Acórdão nº 07A2503 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Outubro de 2007
Magistrado Responsável | FONSECA RAMOS |
Data da Resolução | 09 de Outubro de 2007 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA e; Santa Casa da Misericórdia de Murça intentaram, em 13.2.2002, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Murça, acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, contra: BB e mulher, CC.
Alegando, em resumo e no essencial, que são donos e legítimos possuidores do prédio urbano, que identificam, estando como tal inscrito na respectiva Conservatória de Registo Predial.
Porque tal imóvel vem sendo ocupado pelos réus que se negam a restituí-lo, pedem que sejam reconhecidos como seus legítimos proprietários, condenando-se os réus a desocuparem e entregarem o referido prédio, ordenando-se ainda o cancelamento de quaisquer registos que os réus hajam efectuado sobre o mesmo (tudo como melhor consta da sua petição inicial, que se dá por reproduzida).
Contestaram os réus impugnando os factos da petição inicial e alegando, também em resumo, que tal prédio lhes foi doado verbalmente há mais de vinte anos pelo autor AA e falecida mulher, vindo desde então, a ocupá-lo e usufruí-lo como se de verdadeiros de donos se tratassem, adquirindo-o por usucapião, que expressamente invocam.
Em consequência, formularam reconvenção, pedindo que os autores sejam condenados a reconhecer que tal prédio é sua propriedade, ordenando-se o cancelamento do registo efectuado em nome deles (tudo também como melhor consta da sua contestação-reconvenção de fls. 77 e ss).
Os autores replicaram à contestação-reconvenção (fls. 113 e sgs.), mantendo a posição que haviam já assumido na petição inicial.
Findos os articulados, a fls. 193 e ss. foi proferido despacho saneador, especificados os factos assentes e delimitada a base instrutória, que não mereceram reclamações.
*** A final foi proferida sentença que: - julgou a acção procedente e improcedente a reconvenção e, consequentemente, decido: A) - Condenou os réus a reconhecerem que os autores AA e Santa Casa da Misericórdia de Murça, são donos e legítimos proprietários do imóvel acima descrito em 1, 2, 11 e 12 dos factos provados, condenando ainda os réus a devolver aos autores o referido imóvel devoluto de pessoas e bens e ordenando o cancelamento de quaisquer registo que os réus hajam feito sobre o mesmo prédio; B) - Absolveu os autores dos pedidos contra eles formulados pelos réus em sede de reconvenção.
*** Inconformados recorreram os RR. para o Tribunal da Relação do Porto, que, por Acórdão de 25.1.2007, fls. 411 a 426, julgou improcedente o recurso, confirmando a decisão apelada.
*** De novo inconformados recorreram os RR. para este Supremo Tribunal e, alegando, formularam as seguintes conclusões: 1ª) Salvo o respeito por opinião contrária, entendem os aqui recorrentes que, atendendo ao quadro factual dado como provado, não foi pelo Douto Acórdão em mérito efectuada uma correcta aplicação do direito.
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) Tal como os autores configuram o pedido e articulam a causa de pedir, estamos em face de uma típica acção de reivindicação, que é instaurada pelos proprietários não possuidores, contra os possuidores do imóvel em discussão nos autos, invocando, além da inscrição tabular, também a aquisição por usucapião da propriedade do imóvel, ou seja, que a coisa lhes pertence por um dos títulos admitidos em direito.
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) Portanto, incumbindo aos autores a prova do seu direito de propriedade sobre o imóvel, pretenderam estes logo demonstrá-lo pelo benefício do registo de transmissão do mesmo a seu favor, decorrente do preceituado pelo art. 7º do Código de Registo Predial, mas porque sabiam da natureza ilidível desta presunção, pretenderam também demonstrar que tinham adquirido o direito sobre o mesmo por uma das formas originárias de aquisição, ou seja, pela usucapião.
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) E, para demonstrarem esta forma originária de aquisição, alegaram a aquisição de uma quarta parte indivisa de um prédio rústico (como consta do ponto nº2), onde edificaram um armazém e a prática sobre este de determinados actos materiais (resumidos nos quesitos 2° a 7º da base instrutória).
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) Actos de posse estes que os autores alegam na petição inicial como tendo sido por si directamente praticados, sem fazerem sequer a mínima alusão que alguma vez tenham sido praticados por outros em seu nome ou até mesmo que por eles tenham sido consentidos.
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) Ora, em face da presunção do registo em nome dos autores e da alegação de uma causa originária de aquisição da propriedade, os réus, ou seja, os possuidores, só poderiam evitar a restituição da coisa se conseguissem provar uma das três coisas: que a coisa lhe pertence, por qualquer dos títulos em direito; que têm sobre a coisa outro qualquer direito real que justifique a sua posse ou, então, que detêm, a coisa por virtude de direito pessoal bastante - neste sentido: Prof. Menezes Cordeiro, "Direitos Reais", 1979-1993, pág.593.
