Acórdão nº 4890/2007-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 18 de Setembro de 2007

Magistrado ResponsávelLUÍS ESPÍRITO SANTO
Data da Resolução18 de Setembro de 2007
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa ( 7ª Secção ).

I - RELATÓRIO.

Intentou Banco [...] S.A., acção declarativa comum, sob a forma de processo sumário, contra Mário [...] e mulher Helena [...] ; Ricardo [...] Essencialmente alegou que : No exercício da então sua actividade comercial, e com destino - segundo informação então prestada pelo Réu Mário - à aquisição de um veículo de automóvel, da marca FORD [...] a Autora, por contrato constante de título particular datado de 10 de Fevereiro de 2000, concedeu ao Réu Mário crédito directo, sob a forma de um contrato de mútuo, tendo assim emprestado ao Réu Mário, a importância de 1.600.000$00/€ 7.980,77, com juros à taxa nominal de 18,03% ao ano, devendo a importância do empréstimo e os juros referidos, bem como o prémio do seguro de vida, serem pagos, nos termos acordados, em 60 prestações, mensais e sucessivas, com vencimento a primeira em 20 de Março de 2000 e as seguintes nos dias 20 dos meses subsequentes; a falta de pagamento de qualquer das referidas prestações na data do respectivo vencimento implicava o vencimento imediato de todas as demais prestações; mais foi acordado que em caso de mora sobre o montante em débito, a título de cláusula penal, acrescia uma indemnização correspondente à taxa juro contratual ajustada, 18,03%, acrescida de 4 pontos percentuais, ou seja, um juro à taxa anual de 22,03%; o Réu Mário incumpriu o contrato, tendo deixado de pagar as prestações referidas; o Réu Mário entregou à Autora o veículo automóvel, para que a Autora diligenciasse proceder à respectiva venda, o que a Autora veio a conseguir pelo preço de 612.326$00/(€ 3.054,27) e creditasse o valor que por essa venda obtivesse por conta do que o Réu lhe devesse, e ficando este Réu de pagar à Autora o saldo que viesse a verificar ficar então em débito; em 18 de Outubro de 2001, Autora e o Réu Mário acordaram então alargar o prazo do contrato referido para 72 meses, devendo o Réu Mário pagar à Autora a importância então em débito, tendo já em conta o valor obtido com a venda do veículo, em prestações mensais e sucessivas de montante de 26.781$00/€ 133,58, cada uma, com vencimento a primeira em 20 de Novembro de 2001, e as seguintes nos dias 20 dos meses subsequentes, em tudo o mais se mantendo em vigor o referido contrato de mútuo; o Réu Mário destas novas prestações, não pagou à Autora a 1ª prestação, com vencimento a primeira em 20 de Novembro de 2001, vencendo-se, então todas; o total destas prestações em débito pelo Réu Mário à Autora ascende a € 6.946,16, quantitativo este a que acrescem os juros, incluindo já a cláusula penal referida, que sobre ela se vencerem à referida taxa de 22,03% ao ano, desde a data do vencimento referida, ou seja, desde 20/11/2001, até integral e efectivo pagamento; estes juros vencidos até 13 de Setembro de 2002 ascendem já a € 1.245,15; sobre os juros referidos incide imposto de selo, à taxa de 4% ao ano, imposto de selo este da responsabilidade do Réu Mário, que ascende já a € 34,88; o Réu Mário deve à Autora a importância de € 6.946,16 bem como a quantia de € 1.245,15 de juros vencidos até 13 de Setembro de 2002, mais a dita importância de € 49,81 de imposto de selo sobre estes juros e mais os juros que, à referida taxa de 22,03%, se vencerem sobre o montante de € 6.946,16 desde 14 de Setembro de 2002 até integral e efectivo pagamento e o dito imposto de selo sobre os juros vincendos; o empréstimo referido reverteu em proveito comum do casal dos Réus, atento até o veículo referido se destinar ao património comum do casal dos Réus, pelo que a Ré Helena é solidariamente responsável com o Réu Mário, seu marido, pelo pagamento das importâncias referidas; o Réu Ricardo, que assumiu por termo de fiança, datado de 10 de Fevereiro de 2000, perante a Autora, a responsabilidade de fiador solidário, ou seja, fiador e principal pagador, por todas e quaisquer obrigações assumidas no contrato pelo Réu Mário para com a Autora, é também solidariamente responsável com o Réu Mário pelo pagamento à Autora dos montantes referidos.

Conclui pedindo que os Réus sejam solidariamente condenados a pagarem-lhe a importância de € 6.946,16 bem como a quantia de € 1.245,15 de juros vencidos até 13 de Setembro de 2002, mais a importância de € 49,81 de imposto de selo sobre estes juros e mais os juros que, à taxa de 22,03%, se vencerem sobre o dito montante de € 6.946,16 desde 14 de Setembro de 2002 até integral pagamento, bem como o imposto de selo que, à taxa de 4%, sobre estes juros recair.

Citados, na sua pessoa e por forma regular, os Réus Mário [...] e Helena [...] não contestaram.

