Acórdão nº 1112/07-2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17 de Setembro de 2007

Magistrado ResponsávelANSELMO LOPES
Data da Resolução17 de Setembro de 2007
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Após audiência, acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: TRIBUNAL RECORRIDO Tribunal Judicial de Póvoa de Lanhoso – Pº nº 147/04.4TAPVL ARGUIDOS J.; e E.

ASSISTENTE/RECORRENTE M.

RECORRIDOS O Ministério Público e os arguidos.

OBJECTO DO RECURSO O MºPº acusou os arguidos da prática, em co-autoria, de um crime de falsificação e de um crime de burla qualificada, p. e p., respectivamente, pelos artºs 256º, nº1, al. a) e nº 3, e artºs 217º e 218º, nºs 1 e 2, al. a), todos do C. Penal.

Os arguidos requereram abertura de instrução e viram a sua tese acolhida, pois foi proferido despacho de não pronúncia.

É desta decisão que vem interposto recurso, onde o assistente mantém que há indícios suficientes para levar os arguidos a julgamento pelos citados crimes.

DECISÃO RECORRIDA É o seguinte o teor da decisão em apreço: I 1 – Os arguidos requereram abertura de instrução a fls. 77 e sgts, alegando que não praticaram os crimes que lhes são imputados. Dizem que não perpetraram qualquer plano para se locupletarem com qualquer quantia do assistente; negam, também, que tenham preenchido integral ou parcialmente a letra junta aos autos (com excepção da assinatura do arguido J.) e, afirmam, não praticaram os demais factos essenciais constantes da acusação. O arguido J. alegou, depois, novos factos que explicam a sua assinatura (como sacador) naquele título de crédito, factos esses que afastam, na sua tese, claramente, a prática de qualquer acto ilícito pela arguida E., sua mulher, e por si próprio.

2 - Os arguidos requereram diversos actos de instrução, tendo sido junta documentação (cf. – fls. 234 e sgts e 245 e sgts) e sido ouvidas várias testemunhas e tomadas declarações ao arguido J. – cf. actas de fls. 235, 245 e 255 e sgts.

II1 – Até ao encerramento da instrução foram recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação aos arguidos de uma pena pela prática, em co-autoria e na forma consumada, de um crime de falsificação e de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artºs 256º, nº1, al. a) e nº 3, e artºs 217º e 218º, nºs 1 e 2, al. a), todos do C. Penal? 2 – No que diz respeito à arguida E. a resposta à questão formulada é claramente negativa e a sua fundamentação não exige mais do que dois ou três considerandos.

No decurso do inquérito nenhuma testemunha ouvida lhe imputou a prática de qualquer facto concreto limitando-se genericamente a emitirem simples juízos de valor – cf. declarações de fls. 86 e sgts, 88 e sgts e 91- que, com mais pormenor, serão analisados mais à frente.

Só o assistente é que na queixa que apresentou faz referência à arguida.

Julgo que o assistente só a ela se referiu por ser ela exequente, ou seja, parte na acção executiva intentada contra si (processo nº 340/03.7TBPVL, que corre termos neste Tribunal).

É certo que deduziu a arguida uma pretensão executiva mas daí até dizer-se que, só com base nisso, ela arquitectou todo um plano, juntamente com o seu marido, vai um passo que, objectivamente, não pode ser dado com base na prova produzida em inquérito e instrução.

Face a isto, não há sequer qualquer necessidade de se analisar o mútuo celebrado por ela (e o seu marido) junto do BES, S.A., para pagamento da letra junta aos autos (cf. – doc. de fls. 185, 204 e 260, sendo o nº da conta de que os arguidos são co-titulares o nº 000).- 3 – Já no que diz respeito ao arguido J. se a resposta àquela questão vai inequivocamente no mesmo sentido (ou seja, de que não há indícios suficientes para a sua sujeição a julgamento pela prática dos dois referidos crimes), a fundamentação é mais complexa.

3.1 – Deve desde já dizer-se que, para além dos juízos formulados pelo assistente, nenhuma testemunha ouvida sabia alguma coisa de substancial sobre os factos (nenhuma percepcionou factos concretos susceptíveis de fundamentar um qualquer juízo indiciário suficientemente seguro), limitando-se a fazer alguns juízos de valor, no meio de factos irrelevantes, nomeadamente sobre a seriedade do arguido (no caso, falta de seriedade) e sobre aquilo que eles pensam que o arguido é capaz de fazer e sobre aquilo que eles pensam que o assistente não é capaz de fazer – cf. declarações de fls. 86, 88 e 91.

Ora, como para além destas declarações, temos apenas a tese apresentada e amplamente desenvolvida pelo assistente, é bom de ver que terão que ser os documentos juntos aos autos (letra, certidão do processo executivo, informações do BES, etc.) e os juízos que sobre eles se fizerem, a suportar a presente decisão, sem perder de vista como já se disse, os já várias vezes referidos tipos incriminadores.

3.2 – O arguido J. reconhece que foi ele que sacou a letra junto aos autos, apondo nela a sua assinatura.

Negou, no entanto, que a tivesse preenchido e que no local da assinatura do aceitante tivesse aposto, feita pelo seu próprio punho, a assinatura do assistente.

Como razão deste saque o arguido apresenta um conjunto de factos em que interveio o seu filho A, já falecido, e o assistente, factos esses que, deve desde já dizer-se, face às declarações das testemunhas ouvidas em instrução, não resultam minimamente indiciados também.

As testemunhas ouvidas de concreto nada sabiam - cf. – fls. 235 e 245 e sgts.

A conversa alegadamente ouvida (mais concretamente a expressão ouvida ao assistente do género “esteja descansado que eu assumo o pagamento da letra” ou “deixe comigo que eu pago a letra”), surgiu de uma forma totalmente descontextualizada, não conseguindo nenhuma das testemunhas dar-lhe qualquer consistência ou espessura.

Muito estranho seria, pois, que o Tribunal julgasse minimamente indiciado que o assistente assumiu o pagamento da referida letra ao arguido.

Mas, dito isto, também não é menos verdade que para se chegar à conclusão de que estão indiciados os factos essenciais que constam da acusação não bastam as declarações do assistente, o título de crédito junto aos autos, e a documentação relativa à já referida acção executiva.

Em rigor, nada se sabe sobre o negócio (ou os negócios) que fundamentou a emissão da referida letra.

Uma coisa parece-nos segura: o assistente não apôs a sua assinatura no lugar do aceite.

Por simples comparação de documentos (cf. – documentação bancária do assistente) julgo fundamentada esta conclusão.

Não pode é dizer-se, com segurança, que foi o arguido a apôr a assinatura do assistente naquele título.

Efectivamente, ninguém o viu a manuscrever a assinatura do assistente naquela letra no local destinado ao aceite; não foi feito qualquer exame àquela assinatura a fim de se saber se apresenta ela alguns traços ou características da letra do arguido; e nenhum documento junto aos autos faz pensar com algum grau de segurança a prática de tal acto pelo arguido.

Mas imaginemos que sim, que foi o arguido que apôs a assinatura do assistente naquele título, falsificando-o com o objectivo de obter para si um enriquecimento ilegítimo.

Qual seria o passo seguinte para concluir com êxito tal projecto? A ideia passaria sempre por usar aquele título, obviamente.

Como? No campo das simples conjecturas em que nos encontramos, o passo óbvio seria colocar a letra em circulação, criando uma cadeia cambiária complexa, à custa de um endosso seu e de um ou mais endossos seguintes.

Nesta hipótese, o património a ser atingido pelo arguido não seria imediatamente o do assistente mas o do endossado, em consequência da relação jurídica subjacente ao próprio endosso.

Como juízo hipotético sobre aquilo que poderia ser feito por quem falsifica uma letra este é o mais consistente.

Por isso, para afastar este comportamento mais ou menos previsível, tem que se estar perante a prática pelo arguido de alguns factos concretos que com segurança nos façam concluir pela existência de um outro plano com alguma objectividade e racionalidade.

Ora, se atentarmos no que o arguido realmente fez a inconsistência dos factos constantes da acusação e o seu enquadramento afigura-se-me evidente.

O que é que fez o arguido? Começou por apresentar a letra a “desconto bancário”.

O Banco BES, S.A., confiando no arguido e na genuinidade da letra apresentada, entregou-lhe a quantia por ela titulada.

Este tipo de desconto normalmente apresenta para a instituição bancária um risco relativamente diminuto.

Com efeito, na data do vencimento do...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT