Acórdão nº 234/07 de Tribunal Constitucional (Port, 30 de Março de 2007

Magistrado ResponsávelCons. Mota Pinto
Data da Resolução30 de Março de 2007
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 234/2007

Processo n.º 270/05 2.ª Secção

Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

  1. Relatório

    AUTONUM 1.Por acórdão de 13 de Janeiro de 2005, o Tribunal da Relação do Porto decidiu negar provimento ao recurso interposto por Estradas de Portugal, E.P.E. (ex-I.E.P. – Instituto das Estradas de Portugal, por sua vez, ex-ICOR – Instituto Público para a Construção Rodoviária), da decisão do 4.º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Nova de Famalicão que, no âmbito do processo de expropriação instaurado por aquele Instituto contra A. e mulher B., com vista à expropriação de uma parcela de terreno com a área de 400 m2 destinada à construção da obra Variante Nascente de Famalicão, julgou parcialmente procedente o recurso da decisão arbitral interposto pelos expropriados, e improcedente o interposto pelo expropriante, fixando a indemnização devida pela expropriação da parcela em causa em 32,550,72 € (trinta e dois mil, quinhentos e cinquenta euros e setenta e dois cêntimos). Consequentemente, o Tribunal da Relação do Porto confirmou a decisão recorrida. Pode ler-se nesse aresto:

    (...)

    b) – O recurso de apelação.

    É pelas conclusões que se determina o objecto do recurso (art.ºs 684.°, n.º 3 e 690.º, n.º 1, do CPC), salvo quanto às questões de conhecimento oficioso ainda não decididas com trânsito em julgado.

    Vejamos, pois, do seu mérito.

    1 – Relativamente à enunciação dos princípios gerais que devem observar-se na atribuição da justa indemnização em processo de expropriação a sentença encontra-se bem fundamentada no tocante à doutrina e jurisprudência em que se apoiou e que são uniformes.

    Precisemos, no entanto, mais alguns aspectos:

    O art.º 23.° do CE/99 (aplicável aos presentes autos) “1-A justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data”, tem merecido a seguinte análise:

    A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem realçado que (Ac. n.° 422/2004 – Proc.462/2003 – DR – II série, de 4.11.2004, pág.16259) «a justeza de um montante indemnizatório por expropriação dependerá, em termos gerais, da circunstância de esse valor “traduzir uma adequada restauração da lesão patrimonial”, o que implica um mínimo de correspondência a referenciais de mercado na determinação do quantum indemnizatório. É que, se é no mercado onde os actores económicos, através da oferta e da procura fixam o valor dos bens transaccionados, não poderá ter-se por adequado um valor completamente desfasado daquilo que corresponderia, nesse mesmo mercado, ao valor de transacção do bem expropriado.

    Quando se fala em um mínimo de correspondência a referenciais do mercado, quer-se sublinhar que “valor do mercado normativamente entendido” corresponde “a um valor de mercado normal ou habitual em que não entram em linha de conta os factores especulativos ou anómalos (cfr. Alves Correia - O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade – Coimbra - 1989, pág. 540 e 55

    .

    2 – Dito isto e porque a apreciação da apelação se vai debruçar sobre a questão da justeza da indemnização por forma a não violar o princípio constitucional da igualdade, dispensamo-nos de, por agora, tecer outras considerações gerais acerca do que deve considerar-se em concreto a justa indemnização em processo de expropriação e tanto mais que estes autos têm a particularidade de versar sobre uma parcela que estava integrada em RAN, sendo desafectada ao abrigo do DL n.° 196/89, de 14 de Junho, para a construção da Variante Nascente de Famalicão.

    3 – Relativamente às questões de direito em causa, vamos agora analisá-las à luz das conclusões formuladas concretamente na apelação.

    O expropriante desenvolveu as suas questões centrando a sua atenção na classificação do prédio donde foi destacada a parcela expropriada, para daí concluir que «destinando-se a desanexação da Reserva Agrícola exclusivamente à construção de uma via de comunicação – e não à transformação de prédio até então legalmente “rústico” em “urbano” – a parcela de terreno expropriado não passou a deter, supervenientemente ao acto expropriativo, qualquer aptidão edificativa, sendo a especial afectação de parcela à construção de tal via pública de comunicação absolutamente incompatível com qualquer vocação edificativa do terreno expropriado. Como tal conclui o recorrente que o solo da parcela em causa deve ser classificada como solo para outros fins e avaliada nos termos do disposto no n.° 3 do art.º 27.° do CE/99».

    Efectivamente no caso dos autos (facto n.° 6 da matéria assente) o prédio dos expropriados está classificado na Planta de Ordenamento do Plano Director Municipal de V .N. Famalicão, como “Reserva Agrícola Nacional” (RAN).

    A questão que agora se coloca é a de saber se (tal como foi entendido na sentença e seguindo-se laudo dos peritos maioritários) nas circunstâncias dos autos é possível sustentar que a inclusão de um terreno na RAN (ou REN ) acarreta ou não necessariamente a extinção da sua capacidade edificativa para efeitos de atribuição de indemnização em expropriação quando se destina à construção de uma infra-estrutura rodoviária, como é a Variante Nascente de Famalicão.

