Acórdão nº 07B2770 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Setembro de 2007

Magistrado ResponsávelSALVADOR DA COSTA
Data da Resolução27 de Setembro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I AA Leasing-Sociedade de Locação Financeira SA, a que sucedeu BB Leasing - Sociedade de Locação Financeira SA, intentou, no dia 14 de Setembro de 1995, contra CC-Comércio de Automóveis SA, Companhia de Seguros DD SA e Companhia de Seguros EE SA, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo a sua condenação solidária no pagamento de 2 547 686$, juros vencidos no montante de 225 732$ e vincendos à taxa de desconto do Banco de Portugal, e ainda de CC SA a entregar-lhe o veículo automóvel com a matrícula nº ...-...-..., com fundamento em contrato de locação financeira celebrado com a última, no seu incumprimento por esta por omissão de pagamento de rendas, na sua resolução, no contrato de seguro-caução celebrado entre CC SA e DD SA e na associação a este contrato da ré Companhia de Seguros EE SA.

As rés Companhias de Seguros DD SA e EE SA, em contestação, invocaram a nulidade do contrato de locação financeira e afirmaram que o contrato de seguro-caução só cobre as rendas relativas ao contrato de aluguer de longa duração do veículo.

A ré CC SA, em contestação, afirmou que o contrato de seguro caução cobre as rendas relativas ao contrato de locação financeira, ter a autora convencionado com ela a não resolução deste último contrato, incorrido em abuso do direito e ser a cláusula 11ª daquele contrato nula por ser desproporcionada em relação aos danos a ressarcir.

A autora, na réplica, afirmou o sem fundamento das contestações, e, na fase da condensação, foi proferida sentença no dia 17 de Julho de 1998, que absolveu as seguradoras e condenou CC SA no pedido, da qual apelaram as condenadas, e a Relação, por acórdão proferido no dia 28 de Outubro de 1999, anulou aquela sentença e ordenou a elaboração da especificação e do questionário.

Realizado o julgamento, foi proferida nova sentença no dia 12 de Outubro de 2005, por via da qual as rés Companhias de Seguros DD SA e EE SA foram absolvidas do pedido e a ré CC SA condenada no mesmo.

Apelaram BB Leasing SA e CC SA, e a Relação, por acórdão proferido no dia de Maio de 2006, não conheceu do recurso interposto pela última, revogou parcialmente a sentença e condenou solidariamente as Companhias de Seguros DD SA e EE SA no pagamento à primeira de € 12 707,80 acrescida de juros à taxa de desconto do Banco de Portugal.

Interpuseram as Companhias de Seguros DD SA e EE SA e a Massa Falida de CC SA recursos de revista.

As primeiras recorrentes formularam as seguintes conclusões de alegação: - o acórdão é nulo por não ter conhecido da questão relativa ao pagamento das rendas vincendas; - a decisão do processo não foi acompanhada da necessária análise crítica dos meios de prova oferecidos pelas partes, em flagrante violação do artigo 659º do Código de Processo Civil; - o acórdão contraria a apólice onde se expressa cobrir o seguro o pagamento de doze rendas trimestrais referentes ao aluguer de longa duração do veículo Opel ...-...-..., violando a alínea b) do n.º 1 do artigo 8º do Decreto-lei n.º 183/88, de 24 de Maio; - as condições gerais da apólice dos artigos 1º e 2º são definições genéricas que carecem de concretização nas condições particulares, o que aconteceu da forma descrita; - a eventual contradição entre o objecto da garantia definido nas condições particulares e as definições genéricas e abstractas das condições gerais da apólice seria resolvida pela prevalência das primeiras à luz do afloramento do artigo 405º do Código Civil; - as condições gerais da apólice são cláusulas contratuais gerais ou de adesão pelo que, nos termos do artigo 7º do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, as cláusulas negociadas prevalecem sobre elas; - um declaratário de normal diligência e medianamente instruído não interpretaria a declaração constante das condições particulares da apólice como garantia de pagamento das rendas referentes à locação financeira do veículo; - os factos relativos ao processo de formação da vontade das partes que precedeu e permitiu a emissão da apólice de seguro revelam que elas pretenderam que fosse prestada garantia ao pagamento das rendas referentes ao aluguer de longa duração; - tal vontade comum das partes, na medida em que encontra correspondência no texto da apólice, deve prevalecer na sua interpretação, sob pena de se concluir pena nulidade do contrato em sede interpretativa; - o pedido cumulativo formulado pela recorrida não tem cobertura contratual, sendo ainda afastado pelo regime legal aplicável dos artigos 432º e 798º e seguintes do Código Civil; - o acórdão violou os artigos 8º do Decreto-lei nº 183/88, de 24 de Maio, 236º, 238º, 405º, 798º e 801º do Código Civil, 7º do Decreto-lei nº 446/85, de 25 de Outubro, e 659º do Código de Processo Civil.

- deve ser revogado e as recorrentes absolvidas do pedido ou, subsidiariamente, reduzida a sua condenação ao pagamento da renda vencida e não paga.

