Acórdão nº 1171/06.8TBCTB.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Julho de 2011

Magistrado ResponsávelPAULO SÁ
Data da Resolução12 de Julho de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I.

AA, L.da, BB e CC vieram intentar contra DD, EE e FF, acção de condenação, com processo comum, sob a forma ordinária, pedindo que, na procedência da mesma, sejam os Réus condenados a entregar aos Autores a quantia de 300.000,00 €, correspondente ao capital social, bem como a quantia de 179.250,81 €, existente na caixa e contas bancárias da sociedade, à data da cessão de quotas, tudo acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos, contados à taxa máxima em vigor, desde o dia da cessão de quotas, isto é, desde 27 de Janeiro de 2005 até efectiva entrega do dinheiro correspondente ao capital social e caixa, perfazendo, nesta data, a quantia de 26.838,05 €.

Para tanto alegam, em síntese: A primeira co-Autora é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à actividade de exploração hoteleira de bares e discotecas; No dia 15 de Julho de 2004, os Réus prometeram vender aos segundos co-Autores, que prometeram adquirir, as quotas que aqueles detinham na primeira co-Autora, acordando que a respectiva escritura de cessão de quotas, poderia realizar-se ou em 8 de Janeiro de 2005 ou em 30 de Junho de 2006; Antes da celebração da prometida cessão, por escritura pública realizada no dia 14 de Setembro de 2004, os Réus aumentaram o capital social da co--Autora AA de cem mil para trezentos mil euros, sendo a importância do aumento de duzentos mil euros, subscrita e realizada em dinheiro; Tomando por verdadeiras as declarações dos Réus, perante oficial público, aceitaram os Autores celebrar a escritura de cessão de quotas, entretanto marcada para 27 de Janeiro de 2005, tendo as partes acordado em manter o preço de venda de 350 000,00 €.

Contudo, o valor declarado na escritura veio a ser de 300.000,00 €, correspondente ao valor nominal das acções.

Assim, no dia 27 de Janeiro de 2005, por escritura pública, os Réus cederam aos segundos co-Autores, pelo preço igual ao seu valor nominal, a totalidade das quotas que detinham na primeira co-Autora.

Declararam então os Réus serem os únicos sócios da sociedade comercial com a firma AA, L.da e novamente que o capital social da referida sociedade se encontrava “integralmente realizado em dinheiro de trezentos mil euros”.Nesse mesmo acto os Réus renunciaram aos poderes de gerência em que estavam investidos, tendo-se então nomeado como gerente da sociedade o sócio e aqui co-Autor BB.

Apesar da aludida cedência de quotas e renúncia à gerência, os Réus não entregaram, de imediato, toda a documentação contabilística da primeira co--Autora, o que, em parte, fizeram já durante o mês de Fevereiro de 2006.

Acresce, ainda, que, à data da cessão de quotas, apresentava a AA na sua contabilidade um saldo de caixa no valor de 179.250,81 €, cujo paradeiro também se desconhece.

Os Autores apenas celebraram a escritura de cessão de quotas, porque nunca pensaram estar a ser enganados pelos Réus, nomeadamente, sempre estiveram convencidos que o capital social estava integralmente realizado em dinheiro e que a sociedade tinha em caixa o dinheiro declarado. O capital social é intangível e abaixo do mesmo não pode descer o património da empresa.

Ao vender a sociedade aos Autores desprovida do seu capital social, coloca a AA, mercê do seu giro comercial, numa situação de não estar em condições de ter património social concretizado, capaz de responder pelo pagamento de dívidas aos credores, correndo o risco destes fazerem uso das disposições previstas nos artigos 3.º e 20.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

Regularmente citados, contestaram os RR. DD e FF, terminando por pedir que a Ré EE seja absolvida da instância, por manifesta falta de legitimidade passiva e que se julguem procedentes, por provados, os pedidos reconvencionais, devendo, em consequência, os Autores BB e mulher CC ser condenados a pagar aos reconvintes DD e FF, na proporção da percentagem do capital que adquiriram, a quantia de 225.000,00 €, acrescida de juros de mora vincendos, desde a data da notificação/citação do pedido reconvencional até efectivo pagamento.

Alegaram para tanto que, a Ré EE nada tem que ver com o contrato-promessa indicado no artigo 2.º da petição inicial, nem qualquer acto seu pode ser considerado como integrante de causa de pedir na presente acção, já que a nada se obrigou, nenhum acordo ou contrato assinou, nem é sócia ou gerente da AA, L.da.

No contrato-promessa de cessão de quotas de 15 de Julho de 2004, os outorgantes DD e FF, únicos sócios da AA, L.da, prometeram ceder as suas quotas sociais a BB e mulher CC, pelo valor de 375.000,00 € ou 350.000,00 €, consoante a escritura notarial de cessão fosse outorgada até 30/06/2006 ou até 08/01/2005, quotas sociais essas, no valor total de 100.000,00 €, como se escreveu na cláusula 1.ª do acordo.

