Acórdão nº 403/07.0TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Julho de 2011

Magistrado ResponsávelGARCIA CALEJO
Data da Resolução12 de Julho de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I- Relatório: 1-1- AA – BANK P.L.C.

, com sede na Rua ... nº …, ..º, … Lisboa, propôs a presente acção com processo ordinário contra BB, residente na Rua …, …, Almancil, pedindo que se declare válida a resolução do contrato de financiamento para aquisição a crédito do veículo automóvel com a matrícula ...UT, se condene o R., a reconhecer que o referido veículo pertence à A. e se condene o R., na entrega definitiva do veículo.

Fundamenta este pedido, em síntese, dizendo que no âmbito da sua actividade financiou o R., na aquisição do veículo automóvel, tendo sido constituída reserva de propriedade a favor de «CC SA», o vendedor. A CC cedeu à A., com o consentimento do R., a titularidade da referida reserva de propriedade, que se encontra registada na C. R. Automóvel de Lisboa, a favor da A.. O preço total foi de 24.600,00 euros, tendo a A., financiado o valor de 18.000,00 euros, sendo o valor total a reembolsar, no montante de 24.984,00 euros, em 60 meses, no valor de 416,40 euros cada. O R. deixou de pagar a partir da 26ª prestação. A A. notificou o R., para pôr fim à mora no prazo de 8 dias, e mantendo-se a mesma, por carta registada com aviso de recepção, resolveu o contrato. Posteriormente o R., ainda liquidou a quantia de 411,71 euros, não tendo entregue o veículo.

O R., foi citado editalmente, após o que foi citado em sua representação o M. P., não tendo sido deduzida contestação.

O processo seguiu os seus regulares termos posteriores, tendo-se proferido o despacho saneador, após o que se proferiu a sentença. Nesta julgou-se a acção procedente por provada e, por via disso, declarou-se a resolução do contrato de crédito com reserva de propriedade celebrado entre a A. e o R., relativo ao veículo automóvel de marca CC, modelo Transit/C, de matrícula ...UT, condenando-se o R., a reconhecer que o veículo de matrícula ...UT pertence à A. e a restituir o mesmo e seus documentos à demandante. 1-2- Não se conformando com esta decisão, dela recorreu M.P. de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo-se aí, por acórdão de 14-12-2010, julgado procedente o recurso, revogando-se a sentença recorrida na parte em que reconheceu que o veículo de matrícula ...UT, pertence à A. e ordenou a restituição do mesmo e seus documentos à demandante, absolvendo-se o R. nesta parte. 1-3- Irresignada com este acórdão, dele recorreu o A. para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo. A recorrente alegou, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões: A. No presente caso existe uma interligação do contrato de compra e venda com o contrato de financiamento - só existiu venda porque a Apelante se dispôs a financiar o preço - e a vendedora reservou para si a propriedade do veículo até o incumprimento integral do contrato de mútuo.

B. A cláusula de reserva de propriedade foi acordada no âmbito do contrato de compra e venda e não no âmbito do contrato de financiamento.

C. Por se tratar de um contrato de alienação, e uma vez que o valor destinado à aquisição do referido veículo seria financiado pela ora Apelante, o contrato de compra e venda foi desde logo celebrado com reserva de propriedade a favor da vendedora do veículo.

D. Assim, permitindo a lei que funcione como condicionante à transferência da propriedade qualquer outro evento futuro que não apenas o cumprimento das obrigações do contrato de compra e venda, é de todo defensável que se constitua uma reserva de propriedade com vista a garantir direitos de crédito emergentes de um contrato de mútuo, cuja finalidade última é a de assegurar o pagamento do preço da coisa ao seu alienante.

E. Tudo nos termos do artigo 409° nº 1 do CC.

F. Posteriormente, a titularidade dessa reserva de propriedade foi cedida pela entidade vendedora à entidade que financiou a aquisição do veículo em causa, com o consentimento do ora Apelado. G. Defendendo a licitude da constituição da reserva de propriedade a favor do cumprimento do contrato de financiamento pronunciou-se o Supremo Tribunal de Justiça no acórdão de 12.09.2006, relativo ao processo nº 06A1901, em que é Relatar o Exmo. Conselheiro Faria Antunes e consultável em www.dgsi.pt.

