Acórdão nº 2377/06-1 de Tribunal da Relação de Évora, 16 de Outubro de 2007

Magistrado ResponsávelANTÓNIO JOÃO LATAS
Data da Resolução16 de Outubro de 2007
EmissorTribunal da Relação de Évora

Recurso nº 2377/06 Acordam os Juízes, em Audiência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: 1.- Nos presentes autos o MP deduziu, oportunamente, acusação contra D..., imputando-lhe a prática das contra-ordenações p. e p. pelos artigos 87º, nºs 1 e 2 e 24º, nºs 1 e 3, do Código da Estrada, na versão vigente à data dos factos, e a prática de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 15º, al. b), e 137º, nº1, do Código Penal, e de dois crimes de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 15º, al. b), e 148º, nºs 1 e 3, com referência ao artº 144º, als. b) e d), do Código Penal.

O ofendido T. ... apresentou pedido de indemnização cível contra a Companhia de Seguros ..., C. ..., Viagens de Turismo, Lda., empresa proprietária do veículo conduzido pelo arguido, e o próprio arguido; O ofendido A. ... apresentou pedido de indemnização civil contra a Companhia de Seguros ..., S.A..

  1. - Realizou-se a audiência de julgamento no 1º Juízo Criminal do T.J. da Comarca de Setúbal, tendo aí sido proferida sentença em 14/02/2005 (fls. 769 a 789), onde foi decidido: - Absolver da instância os demandados C. ..., Viagens de Turismo, Lda. e D. ..., por carecerem de legitimidade; - Julgar improcedente a acusação deduzida e, em consequência, absolver o arguido da prática das contra-ordenações e crimes que lhe vinham imputados (acima referidos); - Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização cívil formulado pelo ofendido T. ... e, em consequência, condenar a demandada Companhia de Seguros ... em parte do pedido, - Julgar parcialmente procedente o pedido formulado por A. ... e, em consequência, condenar a demandada Companhia de Seguros ... em parte do pedido.

    - Absolver a demandada Companhia de Seguros ... relativamente ao demais pedido.

  2. - Não se conformando com tal sentença, ambos os demandantes recorreram da mesma. O MP não interpôs recurso daquela sentença.

    Por acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 12/07/2005 (fls. 961 a 986), foi concedido provimento aos recursos interpostos pelos demandantes e anulada a sentença recorrida, ordenando o reenvio do processo a fim de, em novo julgamento, ser sanado o vício apontado (factos provados e não provados relativos às circunstâncias do acidente e culpa na produção do mesmo que se mostram incompatíveis ou inconciliáveis), sem prejuízo do julgamento poder abranger outros factos relativos às circunstâncias do acidente, cujo conhecimento se revele necessário.

    *4. Reenviado o processo à 1ª instância realizou-se nova audiência de discussão e julgamento e foi proferida nova sentença, publicada em 31.05.2006 e depositada em 19.06.2006 (cfr fls 1170), em que - para além do mais (vd infra) - foi decidido não conhecer da responsabilidade criminal do arguido, por respeito aos princípios do caso julgado e da proibição da "reformatio in peius", conhecendo-se apenas da parte relativa aos Pedidos de Indemnização Cível deduzidos pelos demandantes cíveis.

  3. - É desta decisão que o MP vem recorrer, invocando a nulidade de sentença prevista na al. c) do nº1 do art. 379º do CPP (omissão de pronúncia), por entender que o tribunal a quo devia ter conhecido da responsabilidade penal do arguido, pois tal resultava do reenvio determinado pelo tribunal da Relação de Évora e o julgador tinha todos os elementos para se pronunciar quanto a tal matéria.

    Conclui reafirmando a invocada nulidade da sentença e a sua substituição por outra em que o tribunal a quo se pronuncie sobre a responsabilidade penal do arguido, ainda que na sequência de novo julgamento, caso se entenda que a prova produzida perdeu eficácia.

    São as seguintes as conclusões que extrai da sua motivação, que aqui se transcrevem: « 1) Por acórdão de 12.07.2005, decidiu o Tribunal da Relação conceder provimento aos recursos interpostos pelos demandantes T. ... e A. ... da sentença proferida nos presentes autos pelo 1. a Juízo Criminal de Setúbal, nos quais invocavam erro notório na apreciação da prova.

    2) Consequentemente, foi anulada a decisão recorrida e ordenado o reenvio do processo, a fim de, em novo julgamento, ser sanado o vício de erro notório na apreciação da prova apontado, sem prejuízo do julgamento poder abranger outros factos relativos às circunstâncias do acidente, cujo conhecimento se revele necessário.

    3) Da sentença proferida no 1. a Juízo Criminal de Setúbal não recorreu o Ministério Público, tendo-o feito apenas os demandantes T. ... e A. ....

    4) Estes são partes civis no processo e não se constituíram assistentes.

    5) Resulta do disposto no art.° 401.°, n.º 1, alínea c), terem as partes civis legitimidade para recorrer da parte das decisões contra cada uma proferidas.