A Massa Falida de CC SA formulou, por seu turno, em síntese útil, as seguintes conclusões de alegação: - a carta de folhas 25 revela que DD se comprometeu a pagar as doze rendas trimestrais do contrato de locação financeira por via de garantia autónoma, automática, à primeira interpelação; - se as seguradoras pagassem o estipulado na apólice, não tinha que restituir o veículo nem pagar indemnização e juros, o veículo era restituído à recorrente e esta entregava-o ao locatário de longa duração, sob pena de enriquecimento sem causa; - o contrato de seguro-caução é formal, não é fiança, é garantia autónoma e automática, sendo exigível independentemente das vicissitudes da relação principal; - ele cobre as doze rendas trimestrais do contrato de locação financeira, o capital seguro corresponde-lhe exactamente, deve ser afastada a condenação solidária; - dos artigos 1º e 2º e 11º nºs 4 e 5 das condições gerais da apólice resulta que DD SA devia pagar as rendas vencidas e não pagas no prazo de 45 dias, à primeira interpelação; - a garantia dos contratos de aluguer de longa duração resultou de outro tipo de apólices, em que o tomador é o locatário e beneficiária a recorrente, e se a que está em causa visasse um deles tinha sido inserido o nome do locatário FF, e não o foi; - a recorrida devia executar o contrato de seguro-caução e se as seguradoras não cumprissem, accioná-las judicialmente; - a conduta da recorrente foi no sentido de fazer confiar a recorrente na possibilidade de celebrar um contrato de aluguer de longa duração com terceiro alheio ao contrato de locação financeira; - a confiança transmitida impede a condenação na restituição do veículo na sequência da resolução do contrato de locação financeira; - estava em vigor o protocolo de 1 de Novembro de 1992, mas ele não pode sobrepor-se ao contrato de seguro-caução, - foram violados os artigos 220º, 221º, nº 1, 334º, 398º, 405º, 406º e 805º do Código Civil, 426º e 427º do Código Comercial, 668º, nº 1, alíneas b), c), d) e e), do Código de Processo Civil e o Decreto-Lei nº 183/88, de 24 de Maio, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 127/91, de 22 de Março; - deve ser revogado o acórdão recorrido, absolver-se a recorrente do pedido, condenando-se apenas as seguradoras, ainda que seja necessária a remessa do processo à primeira instância para novo julgamento.

Respondeu a recorrida ao recurso interposto pelas seguradoras, em síntese de alegação: - a função do seguro caução é indemnizar quem na apólice figure como beneficiário; - na interpretação da apólice não foi dada prevalência às condições gerais sobre as particulares, porque estas só foram interpretadas segundo as definições de sujeito e objecto constantes das primeiras; - os elementos das condições particulares, quanto ao tomador e beneficiário, às rendas, à periodicidade destas e ao prazo do seguro não têm correspondência com o contrato de aluguer de longa duração; - os protocolos não vinculam a recorrida e não podem alterar o convencionado no contrato de seguro; - as seguradoras são responsáveis pelas rendas relativas ao contrato de locação financeira; - face à cláusula 11ª das condições gerais da apólice, a seguradora tem obrigação de indemnizar, no cumprimento de uma obrigação própria; - a obrigação do segurador é autónoma em relação à obrigação segura, e a indemnização corresponde às rendas vencidas e vincendas a aferir pelos limites do capital seguro; - configurando o contrato de seguro-caução uma prestação de carácter indemnizatório, a indemnização a pagar pelas seguradoras corresponde ao capital seguro, nos termos do nº 3 da cláusula 11ª; - a recorrida não pediu o cumprimento do contrato, resolveu-o, pelo que tem direito à indemnização decorrente dos prejuízos que o fim antecipado do contrato lhe causou, conforme o artigo 801º do Código Civil, nos mesmos termos de CC.

A Relação, por acórdão proferido no dia 12 de Junho de 2007, julgou improcedente a arguição de nulidade do acórdão invocada por CC SA e supriu a nulidade derivada do não conhecimento da questão relativa ao pagamento das rendas vincendas no sentido de o contrato de seguro-caução o abranger.

II É a seguinte a factualidade declarada provada no acórdão recorrido: 1. CC SA tinha por objecto a representação, comércio e aluguer de veículos automóveis, e AA Leasing-Sociedade de Locação Financeira SA exercia a actividade de locação financeira de bens móveis.

  1. CC SA dedicava-se à venda de veículos com recurso ao aluguer de longa duração, celebrando com os seus clientes dois contratos, um de aluguer de longa duração e outro de promessa de compra e venda, ambos tendo por objecto o veículo locado pela autora.

  2. No dia 7 de Abril de 1992, CC-Comércio de Automóveis SA e a Companhia de Seguros DD SA declararam, por escrito, em documento denominado "Protocolo", o seguinte: - o presente protocolo tem por finalidade definir as relações entre as empresas, no tocante à emissão de seguros de caução destinados a garantir o pagamento a CC SA dos veículos por esta vendidos em aluguer de longa duração; - CC SA...

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