Acórdão nº 0644685 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 31 de Outubro de 2007

Magistrado ResponsávelANTÓNIO GAMA
Data da Resolução31 de Outubro de 2007
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam, em audiência, no Tribunal da Relação do Porto: Por decisão proferida no ....º Juízo Criminal do Porto, foi o arguido B...................., condenado pela prática de um crime de difamação agravado pela publicidade, previsto e punido pelos artigos 180º, 183º, n.º 2 e 184º, com referência ao artigo 132º, n.º 2, j) do Código Penal, na pena de 240 (duzentos e quarenta) dias de multa, à taxa diária de 9,00 €, e ainda a pagar ao demandante C...................., o montante de €4.000,00, a título de danos de natureza não patrimonial.

O arguido inconformado com a condenação interpôs o presente recurso rematando a pertinente motivação com as seguintes conclusões: 1. A sentença sob recurso não aplicou correctamente os dispositivos constitucionais e penais relevantes sendo, antes, a expressão de um evidente preconceito cultural e de um apriorismo judicial, hipervalorizando uma pretensa honra e desvalorizando totalmente a liberdade de expressão e de opinião.

2. A sentença sob recurso não teve em devida conta o valor da liberdade de opinião num debate público com o relevo e a relevância que tinha o debate sobre a D.................... e em que o assistente interviera na «esfera pública» de forma «violenta» ao pedir a demissão do artista E................. da direcção da D................

3. Ao não reconhecer a existência de uma causa de exclusão de ilicitude, o direito de opinião do ora recorrente, o tribunal «a quo» violou o disposto nos artºs 31º n.º2 b) do Código Penal e 10º da CEDH.

4. Deverão ser dados como não provados os pontos 4, 5 e 6 e 16 e 21 a 24 dos factos [não] provados e provado que «o arguido jogou com o sentido da palavra "energúmeno" no sentido de pessoa que possuída por uma obsessão, pratica desatinos» e, ainda, «que o assistente gosta de (e caracteriza-se, até por), praticar atitudes polémicas, pouco razoáveis ou desatinada», conforme resulta dos depoimentos.

5. O tribunal, ilegitimamente, fixou um sentido único à palavra energúmeno que considerou, à partida, ofensivo e criminalmente punível, aplicando incorrectamente o art.º 180º do Código Penal.

6. Sendo certo que, no sentido dado pelo arguido ao termo "energúmeno" e que deverá ser dado como provado, como «pessoa que possuída por uma obsessão, pratica desatinos», é perfeitamente razoável a sua utilização no debate político, não pondo nunca em causa a honra e o bom nome do assistente, pelo que deveria o ora recorrente ter sido absolvido por inexistência de qualquer ilícito.

7. O ora recorrente não teve sequer a noção de que poderia ofender o assistente pelo que sempre deveria ser absolvido, por inexistência de dolo, violando a sentença sob recurso, neste aspecto, o disposto nos art.º 13º, 14º e 180º do Código Penal.

8. Deverá, igualmente, ser revogada a decisão cível, absolvendo-se o demandado, por inexistência de ilícito e de danos relevantes com nexo de causalidade com a utilização da referida expressão no artigo em causa.

9. Termos em que deverá o recorrente ser absolvido.

Admitido o recurso o Ministério Público e o assistente responderam concluindo pela manutenção da decisão recorrida.

Já neste Tribunal o Ex.mo Procurador Geral Adjunto foi de parecer o recurso não merece provimento.

Cumpriu-se o disposto no art.º 417º n.º 2 do Código Processo Penal e após os vistos realizou-se audiência, não tendo sido suscitadas, nas respectivas alegações, novas questões.

Factos provados: 1. Na edição do dia 22 de Junho de 2003 do Jornal "F..............", na sua página 6, foi publicado um escrito da autoria do arguido e por ele assinado, sob o título "....................(I)"; 2. Nesse escrito, a propósito da D................, o arguido escreveu: "No momento em que o energúmeno que encabeça a maioria PSD/CDS/PCP, na Câmara Municipal do Porto e seus apaniguados encetaram uma lógica repressiva de silenciamento, á cata de "delito de opinião", ainda assim será da D.................. que se falará porque o que neste momento se nos oferece fruir e avaliar é um projecto cultural de uma envergadura e seriedade absolutamente ímpares»; 3. Tal parágrafo aparece também em destaque como cabeçalho do referido escrito; 4. Ao empregar a expressão "energúmeno", o arguido não ignorava o seu significado, o qual segundo o Dicionário de Língua Portuguesa, edição da Porto editora, é o de «possesso pelo demónio, pessoa que cominada por uma obsessão pratica desatinos» e segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, (Editora Objetiva, Rio de Janeiro, 2001) é o de «indivíduo desprezível, que não merece confiança; boçal, ignorante; 5. Não ignorava ainda o arguido que o artigo que escreveu iria ser amplamente divulgado, por força da sua publicação em jornal diário e que ao dirigir tal expressão à pessoa do Presidente da Câmara Municipal do Porto, o aqui assistente, que a mesma era ofensiva do respeito, da honra, do prestígio e do bom nome que naquela qualidade e por força do exercício de tais funções, lhe são devidos; 6. O arguido sabia a sua conduta proibida; Da acusação particular provou-se ainda que: 7. O Jornal Diário "F............." é um conhecido periódico português, com distribuição diária por todo o território nacional, desde o ano de 1989, que teve, no mês de Maio do ano de 2004, uma tiragem média total de 80.045 exemplares; 8. Para além da Edição impressa diária, o Jornal Diário "F................" também se encontra acessível, diariamente, com difusão planetária, no ciberespaço, no sítio www...........pt, onde esteve publicado o texto em causa; 9. No escrito referido nos autos o Arguido/Demandado imputou ao Assistente/Demandante a prática de uma lógica repressiva de silenciamento, à cata de "delito de opinião".

