Acórdão nº 170751/08.7YIPRT.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Julho de 2011

Magistrado ResponsávelLOPES DO REGO
Data da Resolução12 de Julho de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

EDIFICADORA L...& A..., LDª requereu contra S...C... - INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS, S.A providência de injunção, fundada em crédito pecuniário no montante de € 95.856,56, -sendo € 64.676,77 de capital e € 30.963,79 de juros - invocando que, na qualidade de empreiteira, celebrou com a ré um contrato de empreitada, com vista à construção de um edifício de habitação e comércio, referenciando as facturas que discrimina pelo número, a data de emissão e de vencimento.

Notificada, a requerida deduziu oposição, na qual veio invocar a incompetência do tribunal para a presente causa, por violação da convenção de arbitragem constante da cláusula 13ª do contrato em que a autora fundamenta a sua pretensão.

A autora pronunciou-se sobre a arguida excepção, propugnando pela respectiva improcedência com fundamento na inexistência de escrito atributivo de “foro convencional de competência”.

Em face da oposição deduzida, os autos passaram a seguir os termos da acção declarativa, aplicando-se a forma comum. Na sequência de convite para aperfeiçoamento do requerimento de injunção, foi apresentado articulado, satisfazendo as exigências cominadas quanto à petição inicial ; e, em resposta, a requerida reiterou a suscitação da excepção de incompetência do tribunal judicial, por violação da convenção de arbitragem constante da cláusula 13ª inserta no contrato de empreitada a que se reporta o litígio Procedeu-se a audiência preliminar , em que se julgou procedente a excepção dilatória de preterição do tribunal arbitral, nos termos seguintes: Apesar da ré qualificar a excepção dilatória que invoca como sendo de incompetência absoluta do tribunal, o que esta pretende efectivamente é arguir a excepção dilatória prevista na alínea J) do art.º 494º do CPC.

Efectivamente lê-se na referida disposição legal que constitui excepção dilatória a preterição do tribunal arbitral necessário ou violação de convenção de arbitragem.

Por seu lado a Lei 31/6 de 29 de Agosto define no seu artigo 1º, convenção de arbitragem como sendo o acordo através do qual os outorgantes decidam cometer á decisão de árbitros qualquer litígio que não respeita a direitos indisponíveis, estabelecendo-se ainda no artigo 2º da mesma Lei os requisitos a que deve obedecer tal convenção.

Ora, do contrato junto aos autos pela autora, e que disciplina a relação contratual em que a mesma estriba a sua pretensão, consta uma cláusula que assume a natureza de convenção de arbitragem, a acima descrita cláusula 13ª.

Com efeito da referida cláusula consta que as partes se obrigam a resolver por arbitramento os eventuais diferendos que surjam na interpretação, integração e execução desse contrato, especificando-se até para maior clareza algumas dessas questões.

Conforme se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 05.06.2007, “para que se verifique a excepção dilatória preterição do Tribunal arbitral basta que se alegue e prove ao tribunal judicial a existência de convenção de arbitragem que não seja manifestamente nula ou ineficaz e que seja apenas susceptível de vincular as partes no litígio e de conter tal litígio no seu objecto” (Relator Rui Vouga, Acórdão disponível nas bases de dados do Ministério da Justiça).

Na verdade, e remetendo-se para o acórdão acima citado e para a abundante doutrina nesse sentido aí referida, está subtraída à jurisdição do tribunal judicial a apreciação da validade, da eficácia ou até da aplicabilidade da convenção de arbitragem ao litígio em causa, excepto se essa convenção de arbitragem for manifestamente nula ou ineficaz.

Sucede que a já descrita cláusula onde se encontra materializada a convenção de arbitragem não enferma de manifesta nulidade, designadamente por respeitar a direitos indisponíveis ou por a respectiva apreciação estar submetida exclusivamente a tribunal judicial, pelo que se impõe a procedência da arguida excepção dilatória.

Em face do exposto julga-se procedente a arguida excepção dilatória de violação da convenção de arbitragem, e em consequência absolve-se a ré da instância.

  1. Inconformada com o assim decidido, a requerente interpôs recurso de apelação, a que todavia, a Relação negou provimento, confirmando a decisão recorrida, nos termos seguintes: A par do efeito positivo, o efeito negativo impõe à jurisdição pública o dever de se abster de se pronunciar sobre as matérias cujo conhecimento a lei comete ao árbitro, em qualquer causa que lhe seja submetida e em que se discutam aquelas questões, antes que o árbitro tenha tido oportunidade de o fazer, sendo certo que a convenção acordada entre as partes pode ser revogada, até à pronúncia da decisão arbitral, por escrito por estas assinado.

    O artigo 21.° n.° 1, da LAV especifica a esfera de competência do árbitro para conhecer da sua própria competência. O árbitro pode apreciar a existência, a validade ou a eficácia da convenção de arbitragem ou do contrato que a contenha, bem como a aplicabilidade da mesma convenção.

