falta da imediata comunicação, não assim à falta de apreciação.

Todavia, mesmo que assim não se entenda, a verdade é que o teor do despacho proferido pelo juiz de instrução aquando do primeiro interrogatório judicial dos arguidos revela que a busca em causa e os resultados obtidos com a mesma foram apreciados e tidos em consideração nessa decisão.

Apesar de o juiz de instrução não ter feito uma referência expressa à validação dessa busca, é manifesto que a teve validamente em conta no seu despacho, quer quanto aos fundamentos da validação da detenção dos arguidos, quer quanto aos fortes indícios dos crimes que sustentaram a aplicação da medida de prisão preventiva.

Isto, quando é certo que o cadáver da vítima fora precisamente encontrado naquele apartamento.

Do que se conclui que, efectivamente, a busca em causa foi não apenas comunicada imediatamente ao juiz de instrução, e por isso mesmo tempestivamente, como também por ele apreciada e tacitamente validada, não se verificando a nulidade que foi arguida.

Por todo o exposto, julga-se improcedente a invocada nulidade da busca realizada na residência do arguido D., sita no apartamento … – …, Marina de Albufeira.”

Contra esta decisão interpôs o arguido D. recurso para o Tribunal da Relação de Évora, terminando a respectiva motivação com a formulação das seguintes conclusões:

  1. – A pertença [sic] busca efectuada ao apartamento … – …, Marina de Albufeira, é nula

  2. – O artigo 174.º, n.º 4, alínea a), do CPP não se basta com a mera existência de indícios ou com a investigação de crimes de catálogo.

  3. – É também necessário que se verifiquem fundados indícios da prática iminente de crime que ponha em grave risco a vida ou a integridade de qualquer cidadão.

  4. – Ora, pese ter sido invocado tal circunstancialismo, após a descoberta do corpo, não se entende que o OPC entre as 13h30 horas e as 18h30 estando no local, não tenha agido no sentido de pôr cobro ao grave risco à vida ou à integridade física de um cidadão.

  5. – Decorre daqui ser pouco credível o invocado a posteriori pelo OPC, tudo inculcando que visa branquear a sua actuação.

  6. – Tudo sugere não ter agido o OPC por força de quaisquer fortes indícios.

  7. – Aliás, a existência de um perigo [i]minente enquadrar-se-ia num estado de necessidade desculpante, não removível de outro modo, o que não era o caso.

  8. – Na verdade, este estado de necessidade parece ter podido aguardar pelo menos por 5 horas.

  9. – Manifestamente a PJ poderia ter solicitado a emissão de manda[d]os de buscas em tempo útil.

  10. – Assim, no entender da defesa, houve falta do pressuposto exigido pelo artigo 174.º, n.º 4, alínea a), do CPP.

  11. – Pelo que a interpretação dada ao artigo 174.º, n.º 4, alíneas a) e b), do CPP, no douto despacho recorrido é inconstitucional por violação do estatuído nos artigos 18.º, 32.º, n.ºs 1, 4 e 8, e 34.º, n.ºs 2 e 3, da CRP.

  12. – Quando assim não se entenda, também não foi cumprida a exigência prevista no n.º 5 do artigo 174.º do CPP.

  13. – É transparente do auto de 1.º interrogatório, onde ocorreu a primeira intervenção do JIC, que a busca não lhe foi comunicada para efeitos do n.º 5 do artigo 174.º do CPP.

  14. – Consequentemente, o M.mo Juiz não se pronunciou quanto à validação da referida busca, como lhe seria indispensável atento o disposto no artigo 174.º, n.º 4, alínea a), e n.º 5, do CPP.

  15. Estamos assim perante um problema de omissão de despacho quanto à validação da busca (?), e o facto...

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