    6) Contudo, encontra-se consagrado no art. ° 402.°, n. ° 1, do Código de Processo Penal, o princípio de conhecimento amplo por parte da instância de recurso, na medida em que o recurso interposto de uma sentença abrange toda a decisão.

    7) É certo que o art.° 403.°, n.º1, do mesmo código, consigna a excepção àquele princípio, na medida em que prevê ser admissível a limitação do recurso a uma parte da decisão, quando a parte recorrida puder ser separada da parte não recorrida, por forma a tornar possível uma apreciação e uma decisão autónomas.

    8) E exemplifica-se no n. ° 2 do referenciado artigo, casos em que tal cisão da decisão e, portanto, do objecto do recurso, é possível, designadamente a autonomização da matéria penal relativamente àquela a que se referir a matéria civil.

    9) Porém, a limitação do recurso a uma parte da decisão sempre que seja possível apreciar autonomamente a parte de que se recorreu, significa que a parte de que foi interposto recurso, se houver alteração, não pode ficar em contradição insanável com a parte de se não interpôs recurso.

    10) Existindo contradição, o recurso será extensivo a toda a decisão na medida em que esta puder ser afectada.

    11) Mesmo nos casos previstos no n. ° 2 do art. ° 403.°, do Código de Processo Penal, terá sempre que ser criteriosamente equacionado o comando do seu n. ° 1.

    12) Além do mais, se o princípio dispositivo circunscreve o objecto de recurso, não determina em absoluto o conteúdo da decisão do tribunal superior.

    13) Ou seja, a limitação do recurso a uma parte da decisão não prejudica o dever de retirar da procedência daquele as consequências legalmente impostas relativamente a toda a decisão recorrida.

    14) Quando se fundamenta o recurso nomeadamente quando um dos fundamentos seja a existência de um dos vícios expressamente referidos no art.° 410.°, nº 2 este não vale a se, mas só e na medida em que, a partir dele, seja possível afirmar a não aceitabilidade da decisão proferida (condenatória ou absolutória)" .

    15) In casu, temos que o Tribunal da Relação determinou conceder provimento aos recursos interpostos pelos demandantes, em cujas motivações era alegada a existência de erro notório na apreciação da prova, e, em consequência, anular a decisão recorrida, ordenando o reenvio do processo, a fim de, em novo julgamento, ser sanado o vício apontado de erro notório na apreciação da prova, vício da sentença, sem prejuízo do julgamento poder abranger outros factos relativos às circunstâncias do acidente, cujo conhecimento se revele necessário.

    16) Como consta ainda do referenciado acórdão da Relação de Évora, o reconhecimento da existência de um vício como o erro notório na apreciação da prova tem como consequência a anulação do próprio julgamento já efectuado, a fim de, em novo julgamento, ser reparado tal vício (art.° 410.°, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Penal), sendo certo que o recurso não visa a realização de um novo julgamento, com a repetição das provas realizadas na primeira instância, mas apenas a correcção de eventuais erros ou deficiências (concretos) de que a decisão recorrida enferme e, bem assim, que a renovação da prova, tendo em conta, designadamente, o âmbito das questões de facto com repercussão em toda a dinâmica do acidente e determinação da culpa dos seus intervenientes, não permite evitar o reenvio do processo (art. ° 430.°, n. ° 1, do Código de Processo Penal).

    17) O erro notório na apreciação da prova constitui um error in judicando, ainda que atendendo apenas aos elementos constantes do texto da sentença, conjugados com as regras da experiência comum, e, no caso concreto, corresponde a um vício substancial, relativo à parte principal do conteúdo da sentença.

    18) Temos, então, que a decisão proferida pelo 1.º Juízo Criminal de Setúbal foi anulada in totem, sem que tivesse, assim, feito caso julgado, ainda que parcial.

    19) A decisão apenas transita quando se torne firme e imutável, o que não foi o caso, uma vez que: a. por um lado, o objecto dos recursos interpostos pôs em causa o núcleo da sentença - os factos decididos como não provados naquela decisão e que fundamentaram a absolvição do arguido e, b. por outro lado, parece-nos resultar do acórdão proferido pela Relação o conhecimento de um vício que afectava toda a sentença então recorrida, em virtude do que foi determinada a anulação de toda a sentença e o reenvio dos autos para a repetição do julgamento e, portanto, dos meios de prova, a fim de ser saneado o vício de que o julgamento efectuado primeiramente padeceu.

    20) Entendemos ainda que não se verificou, com a interposição pelos demandantes de recurso da decisão de 1. a instância proferida primeiramente, a cisão do objecto de recurso, por tal não ser possível, pois 21) No caso em apreço, o não conhecimento da responsabilidade criminal do arguido pela M.ma Juiz a quo tem como consequência uma contradição entre a decisão agora proferida quanto à matéria civil e a decisão de absolvição da sentença anulada.

    22) Com efeito, na sentença ora recorrida a demandada foi condenada, dada a culpa atribuída ao arguido pelo acidente de viação, com base na matéria de facto dada como provada.

    23) A absolvição do arguido na sentença anulada, por sua vez, foi...

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