Acórdão nº 7358/2006-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 14 de Junho de 2007

Magistrado ResponsávelJORGE LEAL
Data da Resolução14 de Junho de 2007
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa RELATÓRIO I S C S, L C C S, L M S e M I C S intentaram no Tribunal Judicial de S. Roque do Pico a presente acção declarativa, na forma ordinária, contra A L S.

Alegaram, em síntese, que a autora Irene foi casada com M, casamento que, nos Estados Unidos da América, veio a ser dissolvido por divórcio. Nessa data, o casal vivia naquele país e tinham um procurador na ilha do Pico que era conhecedor de toda a situação, bem como que o M, entretanto, tinha casado com a ré, nos Estados Unidos da América. Pressionado pelo M, o procurador deste e da autora Irene outorgou, em representação deles, uma escritura de compra e venda a favor da ré, de um prédio urbano e 4/10 de um prédio rústico identificados nos autos, na qual se declara ter o preço respectivo sido já pago. Alegam ainda os autores que, por acordo entre estes intervenientes na escritura pública, os prédios deveriam ser posteriormente vendidos pela ré de novo ao M, assim prejudicando a autora, pelo que tal escritura foi simulada, bem como o pagamento do preço.

Concluem os autores pedindo que se declare a nulidade da escritura celebrada relativa aos prédios identificados nos autos, com o consequente cancelamento dos registos efectuados.

A Ré contestou, alegando que a realização da escritura que se invoca como simulada foi feita de acordo com a vontade da autora, à semelhança de outra escritura celebrada nos mesmos termos. Impugnou também os factos alegados pelos autores e concluiu pela improcedência da acção.

Foi proferido despacho saneador e organizadas a especificação e a base instrutória, que se fixaram sem reclamações.

Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, após o que foi dada resposta à matéria de facto constante da base instrutória, sem reclamações.

Oportunamente foi proferida sentença que julgou a acção procedente e consequentemente declarou a nulidade, por simulação, da referida compra e venda e ordenou o cancelamento dos registos efectuados em consequência da escritura; mais condenou a Ré na multa de dez UC, por litigância de má fé.

A Ré apelou da sentença, tendo apresentado alegações em que formulou as seguintes conclusões: 1. O artigo 653°, n° 2, do Código de Processo Civil, impõe ao juiz que, por um lado, fundamente as respostas aos quesitos, inclusivamente as negativas, e, por outro lado, que proceda a uma análise crítica das provas, devendo, assim, explicitar, perante a produção de determinado meio de prova, designadamente um depoimento testemunhal que aponta em determinado sentido, porque razão não o considerou para fundamentar uma resposta positiva a um determinado quesito, ou, no caso de depoimento de testemunha, porque não acreditou nela (Prof. Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, 2° volume, Coimbra, 2001, pág. 627); 2. Na fundamentação da resposta negativa ao quesito 9° da base instrutória verifica-se que o Senhor Juiz a quo ignorou, por completo, o teor do depoimento da testemunha M inquirida por carta rogatória expedida para as Justiças dos Estados Unidos da América do Norte, devidamente traduzida de folhas 223 a folhas 226 dos autos; 3. Por isso, o julgador de 1ª instância não fez o exame crítico desta prova testemunhal, não dizendo, como lhe competia, porque razões não tomou em consideração este depoimento na resposta ao quesito 9° da base instrutória ou porque motivo não acreditou nesta testemunha, não se ficando sequer a saber, pela leitura do despacho de fixação da matéria de facto, em especial da sua fundamentação, se o Senhor Juiz a quo apreciou esta prova testemunhal, ficando sempre a incerteza quanto à resposta que ele daria àquele quesito se, com toda a certeza, tivesse apreciado este meio de prova; 4. O Senhor Juiz a quo, por ser evidente a deficiência e a insuficiência na análise crítica dos meios de prova, designadamente do depoimento da testemunha M, recolhido por Rogatória, e por ser, por conseguinte, deficiente a fundamentação à resposta ao quesito 9° da base instrutória, violou o disposto no artigo 653°, n° 2, do Código de Processo Civil; 5. Por se tratar de facto essencial para o julgamento da causa, deve, na sequência do provimento deste recurso, ordenar-se, nos termos do artigo 712°, n° 5, do Código de Processo Civil, a baixa dos autos ao Tribunal a quo para os efeitos consignados em tal norma; 6. São partes na(s) compra(s) e venda(s) impugnada(s) não só a apelante, que nela(s) figura como compradora, mas, também o M e, consequentemente, os filhos dele, AA. nos presentes autos, por serem seus herdeiros e não estarmos perante a hipótese do artigo 242°, n° 2, do Código Civil; por outro lado, a apelada IRENE, representada na compra e venda, é parte, não é terceiro; 7. O negócio a que os autos se reportam não se encontra viciado por simulação; 8. Desde logo, porque, apesar de se ter dado por provado que, "com a celebração da escritura referida em 6, M, H e a ré sabiam que a I ficaria excluída da titularidade de bens que lhe pertenciam por partilha em virtude do divórcio referido em 3." (n° 20 da fundamentação de facto da sentença), não sendo a IRENE terceiro, não se verificaria, aqui, a intenção de enganar terceiros, nem, consequentemente, simulação ex vi do artigo 240° do Código Civil; Por outro lado, 9. Não se percebe, em face da matéria de facto constante dos autos, como se pode dizer que há divergência entre a vontade declarada e a vontade real quando o resultado do negócio era, afinal de contas, a execução de dois actos a cujo cumprimento ambos os vendedores - e, designadamente, a apelante IRENE - estavam vinculados: a sentença do Tribunal Superior do Estado da Califórnia, Concelho de Santa Clara, bem como o "acordo decisivo de propriedade", de 6.12.1989. Pelo menos não se percebe, em face destes actos, que a ora apelante tivesse declarado uma coisa e querido outra; 10. Acresce que não se pode dar como provado que foi acordado que a ré transmitiria o direito de propriedade sobre os bens constantes da escritura pública, quando tal matéria (agora no ponto 19. da fundamentação de facto da sentença), resulta do excesso de resposta ao quesito 6° da base instrutória, e constitui matéria de facto não alegada, com violação do disposto nos artigos 666° e 264° do Código de Processo Civil; 11. Não se verificando nenhum dos respectivos pressupostos - divergência bilateral entre a(s) declaração(ões) e a(s) vontade(s) reais, pactum simulationis e animus dicipiendi -, não ocorre simulação, razão pela qual, ao considerá-la existente, o Senhor Juiz a quo violou o artigo 240° do Código Civil; 12. Acresce que as partes do contrato simulado não podem prová-lo por testemunhas ou por presunções naturais, por a tal se oporem os artigos 351° e 394°, n° 2, do Código Civil; 13. Por isso, não podia o Senhor Juiz de 1ª instância ter dado por provados, com recurso à prova testemunhal, os factos eventualmente configuradores de simulação e, designadamente, os referidos nos n°s 18, 19 e 20 da fundamentação de facto da sentença apelada, sem que qualquer outro meio de prova, por si só, designadamente confissão ou documento...

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