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) E, para obstarem à restituição do imóvel, vieram então os réus, em sede reconvencional, pedir que sejam declarados donos e legítimos possuidores do mesmo prédio, filiando a causa de pedir na usucapião, visto terem acrescentado que também pela posse, conducente à usucapião, se operou a aquisição originária do mesmo a seu favor.
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) Portanto, ao invocado direito de propriedade dos autores contrapuseram os réus a aquisição por usucapião da propriedade do imóvel em discussão, ou seja, que a coisa lhes pertence por um dos títulos admitidos em direito, incumbindo-lhe a partir daqui a prova do seu direito de propriedade, para o que urgia demonstrar que, pela posse, tal como invocaram, se operou a aquisição originária, pela usucapião.
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) Sendo certo que a circunstância de um imóvel se encontrar registralmente inscrito a favor de alguém, não obsta à aquisição por usucapião a favor de outrem, visto que esta inutiliza por si todas as situações registrais existentes, em nada sendo prejudicadas pelas vicissitudes do registo - neste sentido: Prof. Oliveira Ascensão -" Direito Civil - Reais" 5ª Edição, págs. 358 e 382.
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) Como é sabido, a posse é integrada por dois elementos: o corpus "- seu elemento material - que consiste no domínio de facto sobre a coisa e se traduz no exercício de poderes materiais sobre ela e o "animus" - seu elemento psicológico - que se traduz na intenção de se comportar como titular do direito real correspondente àquele domínio de facto, isto é, aos actos praticados.
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) E os réus conseguiram então demonstrar que ocupam o imóvel discutido nos autos a partir, pelo menos, de 1985, estando desde então no uso e fruição do mesmo, praticando todos os actos de posse elencados nos pontos 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12 e 13 e nos quesitos nº14º, 15º, 16º, 17º, 18°, 19°, 20°, 21°, 22°, 23°, 24°, 26°, 27º, 28°, 30° e 31º da base instrutória.
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) Como demonstraram também que, pelo menos desde 1985 até à presente data, nenhum dos autores mais se ocupou do imóvel ou tratou alguma vez do mesmo.
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) Portanto, tendo-se operado a transmissão do imóvel para os réus, pela entrega que do mesmo lhes foi feita pelo autor AA e sua falecida mulher, não podemos deixar de concluir que isto representou um acto dos antigos possuidores, ou seja destes, que materialmente envolveu a atribuição da posse aos novos possuidores (portanto, aos réus), pela transmissão da situação de facto e que os habilitou a praticar sobre o imóvel actos correspondentes ao exercício do direito possuído, ou seja ao direito de propriedade.
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) Sendo assim, como é, os réus lograram efectivamente comprovar o "corpus possessório" sobre o identificado imóvel, visto que inquestionavelmente existiu e existe por parte deles o domínio de facto sobre a coisa através do exercício de poderes materiais sobre a mesma.
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) Domínio de facto este que nos termos dos arts. 1.252°, nº2, e 1.268°, nº1, ambos do Código Civil, leva a estabelecer uma presunção de posse em nome próprio a favor dos réus.
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) Quer isto dizer, portanto, que a pessoa que retém ou frui uma coisa goza do direito correspondente - é titular do direito correspondente aos actos que pratica sobre ela -, salvo se existir a favor de outrem presunção prioritária, fundada em registo anterior ao início da posse, como preceitua aquele n°1, parte final, do art. 1.268° do Código Civil.
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) Ora, os réus demonstraram que, sem embargo de não disporem de registo de inscrição do imóvel ao seu favor, se encontram na retenção e fruição do mesmo, gozando assim da presunção da titularidade, enquanto que os autores, por seu turno, provaram a inscrição dominial do mesmo, na sua titularidade, por força da transmissão mortis causa.
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) E quem tem a seu favor uma presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz, razão pela qual competiria aos autores a elisão da presunção da outra parte, isto é, de que os réus não eram possuidores, mas sim meros detentores, e a estes de que gozam de uma posse mais antiga, em relação aqueles, titulares do registo de aquisição, em conformidade com o estipulado no art. 350º, n°1 e 2, do Código Civil.
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Chegando assim a este conflito de presunções, ou seja, a dos autores, por um lado, derivada, essencialmente, do registo, e a dos réus, pelo outro, proveniente, apenas, da posse, entendemos que as Instâncias deveriam tê-lo resolvido em termos favoráveis aos réus, face até ao que dispõe o n°2, do art. 1.252° do Código Civil.
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Isto porque, e como já se deixou dito, desde pelo menos 1985 que os réus estão no uso, fruição e posse do imóvel, exercendo sobre ele os poderes materiais supra elencados em nome próprio, com...
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