Acórdão nº 07B2224 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Setembro de 2007

Magistrado ResponsávelJOÃO BERNARDO
Data da Resolução20 de Setembro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I - Na comarca de Lisboa, com distribuição à 7.ª Vara Cível, AA e BB intentaram esta acção ordinária contra: CC e DD.

Alegaram, em síntese, que: São donos e senhorios do prédio abaixo identificado, no qual habitam.

Os réus são arrendatários do rés-do-chão do mesmo.

Habitam em tal prédio outras pessoas.

Nas circunstâncias abaixo referidas, os Réus passaram a impedir, sem justificação, a entrada e passagem de pessoas num pátio do mesmo prédio, praticando os actos e causando-lhes os prejuízos que descrevem.

Pediram, em conformidade: a) O reconhecimento do direito de propriedade deles, AA. relativamente ao prédio urbano sito na Travessa ...., n.ºs 2 e 4 e Rua de ...., n.º 6-A, inclusive no que concerne ao pátio existente no mesmo a que atribuem a natureza de parte comum do prédio; b) A condenação dos RR. a retirarem a tranca e cadeado colocados no portão do n° 4 do identificado prédio, que dá acesso ao pátio do mesmo, de forma a que todos os habitantes do prédio voltassem a aceder e a sair livremente do referido pátio, por via do mencionado portão; c) a condenação dos RR. a retirarem do identificado pátio o respectivo cão; d) a condenação dos RR. a isolarem as duas divisórias do telheiro, de modo a que deixasse de ser possível que o cão destes pudesse transitar livremente entre o quintal do rés-do-chão e o pátio do prédio, assim assegurando que o cão não voltasse a ter acesso ao referido pátio e bem assim a reconstituírem todo o telheiro e respectiva estrutura, tal como existia anteriormente às obras e demolições promovidas por aqueles, repondo tudo o mais que dali retiraram e) a condenação dos RR. a restituírem-lhes o identificado pátio e ainda a absterem-se da prática de qualquer acto que impeça, diminua ou restrinja o acesso e a utilização pelos AA., demais proprietários e residentes do identificado prédio ao identificado pátio; f) e finalmente, a condenação dos RR. a indemnizá-los de todos os prejuízos a que eles, RR., deram causa por força dos factos alegados nos artigos 53° e 86° a 94° da petição inicial, quantificados em € 26.524, acrescidos dos respectivos juros legais, devidos desde a citação, até efectivo e integral pagamento.

Contestaram estes, tendo, na parte que agora importa, impugnado os factos carreados pelos autores.

Na réplica, os autores ampliaram o pedido de restituição nele incluindo um telheiro que existe no local.

Os réus treplicaram desenvolvendo a argumentação que tinham trazido na contestação.

II - Na audiência de julgamento, depôs um Sr. Advogado, arrolado pelos réus.

Posteriormente ao encerramento da mesma audiência, vieram os autores requerer a junção aos autos de um documento, visando a demonstração de que a testemunha estava violar o segredo profissional.

Ouvidos os réus, foi tal requerimento indeferido, por não ter sido deduzida, oportunamente, qualquer contradita e, subsidiariamente, porque o documento não comprovava que o mesmo Sr. Advogado tenha quebrado o segredo profissional.

Desta decisão interpuseram os autores agravo.

III - Foi, então, proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo os réus dos pedidos.

Apelaram eles.

IV - O Tribunal da Relação de Lisboa: Negou provimento ao agravo; Julgou a apelação improcedente.

V - Quanto ao agravo, depois de tecer considerações sobre a reduzidíssima importância do depoimento questionado para a decisão da causa, entendeu que, não tendo sido deduzida contradita, não podia a questão ser levantada posteriormente, falecendo, por aí, a razão de ser da junção do documento.

Quanto à apelação, confirmaram o entendimento, que já vinha da primeira instância, de que, abrangendo o arrendamento o quintal, o telheiro/arrecadação e o corredor de acesso, não tinham razão de ser as pretensões dos autores.

VI - Interpuseram recurso estes, que foi recebido como revista.

No qual atacam a decisão da Relação, quer quanto ao mérito da causa, quer no que concerne à parte que conheceu do agravo.

VII - Nos termos do n.º1 do artigo 722.º do Código de Processo Civil, a invocação da violação da lei de processo, só pode integrar tal recurso se, encarada autonomamente como agravo, este fosse admissível, nos termos do artigo 754.º, n.º2.

