Acórdão nº 8273/2007-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 18 de Outubro de 2007

Magistrado ResponsávelPEREIRA RODRIGUES
Data da Resolução18 de Outubro de 2007
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA: I. OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A SOLUCIONAR.

Nos Juízos de Execução de Lisboa, Banco Santander Totta, S.A intentou a presente acção executiva para pagamento de quantia certa contra Helena.., apresentando como título executivo uma livrança no montante de € 15.615,65.

Alegou que ao montante da livrança devem acrescer juros à taxa de 6%, ao ano.

Em face do requerimento executivo, foi proferido despacho liminar nos seguintes termos: "A presente acção executiva tem por base um título de crédito tendo sido pedidos juros de 6%, ao ano.

O Assento do STJ n.° 4/92 de 13.7 veio esclarecer que a taxa de juro aplicável às letras e livranças pagáveis em Portugal é a taxa de juros civis e não a referida no art.° 49° do LULL.

Concluindo, face ao título dado à execução, verifica-se que a taxa de juros aplicável é a taxa de juros civis.

Por outro lado, sendo o titulo executivo a livrança e estando em causa a obrigação cartular, não são de aplicar quaisquer juros estipulados em contrato celebrado entre as partes, pois os juros a ter em conta quando estão em causa títulos de crédito são apenas os juros civis, uma vez que não se está em causa o contrato mas tão só a livrança que constitui o título executivo.

Atendendo ao período compreendido entre o dia de vencimento e o momento actual, a taxa de juros correspondente é de 4% até ao pagamento, de acordo com a Portaria n.° 291/2003 de 8.4.

Assim impõe-se o indeferimento parcial do requerimento executivo quanto ao pedido de juros à taxa de 6%, ao ano, por ser manifesta a falta de título executivo quanto àquela taxa, atendendo ao disposto nos art.s 45º n.º 1, 46º n.º 2 e 812° n.º 2 al. a) e n.º 3 do CPC.

Pelo exposto indefiro parcial e liminarmente o requerimento executivo, por manifesta falta de título, quanto ao pedido de juros à taxa 6%, devendo os mesmos calculados à taxa de 4% ao ano até ao pagamento, de acordo com a Portaria n.º 291/ 2003 de 8.4.

Custas pela exequente na proporção do decaimento".

Inconformado com a decisão, veio o Exequente interpor recurso para este Tribunal da Relação, apresentando doutas alegações, com as seguintes CONCLUSÕES: Dispõe o art. 48°, aplicável "ex vi" do art. 77° ambos da Lei Uniforme sobre as Letras e Livranças (LULL) que o portador de uma letra ou livrança pode reclamar, daquele contra quem exerce o direito de acção, os juros à taxa de 6% desde a data do vencimento.

Na Convenção de Genebra, vários Estados, incluindo Portugal, aprovaram a Lei Uniforme sobre as Letras e Livranças, estipulando-se nesta a taxa de juros moratórios de 6%.

Portugal, ao aprovar e ratificar a Convenção não fez qualquer reserva prevista no art. 13° do Anexo II dessa Convenção, de substituir no seu país aquela taxa de juros ! Assim sendo, e na medida em que Portugal não formulou qualquer declaração expressa no momento da ratificação da Convenção de Genebra de 7 de Julho de 1930 sobre a taxa dos juros moratórios fixada nos artigos art. 48°, aplicável "ex vi" do art. 77° ambos da LULL, aplicam-se os juros moratórios de 6% às letras e livranças.

Para entender a razão de ser da rejeição por parte do legislador português da aplicação da taxa de juros prevista no art. art. 48°, aplicável "ex vi" do art. 77° ambos da LULL, deve-se ter em consideração a alteração da conjuntura económica.

Encontrando-se o país, na altura, em circunstâncias excepcionais, havendo uma discrepância muito grande entre a taxa moratória prevista na LULL, de 6% e a dos juros legais, que já rondavam os 23%.

Com o Dec. Lei n° 262/83, de 16 de Junho dos juros legais, dando assim termo a situações desvantajosas e injustas que se geravam com a aplicação de uma taxa muito inferior como a prevista na LULL.