Os promitentes-vendedores ou cedentes prometeram vender o capital de 100.000,00 €, correspondente às duas quotas de 65.000,00 € e 35.000,00 €, de que eram titulares na altura da assinatura do contrato e foi este capital que os ora Autores BB e mulher prometeram adquirir, pelo total de 375.000,00 € ou 350.000,00 €, consoante a escritura notarial de cessão fosse outorgada até 30/06/2006 ou até 08/01/2005.

Como outorgaram a escritura notarial de cessão das quotas em 20/01/2005 pagaram o montante de 350.000,00 €, embora, em bom rigor, devessem ter pago 375.000,00 €, porque a escritura foi celebrada depois de 08/01/2005.

A razão de ser do escriturado aumento do capital social ficou a dever-se a constantes insistências do técnico oficial de contas da AA, L.da, Senhor GG, que há muito tempo, mesmo antes da promessa de cessão das quotas, vinha afirmando ao Réu DD a necessidade desse aumento, pelo facto da sociedade se encontrar em situação de falência técnica, se o capital não fosse actualizado para aquele valor.

Dessa necessidade de aumento foi dado a conhecer ao Autor BB pelo Réu DD, que, na altura, eram amigos e estavam de boas relações, tendo o BB concordado expressamente com o aumento, até porque, como afirmou, assim já não necessitava de ser ele a fazê-lo.

O DD informou o BB que, como é usual nestas condições, se declara na escritura notarial que o dinheiro já entrou na sociedade sem entrar, mas que depois tudo se resolve através de lançamentos contabilísticos, que os sócios regularizam no futuro.

Se o A. não concordasse, haveria que pagar também o valor do aumento de 200.000,00 €, que acrescia ao capital de 100.000,00 € que prometera comprar com a esposa, como facilmente se compreende, ou então o aumento de capital social não seria efectuado, com o prejuízo dos promitentes cedentes, que receberiam o mesmo pelas suas quotas sem ele, nos termos do que haviam acordado através do contrato-promessa de cessão de quotas.

O BB e mulher CC apenas haviam prometido comprar o valor do capital de 100.000,00 €, pelos montantes indicados no contrato-promessa de cessão de quotas e não o capital de 300.000,00 €.

Mas efectiva e formalmente foram-lhe vendidos na escritura notarial de cessão de quotas 300.000,00 €, e não os 100.000,00 € prometidos, pelo que, a vingar as teses dos cessionários nesta acção, devem ainda aos cedentes o valor de 200.000,00 €, em cujo montante se pedirá a sua condenação reconvencional.

Com efeito, ao contrário do que se pretende fazer crer na petição inicial, a promessa de cessão de quotas resultou duma habilidade comercial do Autor BB, que pretendia adquirir a discoteca explorada pela AA, L.da, sociedade que era, na prática, gerida apenas pelo Réu DD. Negócio que o BB só fez porque sabia que a ........... – ....................., L.da tinha um contrato de cessão de exploração com a AA, L.da, através do qual a primeira estava a explorar a discoteca da segunda sociedade, por dois anos, cujo negócio lhe iria por esta via «parar às mãos», contrato que está expressamente referido na cláusula 3.ª do contrato-promessa de cessão de quotas de 15 de Julho de 2004.

Assim, o BB sabia que o contrato de cessão de exploração entre a AA, L.da e a ........... – ....................., L.da, tinha integrado um contrato-promessa de cessão de quotas que dava à ........... o direito potestativo de comprar o capital da AA e, por essa via, a discoteca indicada na cláusula 2.ª do contrato-promessa de cessão de quotas de 15 de Julho de 2004.

O que interessava ao BB era adquirir a discoteca. As sociedades eram secundárias e foram mero instrumento do negócio que perseguia e por que porfiava.

Por estes motivos se outorgou o contrato-promessa de cessão de quotas de 15 de Julho de 2004, a que os promitentes-cedentes não podiam fugir, porque era um direito potestativo da ........... – ....................., L.da, consignado no contrato de cessão de exploração vigente à data da outorga daquela promessa, referido na sua cláusula 3.ª.

Se a tese dos Autores vingasse e os Réus DD e irmã FF tivessem que lhe pagar o valor de 200.000,00 € – embora peticionem anacronicamente 300.000,00 € – correspondente ao aumento do capital social e o alegado saldo de caixa em falta, ficariam com a discoteca e a sociedade AA, L.da de graça! Ou melhor, ainda ganhavam muito dinheiro.

Após a cedência das quotas sociais, o réu DD, logo que foi possível, através do seu técnico oficial de contas, procedeu à entrega da documentação contabilística da autora AA, L.da, o que ocorreu em 2 de Fevereiro de 2006.

O montante em causa (179.250,81 €) de saldo de caixa resulta dos lançamentos efectuados na contabilidade para regularizar o aumento de 200.000,00 € de capital, cuja classificação se encontra na primeira folha do documento n.º 3 junto pelos Autores com a petição inicial.

O indicado documento n.º 3, que os Autores juntaram com a petição inicial, notificado aos Réus, tem inserto na primeira folha o lançamento...

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