Caímos, assim, no requisito da oposição de acórdãos.

Os recorrentes invocam os Acórdãos deste Tribunal de 15.4.2004, da Relação de Lisboa de 9.11.2000 e da Relação do Porto de 1.2.2005 (todos podendo ver-se em www.dgsi.pt).

Nestes se decidiu, efectivamente, que o dever de sigilo profissional e a sua consequente violação são de conhecimento oficioso, enquanto na decisão recorrida se entendeu afastar o seu conhecimento - e inerente junção do documento que se pretendia juntar - por a parte não ter deduzido contradita.

Verifica-se, portanto, tal requisito.

VIII - Há, pois, que conhecer da matéria correspondente ao agravo conhecido pela Relação e, salvo prejudicialidade, também do mérito da causa.

IX - Não havendo obstáculos de conhecimento, atentemos, pois, nas conclusões das alegações, a saber: 1 ª A obrigação de segredo profissional dos advogados decorre do respectivo Estatuto, estando os advogados obrigados a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhes advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços (artigo 87°, nº 1 do Estatuto da Ordem dos Advogados - EOA).

2ª A obrigação do segredo profissional existe quer o serviço solicitado ou cometido ao advogado envolva ou não representação judicial ou extrajudicial, quer deva ou não ser remunerado, quer o advogado haja ou não chegado a aceitar e a desempenhar a representação ou serviço, o mesmo acontecendo para todos os advogados que, directa ou indirectamente, tenham qualquer intervenção no serviço (n.2 do citado art. 87°).

3ª As normas que dispõem sobre o segredo profissional de advogado são unanimemente reconhecidas como sendo de interesse e ordem pública e mesmo em face da recusa manifestada pela testemunha em causa - como sucedeu no caso em apreço - no âmbito dos poderes deveres jurisdicionais, devia ter sido impedida oficiosamente a violação das mesmas (d. Acórdão STJ, de 15.05.2003 in www.dgsi.pt.).

4ª As excepções a tal regra dependem de prévio reconhecimento e autorização do Presidente do Conselho Distrital respectivo da O.A., situação que no caso dos autos não se verificou.

5ª No douto acórdão recorrido não resultaram apreciadas as questões fulcrais visadas no recurso de agravo, sendo este omisso quanto à questão da admissibilidade dos documentos em causa, nem se pronunciando sobre a consequente existência ou inexistência da invocada violação de segredo profissional nem, por último, se pronunciando sobre a admissibilidade do depoimento da testemunha em causa.

6ª Finalmente e salvo o devido respeito, no entendimento dos Recorrentes a questão da admissão do documento em questão não teria que ser enquadrada ou apreciada no âmbito do incidente de contradita, uma vez que este destina-se a abalar a credibilidade da testemunha (d. art. 640° do CPC), o que não se aplica ao caso vertente.

8ª O que em concreto estava em causa era determinar se a testemunha era ou não inábil, por força da já referida qualidade de Advogado e se deveria ou não ter sido admitida a depor.

9° Para tal, revelava-se essencial a admissão do Doc. de fls. 420 - ainda que apresentado posteriormente ao depoimento prestado - uma vez que do mesmo resultava inequivocamente evidenciado que a testemunha em causa tomou conhecimento dos factos relatados no exercício da referida profissão de Advogado, 10ª Os actos praticados pelos advogados com violação de segredo profissional não podem fazer prova em juízo (artigo 87°, nº 5 do EOA) e a respectiva quebra acarreta nulidade, determinando até o inerente conhecimento oficioso.

11ª O douto acórdão recorrido violou, portanto e designadamente, o art. 618° do C..P.C.. e o art. 87° do Estatuto das Ordem dos Advogados, 12ª E foi proferido designadamente em oposição, entre muitos, aos seguintes: - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 9.11.2000, in Proc. 34932; - Acórdão da Relação do Porto de 01.02.2005, in Proc. N.º 425585; - Acórdão de 15.04.2004 do Supremo Tribunal de Justiça, in Proc. N.º 04B795, - Acórdão do STJ de 19.12.2006, in Proc. 06B4460, todos proferidos sobre a mesma questão e no âmbito da mesma legislação e também todos acessíveis in www.dgsi.pt.

13ª Deve, portanto, ser revogado o douto acórdão recorrido, determinando-se que não podem fazer prova em juízo as declarações feitas pelo Sr. Advogado, Dr. PF, e determinado ainda a anulação das respostas aos...

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