    Trata-se de uma problemática que foi objecto de múltiplas decisões no regime do Código de Expropriações de 1991, sendo também já conhecidas algumas decisões no domínio do Código vigente de 1999, quer ao nível da jurisprudência dos tribunais comuns quer do Tribunal Constitucional, como as que iremos identificar.

    4 – Na vigência do CE de 1991 (aprovado pelo DL n.° 438/91, de 9 de Novembro) foi proferido o Ac. do TC n.° 267/97, de 19-03-1997 – BMJ n.° 465, pág.236, e DR, II Série, de 21 de Maio de 1997, onde se veio a declarar inconstitucional por violação dos princípios da justiça e da proporcionalidade, a norma do n.° 5 do art.º 24.° desse CE/91, enquanto interpretada por forma a excluir da classificação de “solo apto para construção” os solos integrados na Reserva Agrícola Nacional (RAN) expropriados justamente com a finalidade de neles se edificar para fins diferentes de utilidade pública agrícola.

    Posteriormente, porém, o TC não manteve essa jurisprudência e já nos Acs. n.° 20/2000 – DR, II Série, de 28 de Abril de 2000, e n.º 172/2002, de 17-04-02, decidiu “não julgar inconstitucional a norma do mesmo n.° 5 do art.º 24.° do CE/91, por forma a excluir da classificação como “solo apto para construção” solos integrados na RAN expropriados para implementação de vias de comunicação.

    Esta Jurisprudência do TC continuou a ser confirmada, entre outros, nos Acs. n.ºs 247/2000; 346/2003; 347/2003 e 425/2003 (disponíveis na Página do TC na Internet no endereço http://www.tribunalconstitucional.pt.jurisprudência.htm) e nos Acs. n.°s 219/2001; 243/2001; 172/2002; 121/2002; 155/2002; 417/2002; 419/2002; 333/2003 e 557/2003 (publicados no DR, II Série, respectivamente de 6 e 4 de Julho de 2001, 3 de Junho de 2002, 12, 30, 17 e 31 de Dezembro de 2002, 17 de Outubro de 2003 e de 23 de Janeiro de 2004).

    Entretanto veio a ser publicado o novo CE, que se encontra em vigor (DL n.° 168/99, de 18 de Setembro) onde já não se encontra reproduzido no art.º 25.° o n.° 5 do anterior art.º 24.° do CE/91, onde se declarava expressamente que “para efeitos de aplicação do presente código é equiparado a solo para outros fins o que, por lei ou regulamento não possa ser utilizado na construção”.

    No entanto o novo CE em vigor não apontou caminho de resolução para o caso dos terrenos que embora disponham de infraestruturas a que se reporta a alínea a) do n.° 2 do art.º 25.° estão contudo integrados na RAN ou REN.

    5 – Numa primeira análise poder-se-ia argumentar (cfr. Ac. RC de 22-06-2004 – CJ – tomo II, pág.30 e ss.) que o legislador de 1999 conhecia a polémica que estava gerada à volta da interpretação no CE/91 da classificação dos terrenos integrados em RAN e das divergentes posições assumidas pelo TC sobre esta matéria.

    Por isso ao não reproduzir a mesma norma do n.º 5 do anterior art.º 24.° no actual art.º 25.° terá deixado caminho aberto para não limitar a atribuição da indemnização na classificação do solo a terrenos que não obstante integrados em RAN ou REN disponham contudo das infraestruturas a que se alude na citada alínea a) do n.° 2 do art.º 25.°.

    Porém esta argumentação, com respeito por opinião contrária, não é suficientemente válida, para se poder reconhecer que o legislador quis colocar fim às interpretações divergentes que surgiram na jurisprudência dos Tribunais comuns e do TC.

    Por um lado há que ter presente que “da jurisprudência do Tribunal Constitucional decorre que a norma do n.º 5 do artigo 24.° do Código das Expropriações de 1991 só foi julgada inconstitucional num único caso em que a Administração classificou uma parcela de terreno, dotada de todas as infra-estruturas, como de utilidade pública agrícola e integrou-a, por isso, na RAN, para, posteriormente e uma vez desvalorizada, vir a adquiri-la, pagando por ela um valor correspondente ao de solo não apto para construção. Em todos os restantes casos citados em que estavam em causa quer a construção de vias de comunicação, quer de diferentes edifícios, o Tribunal pronunciou-se, sempre, no sentido da não inconstitucionalidade. Ou seja, em todos os outros casos, mesmo naqueles em que a expropriação se não destinou a implantação de vias de comunicação mas sim de edifícios públicos – por exemplo escolas –, o Tribunal Constitucional, não tendo dado conta de «qualquer actuação pré-ordenada da Administração, traduzida em “manipulação das regras urbanísticas”, com vista a desvalorizar artificiosamente o terreno, reservado ao uso agrícola, para mais...

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