    Como esclarece JOÃO LUÍS LOPES DOS REIS, A Excepção de Preterição do Tribunal Arbitral, ROA 58, 1122, Não levanta dúvidas a referência à validade e à eficácia da convenção de arbitragem: constituindo vícios que conduzem à inutilização da convenção, e portanto à incompetência do árbitro, compreende-se que seja a este que a lei comete o poder de as apreciar.

    É certo que a lei admite, no artigo 12º, nºs 1 e 4 da LAV, que um tribunal judicial aprecie a convenção de arbitragem antes de proferida a decisão final do árbitro: i) Para designar um árbitro que não tenha sido nomeado nos termos da convenção ou das disposições supletivas da lei; ii) Para determinar o objecto do litígio, nos casos em que as partes se hajam desentendido a esse respeito.

    E, no aludido preceito apenas se admite que o juiz declare não haver lugar à designação de árbitro ou à determinação do objecto do litígio quando a convenção de arbitragem for manifestamente nula.

    De acordo com as aludidas restrições da lei pode entender-se que se há uma convenção de arbitragem e é plausível que ela vincule as partes em litígio, então, quanto ao litígio entre elas, o tribunal judicial não pode intervir senão aquando da impugnação da decisão arbitral.

    Delimitada a fronteira estabelecida ao poder do juiz, pode concluir-se que as questões relativas à própria convenção, como a sua validade, eficácia e aplicabilidade, só podem ser apreciadas pelo tribunal judicial depois de o árbitro proferir a sua decisão final.

    Refere ainda JOÃO LUÍS LOPES DOS REIS, ob. cit, 1128 que a questão da validade, a questão da eficácia, mesmo a questão da aplicabilidade da convenção de arbitragem ao litígio submetido ao tribunal judicial estão subtraídas à jurisdição do juiz. Este entendimento é coerente com o regime da LAV. Reservando esta aos árbitros a primazia do conhecimento da validade, da eficácia e da aplicabilidade da convenção de arbitragem, mal se compreenderia que o CPC admitisse que, em violação do regime da arbitragem voluntária, o tribunal judicial conhecesse dessa matéria para, eventualmente, concluir pela violação de convenção de arbitragem.

    Ressalva-se, portanto, na LAV, a possibilidade de o tribunal judicial proceder à apreciação da convenção de arbitragem, em caso de manifesta (ou seja, óbvia), nulidade, ineficácia ou inaplicabilidade da mesma e, nesse caso, pode o juiz declará-lo e, consequentemente, julgar improcedente a excepção deduzida.

    No artigo 3º da Lei nº 31/86 estabelece-se que «é nula a convenção de arbitragem celebrada com violação do disposto nos arts. 1, nºs 1 e 4 e 2, nºs 1 e 2».

    O artigo 2º do citado diploma legal, que se reporta aos requisitos da convenção, diz que esta deve ser reduzida a escrito (nº 1), considerando-se como tal a convenção constante ou de documento assinado pelas partes, ou de troca de cartas, telex, telegramas ou outros meios de telecomunicação de que fique prova escrita, quer esses instrumentos contenham directamente a convenção, quer deles conste cláusula de remissão para algum documento em que uma convenção esteja contida.

    Ora, a convenção de arbitragem inserta na cláusula 13ª do contrato de empreitada celebrado entre as partes não viola os citados normativos – não incide sobre direitos indisponíveis e está reduzida a escrito - pelo que não ocorre qualquer nulidade e muito menos manifesta.

    E será tal convenção manifestamente ineficaz e inaplicável ao litígio submetido ao tribunal judicial.

    Invoca a autora que nos autos apenas se discute o pagamento de facturas por esta emitidas à ré e nega que, quanto à matéria em causa, exista qualquer pacto privativo arbitral. Invoca também que a própria composição do designado "tribunal arbitral" é manifestamente irregular, inadmissível por Lei, e que o instituto da injunção não está sujeito a qualquer pacto privativo de jurisdição, porquanto a lei não o permite.

    Vejamos, Estatui o nº 3 do artigo 2º da Lei nº 31/86 que o compromisso arbitral deve determinar com precisão o objecto do litígio e que a cláusula compromissória deve especificar a relação jurídica a que os litígios respeitem.

    O tribunal arbitral poderá ser constituído por um único árbitro ou por vários, em número ímpar, sendo constituído por três árbitros se o número de membros não for fixado na convenção de arbitragem nem em escrito posterior assinado pelas partes (artigo 6.º).

    Os árbitros devem ser pessoas singulares e plenamente capazes (artigo 8.º), sendo, por regra, designados pelas partes, nos termos do artigo 7.º.

    Segundo o nº 1 deste último normativo, Na convenção de arbitragem ou em escrito posterior por elas assinado, devem as partes designar o árbitro ou árbitros que constituirão o tribunal, ou fixar o modo por que serão escolhidos.

    Na cláusula 13ª do contrato de empreitada que as partes celebraram, de natureza compromissória, acordaram estas em submeter à decisão de um tribunal arbitral os litígios emergentes da interpretação, integração e execução desse contrato, optando-se depois por explicitar...

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