Acórdão nº 5051/07-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 05 de Julho de 2007

Magistrado ResponsávelRIBEIRO CARDOSO
Data da Resolução05 de Julho de 2007
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)
  1. Na fase de inquérito do processo n.º 1635/04.8PHLRS, que corre seus trâmites pela 2.ª secção de Serviços do Ministério Público de Loures, a senhora juíza de instrução, a requerimento do Ministério Público para que solicitasse aos Bancos BPI, BCP e CGD a identificação dos titulares das contas bancárias identificados a fls.59 daqueles autos, proferiu, no dia 3 de Maio de 2006, o despacho que se transcreve (cf. fls. 26 a 29): «Investigam-se nos presentes autos factos que consubstanciam a prática de crime de roubo previsto e punido pelo artigo 210.° do Código Penal.

    Foram solicitadas informações aos Bancos BPI, Millenium BCP e Caixa Geral de Depósitos, tendo a(s) entidade(s) bancária(s) recusado o solicitado, alegando estar vinculada(s) ao sigilo bancário.

    A fim de prosseguir as investigações nos presentes autos são relevantes as informações solicitadas.

    Cumpre apreciar.

    Dispõe o artigo 78.º, n.º1, do Decreto-Lei n.º 298/92, de 31/12 que "os membros dos órgãos de administração ou de fiscalização das instituições de crédito, os seus empregados, mandatários (...) não podem revelar ou utilizar informações sobre factos ou "elementos respeitantes à vida da instituição ou às relações desta com os seus clientes (…) Especifica o seu n.º 2 que "estão, designadamente, sujeitos a segredo os nomes dos clientes, as contas de depósito e seus movimentos e outras operações bancárias".

    Todavia, nos termos do artigo 79.°do mesmo diploma, como excepção a essa regra, o dever de segredo cessa nos termos previstos na lei penal e de processo penal.

    Nos termos do artigo 195.° do Código Penal, "quem, sem consentimento, revelar segredo alheio de que tenha conhecimento em razão do seu estado, ofício, emprego, profissão ou arte, é punido com pena de prisão até l ano ou com pena de multa até 240 dias".

    Muito embora este normativo só refira o consentimento como facto negativo ou de exclusão da ilicitude do tipo, não deverá ser esquecido o normativo geral do artigo 31.º, nºs 1 e 2, al. c) ou do artigo 36.º, n.º1, ambos do Código Penal.

    Do primeiro resulta que o facto não é punível se for praticado no cumprimento de um dever imposto por lei ou por ordem legítima de autoridade.

    O segundo, por sua vez, exclui a ilicitude do acto quando, em situação de conflito de deveres, se satisfizer dever ou ordem de valor igual ou superior ao dever ou ordem que sacrificar.

    Ora, o segredo bancário não constitui um direito absoluto, mas antes um direito que deve ceder perante as exigências de uma correcta e eficaz administração da justiça, cuja responsabilidade incumbe aos tribunais, enquanto órgãos de soberania.

    No conflito entre o respeito pelo segredo bancário e o acatamento das ordens das autoridades judiciárias competentes, tendo em vista a apreciação dos crimes em investigação, bem como das, medidas de garantia patrimonial, deve prevalecer este último, de valor superior.

    Esta ponderação, que exclui a ilicitude da conduta prevista no artigo 195.º do Código Penal, assenta no facto de o interesse da realização da justiça criminal, onde prepondera o interesse público (em especial nos crimes com natureza pública ou semi-pública), dever ser considerado na hierarquia dos valores superior ao do interesse particular do cliente bancário visado ou de algum interesse público conexo com a preservação do segredo bancário - neste sentido, Acórdãos da Relação de Lisboa, de 04-12-96 e 28-01-97 respectivamente, in CJ, Anos XXI, T5/152 e XXII, Tl/154.

    Segundo o Acórdão da Relação de Lisboa de 21-10-1997, CJ, ano XXII, T4/118, a proibição de divulgação de elementos bancários, enquanto objecto do dever de segredo bancário, só pode ir "até onde é útil e necessário e cessa quando a sua manutenção só pode representar a impunidade de criminosos ou o favorecimento de devedores inadimplentes".

    Refere-se ainda no Acórdão da Relação de Lisboa de 14-01-03, www.dgsi.pt/jtrl "Conflituando o interesse que protege a confiança no banco no domínio da sua vida a proibição económica privada e o do estado na boa administração da justiça, é este que prevalece quando para fins criminais há que colher elementos necessários à identificação de pessoa titular de cartão multibanco, encontrado na posse do arguido".

    Os elementos a solicitar são necessários à prossecução da justiça, tendo em vista o apuramento e demonstração dos factos indiciados atinentes à prática de crimes.

    À matéria do segredo profissional refere-se o artigo 135.º do Código de Processo Penal, que preceitua no seu n.º1 parte final, que se o tribunal concluir pela ilegitimidade da escusa, ordena a prestação das informações; se pelo contrário concluir pela legitimidade da escusa, deve suscitar perante o tribunal superior a prestação de colaboração com quebra do segredo bancário (o que será ordenado sempre que tal quebra se mostre justificada perante o princípio da prevalência do interesse preponderante).

    Entendemos que cumpre ao tribunal de primeira instância ordenar a prestação das informações pelo recusante se entender que a escusa é ilegítima, só lhe sendo possível remeter para o tribunal superior a decisão de quebra do segredo bancário se entender que a recusa é fundada (só há quebra do segredo quando este se puder legitimamente afirmar).

    Acresce que não haverá que suscitar o incidente de quebra do segredo bancário perante o Tribunal da Relação de Lisboa. É este o entendimento legal e jurisprudencial. É que, como salienta o Tribunal da Relação de Lisboa no Acórdão supra citado, de 04-12- 96, "(...) não se acha qualquer...

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