Do pedido cível provou-se ainda que: 10. O Assistente/Demandante é economista e exerce, actualmente - tal como à data da prática dos factos - as funções de Presidente da Câmara Municipal do Porto; 11. O Arguido/Demandado é colunista, com periodicidade semanal (Domingo), na Secção "............", do jornal Diário "F................."; 12. O artigo referido em 1), publicado na edição do dia 22 de Junho de 2003 (Edição n.º 4840, Ano XIV do Jornal "F................"), na sua página 6 tem o seguinte texto integral: ...... ...... .......

13. O artigo de opinião transcrito também esteve acessível, bem como toda a Edição do "F............." em que vinha inserido, no sítio www...........pt, durante, pelo menos, sete dias, onde o texto do participado estava acessível a todos aqueles que entraram no referido sítio; 14. O Autor do artigo supra transcrito, ora Arguido/Demandado, dirigiu o artigo de opinião em causa a todos os leitores do jornal em que o mesmo foi publicado; 15. À data da publicação do artigo de opinião em causa - dia 22 de Junho de 2003 - era o Assistente/Demandante que encabeçava a maioria PSD/CDS/PCP no executivo da Câmara Municipal do Porto, exercendo funções de Presidente deste Município; 16. Sobre o Assistente/Demandante foi formulado, pelo Arguido/Demandado, um juízo de possesso pelo Demónio, ofendeu a honra, dignidade e consideração do Assistente/Demandante que se sentiu humilhado por ver a sua pessoa ser publicamente enxovalhada por directa conotação a um ente que, no espírito de todos, congrega tudo o que há de mais negativo; 17. O Dr. G................., Presidente da Câmara Municipal do Porto, ora Assistente/Demandante, é titular de um cargo autárquico de elevada responsabilidade - Presidente da Câmara Municipal do Porto considerado, pelo menos pelas testemunhas do pedido cível, como sendo um político sério e impoluto; 18. O demandante foi eleito pelo povo por meio de sufrágio directo e universal, no âmbito de uma acto eleitoral livre; 19. Pelo menos pelas testemunhas do pedido cível, o demandante é considerado um cidadão exemplar, personalidade instruída, culta e bem formada, servidora da causa pública, cultor dos valores humanos e democráticos e bom pai de família; 20. Pelo menos segundo as testemunhas do pedido cível, o demandante é respeitado e querido pelos seus entes próximos e amigos, como pessoa e homem de bem, íntegro, de honra e princípios; 21. O demandante é considerado pela maioria dos cidadãos do concelho do Porto, como uma pessoa que reúne as qualidades para assumir e exercer as funções de Presidente da edilidade; 22. Ao associar à pessoa do Assistente/Demandante uma imagem tão negativa, o Arguido/Demandado lacerou a honra, dignidade e consideração do Assistente/Demandante, desferindo um golpe no prestígio e reputação, pública e privada, que toda a sua vida se orgulha de ter cultivado; 23. A conduta do Arguido/Demandado abalou a honra e consideração do Assistente/Demandante; 24. O arguido ao escolher a frase acima transcrita para servir de caixa ao artigo publicado, estava ciente, por experiência e conhecimento directo, que o grande número dos leitores da imprensa escrita lê, em primeiro lugar e muitas vezes exclusivamente, os títulos ou os resumos dos artigos que as caixas representam; * Das contestações, com interesse para a decisão da causa, provou-se ainda que: 25. O arguido escreveu os artigos documentos 1 a 3 juntos que aqui se dão por integralmente por reproduzidos; 26. O arguido é um colaborador regular do jornal em causa, autor de uma coluna semanal, publicada na secção "..............", onde habitualmente tece comentários (muitas vezes, violentos e contundentes) sobre assuntos culturais, num tom, muitas vezes, irónico e polémico, independentemente da cor politico-partidária dos visados; 27. Quanto ao assistente, em concreto, o arguido por diversas vezes manifestou a sua discordância relativamente às suas posições e opções políticas na área da cultura; 28. No caso dos autos, o arguido formou a sua opinião sobre o assistente, a partir das posições que este assumiu publicamente sobre questões culturais, e que o arguido considera revelarem uma concepção provinciana, se não mesmo pacóvia, da cultura; 29. No entender do arguido, o assistente, depois de ser eleito, foi progressivamente deslocando as...

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