Citado, na sua pessoa e por forma regular, o Réu Ricardo [...] contestou, excepcionando a excepção peremptória da nulidade/anulabilidade da fiança ( quer por indeterminabilidade do crédito a que se refere, quer por erro na declaração, na transmissão da declaração ou sobre o objecto do negócio, quer por usura, quer ambiguidade/obscuridade do termo de fiança) e a excepção peremptória da nulidade do contrato de crédito ( por falta de comunicação das respectivas cláusulas gerais ), e impugnando, concluindo pela sua absolvição do pedido.

Fundamentou a sua defesa, em síntese, nos seguintes factos : O Réu Ricardo [...] desconhecia em absoluto, até à sua citação, os termos do designado contrato de mútuo e o aditamento, que nunca lhe foram mostrados, exibidos, explicados ou referidos, nomeadamente pela Autora; o Réu Ricardo assinou o designado " Termo de fiança ", elaborado pela Autora e que lhe foi apresentada pelo Réu Mário, mas desacompanhado de quaisquer outros documentos, nomeadamente de qualquer " contrato de mútuo "; o Réu Ricardo assinou-o, apenas e só no pressuposto de que lhe seria dado a conhecer, mais tarde, para sua aceitação e concordância, o " contrato de mútuo com fiança ", que aí é referido, estando convencido que a fiança só o vincularia depois de conhecer, aceitar e assinar o tal " contrato de mútuo "; nunca o Réu Ricardo, quis prestar fiança alguma sem conhecer os termos da obrigação que ia afiançar, nomeadamente o mais importante desta, ou seja, a sua quantia em divida; nunca o Réu Mário, ou outra qualquer pessoa, disse ao Réu Ricardo qual o montante do empréstimo que iria ser feito, nem os termos do empréstimo; do " termo de fiança ", que o Réu Ricardo assinou, consta tão só que à fiança é arbitrado o valor de 100.000$00; o Réu Ricardo interpretou essa expressão no sentido de que a sua garantia não ultrapassava esse montante, e confiou nessa interpretação; o Réu possui formação escolar que não vai além do ensino secundário; qualquer pessoa de formação escolar mediana interpreta aquela expressão do termo de fiança no sentido de que a sua obrigação tem o valor, o limite, de 100.000$00; o Réu Ricardo confiou, como qualquer declaratário normal, que o valor de 100 contos constante do " termo de fiança " era o valor real da sua fiança, do valor por que se obrigaria, pois nunca admitiu, não podendo legitimamente exigir-se-lhe outro comportamento, que a indicação desse valor fosse apenas um expediente para efeitos de tributação em matéria de imposto de selo; nunca a Autora, o Réu Mário, ou qualquer outra pessoa informou ou esclareceu o Réu Ricardo que afinal o termo da fiança tinha um valor superior a 100 contos, de 1.600 contos; nunca o Réu Ricardo cuidou ou admitiu que a obrigação do Réu Mário seria de 1.600.000$00, com juros a taxas tão elevadas, nem ninguém, nomeadamente o credor, disso o informou porque, se o soubesse, jamais prestaria qualquer fiança; do "Termo de fiança" não resulta com mediana clareza se o "contrato de mútuo com fiança" já existe, se já foi negociado, se o seu montante já foi determinado; porque se refere a créditos indetermináveis, a fiança assim prestada pelo Réu Ricardo é nula; admitir-se que a determinação está concretizada no facto de a fiança referir o "contrato de mútuo", é cair-se num formalismo interpretativo insustentável, incompatível com a justiça do caso concreto, pois é bem de ver que nada se concretiza com a mera referência a um contrato (ou a letras, ou a livranças, ou a umas e outras), que também não está individualizado, sobretudo no que a fiança tem de mais sério que é o montante da dívida; há um evidente erro do Réu Ricardo quanto ao objecto do negócio, porque acreditou que a fiança não ultrapassava 100.000$00, erro este causado pelo próprio texto do "Termo de fiança", elaborado pela Autora, pelo que este erro quanto ao objecto do negócio implica a anulabilidade da declaração de fiança; a Autora é uma sociedade bancária de grande capacidade financeira, com um capital social de pelo menos 40.000.000 euros, que celebra e gere anualmente milhares de contratos de crédito ao consumo, gozando de uma larga e merecida reputação de ser a principal instituição financeira especialmente vocacionada para este ramo de actividade; o Réu Ricardo é um pequeno comerciante do ramo de restauração, sem qualquer experiência de contratos de fiança, pelo que é flagrantemente desproporcionada a dimensão económica de um e outro; ao elaborar um "termo de fiança" com a indicação de um valor de 100.000$00 para que um fiador, ingénuo e sem preparação como o Réu Ricardo, o assine, acoplando-o depois a um mútuo de 1.600.000$00, a Autora está a tirar partido do seu óbvio estado de inexperiência e ligeireza; é excessivo e injustificado o benefício que a Autora retira, reforçando as garantias do seu crédito à custa da inexperiência e ligeireza do Réu; a fiança é anulável por usura; o termo de fiança contém uma declaração negocial assinada pelo Réu Ricardo, mas elaborada pela Autora, cuja redacção é obscura, ambígua e demasiado técnica, pelo que é nula; o contrato de mútuo é um contrato de financiamento ao crédito, integrado por cláusulas contratuais gerais, que não foram negociadas pelo mutuário ou pelo fiador, nem foram comunicadas a este; logo terão tais cláusulas de se haver por excluídas, não vinculando o Réu Ricardo; nunca a Autora...

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