nos seguintes termos: "Mercê da reserva da propriedade, as vendas não operaram a transferência imediata do direito de propriedade para a requerida. Ficou ajustado o efeito diferido da transferência do direito de propriedade, dependendo tal transferência, não do pagamento do preço às vendedoras (pois estas receberam-no integralmente), mas da verificação da condição suspensiva do pagamento integral, pela requerida, dos financiamentos que lhe foram concedidos pela 1.

a requerente, condição suspensiva lícita à luz do segmento final do nº 1 do art. 409° da lei substantiva. Na verdade, não obstante as vendedoras terem recebido a totalidade do preço da venda dos veículos automóveis, nada obstava à reserva da propriedade visto o art. 409°, nº 1 do CC dizer que «Nos contratos de alienação é lícito ao alienante reservar para si a propriedade da coisa até ao cumprimento total ou parcial das obrigações da outra parte ou até à verificação de qualquer outro evento ... ».

H. Assim, posteriormente e ao abrigo da liberdade contratual prevista no artigo 405° nº 1 do CC, e explanada na Cláusula A das condições gerais do contrato de financiamento, à luz dos artigos 588° e 591° daquele diploma, a reserva de propriedade foi cedida pela vendedora do veículo CC, S.A. à Apelante, ficando esta sub-rogada nos direitos da vendedora com o consentimento do Apelado.

I. Para que a referida sub-rogação seja eficaz, nos termos do nº 2 do artigo 591° do Código Civil, basta que haja declaração expressa no documento do empréstimo, de que a coisa mutuada se destina ao cumprimento da obrigação e assim fica o mutuante sub-rogado nos direitos do credor, in casu nomeadamente o direito de resolução e a reserva de propriedade.

J. Encontrando-se no presente caso preenchidos todos os requisitos legais exigidos para a sub-rogação, conclui-se que a ora Apelante é legítima titular do direito de propriedade sobre o veículo financiado, por transmissão válida e legitimamente efectuada pela entidade inicialmente detentora do mesmo.

K. Apesar de não chegar à mesma conclusão - por entender que a reserva de propriedade não foi constituída inicialmente a favor do vendedor do veículo - também o Acórdão recorrido concede nesta possibilidade, ancorando-se para o efeito no douto acórdão uniformizador de jurisprudência de 4 de Novembro de 2008, republicado a 26 de Novembro de 2008 em Diário da República, I Série, Nº 230, página 8489 e seguintes: L. "Não se desconhece que tem vindo a ser aceite a possibilidade de ocorrer sub-rogação, voluntária, seja do credor seja do devedor, a favor do financiador, em situações como a dos presentes autos (artigos 589° e 591° do CC), como acontece no parecer publicado no Boletim dos Registos e do Notariado, nº …, de Maio de 2001, citado no acórdão de 12 de Julho de 2007, deste Tribunal que abaixo se transcreve: M. "I) O financiamento por uma instituição de crédito da aquisição de um veículo automóvel, contratado sob condição de reserva de propriedade, poderá dar origem a uma situação que se reconduz à figura legal da sub-rogação voluntária, nas modalidades de sub-rogação pelo credor (artigo 589º do Código Civil) ou de sub-rogação pelo devedor, em consequência de empréstimo que lhe tenha sido efectuado (artigo 591° do mesmo Código).

N. Assim, a lei civil permite que, por actos celebrados simultaneamente, com intervenção de todos os interessados: 1º O vendedor aliene o veículo ao comprador, estipulando-se a reserva de propriedade a favor do primeiro até integral pagamento do preço; 2º O comprador celebre um contrato de mútuo com uma instituição de crédito, para financiamento do preço de aquisição, procedendo aquela à liquidação do preço junto do vendedor ou, em alternativa, sendo tal pagamento efectuado directamente pela instituição de crédito junto do vendedor, substituindo-se ao comprador; 3º Em consequência, o devedor sub-rogue expressamente a instituição de crédito nos direitos do vendedor, com o assentimento e a declaração de transmissão da propriedade reservada a favor daquela, por parte do vendedor (na 1ª hipótese referida no número anterior), ou o vendedor sub-rogue expressamente a entidade financiadora nos seus direitos, transmitindo-lhe a propriedade reservada com conhecimento simultâneo do facto por parte do comprador (na 2.

a hipótese referida no mesmo número)".

O. Face ao exposto, forçoso se toma concluir pela validade da cláusula de reserva de propriedade, e da legitimidade da titularidade da mesma na esfera jurídica da Apelante.

P. A posição do tribunal a quo, relativamente às clausulas constantes do verso do contrato, apesar das...

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