Resultando desta discrepância uma vantagem enorme para os devedores de letras e livranças, retirando estes proveitos por lhes ser aplicada uma taxa de 6%, Surge o Assento do Supremo Tribunal de Justiça n° 4/92, de 13.07, tendo disposto que a taxa a aplicar às letras e livranças não será mais a prevista na LULL, mas sim a dos "juros legais" previstos no referido art. 4° do Dec. Lei n° 262/83 e art. 559° do Código Civil, em conjugação com as Portarias que instituíram as taxas de 23%, 15%, 10%, 7% e 4%, respectivamente.

No entanto, há que ter em consideração que a situação económica e financeira sofreu uma alteração substancial.

Tendo em conta a alteração, das circunstâncias e tendo deixado de haver um desequilíbrio entre a taxa da LULL e a dos juros legais, na medida em que estas taxas se aproximaram, não se vê razão para não se voltar a aplicar a taxa prevista na LULL.

É de salientar que neste momento a diferença existente entre a taxa de juros da LULL e dos juros legais (previstos na Portaria n° 291/2004, 8.4.) não é significativa A taxa de juros consiste, na realidade, numa sanção que visa não só corrigir monetariamente, mas também penalizar o infractor, assim sendo não faz qualquer sentido premiar o infractor com uma redução da taxa de juros.

Nestes termos, e tendo em consideração a alteração das circunstâncias que levaram à rejeição da aplicação da taxa de juros prevista na LULL e na medida em que os índices de inflação em Portugal são, de momento, semelhantes aos dos demais Estados Contratantes, não se vê qualquer razão para que o Estado Português não continue obrigado a aplicar a taxa de juros de 6% prevista na LULL.

O valor dos Assentos foi radicalmente alterado. Tendo estes, hoje, meramente um papel pedagógico e não vinculativo e tanto assim é que o entendimento expresso nesse Assento já está ultrapassado por decisões posteriores, nomeadamente de Tribunais de 2ª instância (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15.10.04).

No período entre 1925 e 1936 - onze anos - (período no qual foi ratificada a LULL) a inflação era um fenómeno inexistente em Portugal.

Nos termos do disposto no art. 44° do CIRC e 50° do CIRS, relativamente aos coeficientes de desvalorização monetária para os bens adquiridos no período compreendido entre 1925 e 1936 (onze anos), é aplicável apenas e só um coeficiente.

Não faz assim sentido, actualmente quando ocorre uma situação de inflação, ainda que reduzida premiar o infractor com uma redução da taxa de juros.

Por esta via está-se a subverter a intenção do legislador quando se introduziu na ordem interna a LULL.

Os juros praticados pelas operações activas (empréstimos) são como é do conhecimento público superiores aos 6% (excepto naquelas situações em que há bonificação da taxa de juros, mediante intervenção do Estado na relação bancária, suportando este o diferencial da taxa), O artigo 8° n° 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP), consagra a regra da recepção automática geral ou plena do Direito Internacional Convencional.

As normas que constam de Convenções Internacionais e que tenham sido regularmente ratificadas ou aprovadas, vigoram na ordem interna portuguesa, imediatamente, após a sua publicação em jornal oficial.

Desta forma, as mesmas vinculam internacionalmente o estado português.

Tais normas assumem natureza supra legal, não podendo ser alteradas por acto interno e só deixando de vigorar na ordem interna portuguesa quando a Convenção, por qualquer motivo, deixar de vincular o Estado Português.

O que até ao momento não aconteceu.

Nestes termos, e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá ao presente Agravo ser dado provimento, revogando-se a decisão recorrida no sentido de ser aplicada a taxa de 6% prevista na LULL à livrança dada à execução.

Não houve contra-alegação.

Admitido o recurso na forma, com o efeito e no regime de subida devidos, subiram os autos a este Tribunal da Relação, sendo que nada obstando ao conhecimento do agravo, cumpre decidir.

A questão a resolver é a de saber se na livrança dada à execução deve aplicar-se a taxa de 6% prevista na LULL ou se a de 4%, prevista para os juros legais civis.

| II.

FUNDAMENTOS DE FACTO.

Os factos a tomar em consideração para conhecimento do agravo são os que decorrem do relatório acima inscrito.

| III.

FUNDAMENTOS DE DIREITO.

Decorre dos arts. 48º/2, 49º/2 e 77º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças(1) que esta lei uniforme adoptou como taxa de juros de mora a taxa de 6%(2).

Porém, o art. 13º do Anexo II, para as Letras e Livranças, admitia que qualquer das Altas Partes Contratantes pudesse determinar, no tocante às letras (livranças) passadas e pagáveis no seu território, que a taxa de juros...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT