Acórdão nº 0630/07 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 03 de Outubro de 2007

Magistrado ResponsávelANTÓNIO CALHAU
Data da Resolução03 de Outubro de 2007
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: I - A... , com os sinais dos autos, não se conformando com a decisão do Mmo. Juiz do TAF de Coimbra que lhe negou provimento ao recurso interposto do despacho do Director Geral dos Impostos de 16/11/06, proferido no processo 802/4.5 da Direcção de Finanças de Coimbra, que determinou o acesso directo da Administração Fiscal às suas contas bancárias, dela vem interpor recurso para este Tribunal, formulando as seguintes conclusões: 1. A decisão recorrida está deficiente/insuficientemente fundamentada na parte em que considerou improcedente o vício de falta de fundamentação da decisão administrativa.

  1. A argumentação quanto à verificação dos requisitos legais constantes do artigo 63.º-B da LGT é, em sede de avaliação da suficiência da fundamentação administrativa, totalmente imprestável por não se avaliar aí a validade formal do discurso verbalizado pela administração como suporte constituinte da decisão administrativa, o que, no plano material, se traduz na impertinência da referida remissão e, bem assim, na ausência de fundamentação para a conclusão alcançada pelo Tribunal.

  2. Nessa matéria, o Tribunal aplicou um critério normativo inconstitucional - qual seja, o resultante da aplicação conjugada dos artigos 146.º-A e 123.º, n.º 2, 2.ª parte, do CPPT, quando interpretados conjugadamente no sentido de admitir que a decisão judicial de aferição do cumprimento do dever de fundamentação administrativa (vício de forma por falta de fundamentação do acto administrativo-tributário) seja fundamentada por remissão para argumentos/fundamentos invocados em sede de análise de vício distinto (vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito) quando nessa parte não exista, expressa ou implicitamente, qualquer consideração sobre o vício de violação de lei por falta de fundamentação, por violação do direito a um processo justo e equitativo - artigo 6.º, n.º 1, da CEDH, e 20.º da CRP - e por violação do dever de fundamentação das decisões judiciais - artigo 205.º, n.º 1, da CRP.

  3. No artigo 63.º-B, n.º 4 (actual n.º 3), da LGT, o legislador, fora do regime geral definido no artigo 77.º da LGT, exigiu que "as decisões da administração tributária (...) devem ser fundamentadas com expressa menção dos motivos concretos que as justificam", deixando assim cair (lex specialis derogat lex generalis) neste artigo 63.º-B, n.º 4, da LGT, como se vê, a possibilidade da fundamentação administrativa se bastar com uma sucinta explicação colhida numa "mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres ...".

  4. Resulta do confronto com os dois regimes (do art.º 63.º-B, n.º 4 actual e o do 77.º, n.ºs 1 e 2) que a menção constante do art.º 63.º-B - "expressa menção dos motivos concretos" - não acompanhada da possibilidade de ser realizada por "mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres ..." só pode traduzir a exigência de se verem expressa e taxativamente referidos na decisão do Sr. Director-Geral os motivos concretos que justificam o acto, sem que esses motivos possam colher-se implicitamente da remissão para os demais elementos do procedimento.

  5. A fundamentação da decisão administrativa por remissão é, assim, ilegal.

  6. Sendo que, perfilhando-se entendimento diferente, é inconstitucional o artigo 63.º-B, n.º 3 (actual n.º 4), da LGT, por violação do princípio da legalidade fiscal, na medida em que se admita como válida uma fundamentação por remissão dado que esta é realizada sem apoio no tatbestand que define as exigências do cumprimento desse dever e que, por densificar matéria sujeita ao referido princípio, não pode ser objecto de uma interpretação/aplicação analógica.

  7. A remissão para todos os elementos constantes do processo, com excepção das notificações, redunda numa fundamentação passe partout que não informa devidamente o contribuinte dos concretos motivos que presidiram à decisão notificada.

  8. A fundamentação para onde se remeteu é também ela manifestamente ambígua, dado que, como resulta do teor da informação que esteve na base do pedido de derrogação do sigilo bancário, fez assentar as razões do decidido no disposto no artigo 63.º, n.º 2 (actual n.º 3), al. a) da LGT, invocando, a esse propósito, que os fundamentos materiais subjacentes corresponderiam: 1.º à "existência de factos concretamente identificados indiciadores de falta de veracidade dos valores declarados para efeitos de IRS" e, 2.º, à "falta de apresentação ou não exibição de elementos esclarecedores relativos às verdadeiras variações patrimoniais do sujeito passivo", sendo certo que esses alegados fundamentos não autorizam por si só o levantamento do sigilo bancário ao abrigo do dispositivo legal acima mencionado.

  9. A hipótese constante da alínea a) do n.º 2 (actual n.º 3) do art.º 63.º-B da LGT apenas abrange as situações em que, perante a existência de irregularidades, a AF proceda à demonstração da impossibilidade de proceder à avaliação directa, devendo, para tal, lançar mãos de todos os meios ao seu dispor para justificar a impossibilidade de avaliação directa dos rendimentos alegadamente omitidos.

  10. Não tendo a AF indicado a impossibilidade de obter os elementos pretendidos através de outros meios ao seu dispor, fazendo decorrer daí a impossibilidade de avaliação directa, não podem dar-se por preenchidos os requisitos de actuação da AF.

  11. Não constitui abuso de direito a consideração da derrogação do sigilo bancário como um meio excepcional de aceder a informação fiscalmente relevante apenas possível no caso de inexistir outro meio de aceder à mesma informação.

  12. Pelo contrário, é inconstitucional a norma do artigo 63.º-B, n.º 2, al. a), (actual n.º 3), da LGT, interpretada no sentido de admitir a derrogação do sigilo bancário quando existem outros meios de acesso à mesma informação, por violação dos artigos 18.º e 26.º da CRP.

  13. A possibilidade de derrogação do sigilo bancário tem de ser ponderada à luz de um critério de proporcionalidade, adequação e necessidade, podendo este dar-se por satisfeito quando a AF tem à sua disposição outras formas de aceder à informação pretendida.

  14. Viola, por isso, a decisão recorrida o disposto nos artigos 63.º-B, n.ºs 2 e 3 (actuais n.ºs 3 e 4) da LGT e os artigos 18.º e 26.º da CRP.

    Contra-alegando, vem o Director-Geral dos Impostos dizer que: 1- O recorrente apresentou recurso jurisdicional da sentença proferida em 08/05/2007, atribuindo à sentença recorrida a violação de diversos normativos, nomeadamente os artigos 63º-B, n.ºs 2 e 3 (actuais 3 e 4) da LGT e os artigos 18º e 26º da CRP.

    2- A douta sentença recorrida, a fls... dos autos, ao negar provimento ao recurso fez uma correcta interpretação e aplicação da lei aos factos, motivo pelo qual deve ser mantida.

    3- O recorrente jurisdicional não põe em crise a matéria de facto dada como provada na douta sentença.

    4- No entanto, o recorrente entende que a sentença recorrida fez uma interpretação inconstitucional do artigo 63-B da LGT, porque aceitou a fundamentação da decisão administrativa, e no seu entender essa decisão não cumpria a especial exigência de fundamentação, que o referido artigo exige.

    5- Contrariamente a este entendimento, toda a jurisprudência que vem sendo produzida a propósito da derrogação de sigilo bancário, e onde vem sendo abordada a fundamentação...

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