Acórdão nº 0279273 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 01 de Julho de 1992

Magistrado ResponsávelROCHA MOREIRA
Data da Resolução01 de Julho de 1992
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam, em conferência, na Relação de Lisboa: O Exmo. Magistrado do Ministério Público recorre, no Processo Comum n. 9068/90, do 1 Juízo Correccional - 1 Secção - do Tribunal Criminal da Comarca de Lisboa, em que é arguida(A), do despacho de folhas 58 verso, do Mmo Juiz daquele Tribunal, que ordenou o arquivamento dos autos, nos termos do artigo 2 n. 2 do Código Penal, com fundamento em que: - A arguida é acusada da prática de crime de emissão de cheque sem provisão previsto no artigo 24 n. 1 do Decreto 13004, com a redacção dada pelo artigo 5 do Decreto-lei 400/82, - de acordo com o artigo 11 n. 1 alínea a) do Decreto-lei 454/91, de 28 de Dezembro, para a prática dos crimes por que é acusada a arguida, exigem-se os elementos constantes do artigo 24 do Decreto 13004 e mais um elemento novo, que consiste em causar prejuízo patrimonial ao tomador do cheque, elemento que não consta da acusação. - Assim, os factos descritos na acusação não constituem crime. Estamos em presença de uma situação despenalizada, em virtude da Lei Nova. Na respectiva motivação, o Digno Recorrente alega que agora é necessário que o cheque seja de valor superior a 5000 escudos e formula conclusões, dizendo, em síntese: - A emissão de cheque sem provisão causa, em princípio, prejuízos patrimoniais ao portador do título. - O prejuízo é um elemento congénito e inerente à actuação delituosa do agente tal como vem descrita na acusação. - O artigo 11 n. 1 do Decreto-lei 454/91 retira relevância criminal apenas às situações de comprovada ausência de prejuízo. - A acusação deduzida contém a descrição de todos os elementos de facto integradores do crime de emissão de cheque sem provisão, não só nos termos do artigo 24 do Decreto 13004, mas também segundo o Decreto-lei 454/91. - O despacho recorrido violou o disposto nos preceitos citados, pelo que deve ser revogado e determinado o prosseguimento dos autos. O ilustre defensor oficioso da arguida não respondeu. O Exmo. Juiz sustentou a decisão, acrescentando: - O crime de emissão de cheque sem provisão, na vigência do Decreto 13004, era um crime de perigo abstracto, conforme Assento de 1980/11/20, dado que o bem jurídico essencialmente tutelado era o interesse do público na livre e segura circulação do cheque, em fomentar a sua confiança como título de crédito. O crime não visava primacialmente a protecção do património. Com o Decreto- -lei 454/91, passou a ser crime de dano, dada a exigência de que a conduta do agente cause prejuízo patrimonial. - Este novo requesito coloca a questão da sucessão de leis, a qual deve resolver-se no sentido da despenalização das condutas anteriormente praticadas, tal como é abordada por Taipa de Carvalho, no livro Sucessão de Leis Penais e considerar o elemento "causar prejuízo patrimonial", como especializador. - Refere ainda que é sobre a acusação que pende o ónus de provar todos os elementos constitutivos do crime. Todavia, não consta da acusação aquele elemento factual. Ter o arguido de provar a inexistência e elemento constitutivo do crime representa violação do princípio ínsito no artigo 32 n. 1 da Constituição da República Portuguesa. Nesta Relação, o Exmo. Procurador Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido do provimento do recurso e de que os cheques de montante inferior a 5000 escudos serão abrangidos pelo efeito da descriminalização operada pelo Decreto-lei 454/91, como consta do despacho recorrido. Os autos contêm os vistos dos Exmos Desembargadores Adjuntos. Cumpre decidir. Da análise cuidadosa dos autos, com interesse para a resolução das questões que no recurso vêm postas, resulta: - Na queixa que deu origem ao processo, apresentada por "DATAMAC - IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO, Lda" contra a arguida, vem referido que esta lhe entregou, para pagamento de parte do preço de uma máquina registadora que a denunciante forneceu, o cheque nela mencionado; - Depois de efectuado o inquérito, o Ministério Público deduziu acusação, em que requer o julgamento, em processo comum e perante Tribunal Singular, da arguida, porquanto esta preencheu, assinou e emitiu à queixosa o cheque que aí relaciona devidamente, referindo seu número e data, do montante de 18476 escudos, que, apresentado a pagamento no prazo devido, não foi pago, por falta de provisão verificada dentro do aludido prazo de oito dias. A arguida sabia que a conta bancária não dispunha de fundos que permitissem o pagamento dessas importâncias. Agiu deliberada, livre e conscientemente. Sabia serem proíbidas por lei tais condutas. Com tais factos se constituiu autora material de oito crimes de emissão de cheque sem provisão, previsto e punido pelos artigos 23 e 24 n. 1 do Decreto 13004, na redacção dada pelo artigo 5 do Decreto-lei 400/82. - A acusação foi recebida nos seus termos. Foi designado dia para julgamento. - A audiência veio a ser adiada com base na falta da arguida. Constituem objecto do recurso as seguintes questões: 1. - A de saber se foi descriminalizada a conduta da arguida; 2. - Quais as consequências da falta de referência, na acusação, ao prejuízo patrimonial resultante da emissão do cheque. O regime penal do crime de emissão de cheque sem provisão foi substancialmente alterado pelo Decreto-lei 454/91, de 28 de Dezembro. São diversos os problemas suscitados com a introdução do novo regime penal do crime de emissão de cheque sem provisão consagrado pelo Decreto-lei 454/91. Um deles, respeitante ao direito transitório, é, desde logo, o de saber se se operou descriminalização. Em caso afirmativo, quais as situações abrangidas e quais as não abrangidas por esse efeito. Outro, o de saber como, processualmente, efectivar a distinção. Os cheques de valor não superior a 5000 escudos estão descriminalizados, considerando o disposto no n. 2 do artigo 2 do Código Penal combinado com os artigos 8 e 11 n. 1 alínea a) do Decreto-lei 454/91, cuja interpretação se deve fazer em conformidade com a referência feita, no preâmbulo desse diploma legal, "a uma despenalização de cheques sem provisão nessas condições", isto é, aos cheques cujo montante o banco sacado deve pagar, não obstante a inexistência ou insuficiência de provisão. Vamos, de seguida, ponderar as questões referentes aos cheques de valor superior a 5000 escudos emitidos antes da entrada em vigor deste diploma legal, isto é, anteriormente a 1992/03/28. Estão relacionadas com o problema da não retroactividade das leis penais. Devem ser resolvidas, tendo em atenção, além de outros preceitos legais, o disposto no artigo 2 do Código Penal, em cujos números 2 e 4 - únicos com interesse para o problema em estudo - se dispõe: " 2. O facto punível segundo a lei vigente no momento da sua prática deixa de o ser se uma nova lei o eliminar do número de infracções; neste caso e se tiver havido condenação, ainda que transitada em julgado, cessam a respectiva execução e os efeitos penais. 4. Quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, será sempre aplicado o regime que concretamente se mostre mais favorável ao agente, salvo se este já tiver sido condenado por sentença transitada em julgado." O artigo 11 do Decreto-lei 454/91, sob a epígrafe "Crime de emissão de cheque sem provisão" estabelece: " 1. Será condenado nas penas previstas para o crime de burla, observando-se o regime geral de punição deste crime, quem, causando prejuízo patrimonial: a) Emitir e entregar a outrem cheque de valor superior ao indicado no artigo 8 que não for integralmente pago por falta de provisão, verificada nos termos e prazos da Lei Uniforme Relativa aos Cheques; b) Levantar, após a entrega do cheque, os fundos necessários ao seu pagamento integral; c) Proibir à instituição sacada o pagamento de cheque emitido e entregue." É de 5000 escudos o valor indicado no artigo 8 citado na alínea a). Anteriormente, regia essa matéria o artigo 5 do Decreto- -lei 400/82 de 23 de Setembro, que preceituava: " O corpo do artigo 24 do Decreto 13004, de 12 de Janeiro de 1927, passa a ter a seguinte redacção: 1. O sacador do cheque cujo não pagamento por falta de provisão tiver sido verificado nos termos e prazo prescritos nos artigos 28, 29, 40 e 41 da Lei Uniforme Relativa aos Cheques, a pedido do respectivo portador, será punido com prisão até três anos. 2. A pena será de um a dez anos se: a) O agente se entregar habitualmente à emissão de cheques sem provisão; b) A pessoa directamente prejudicada ficar em difícil situação económica; c) O quantitativo sacado for consideravelmente elevado." Com fundamento em que o prejuízo patrimonial é agora elemento constitutivo do crime há quem entenda que houve descriminalização dos crimes de emissão de cheque de mais de 5000 escudos sem provisão praticados antes de 28 de Março de 1992 mesmo quando deles haja resultado prejuízo patrimonial para o beneficiário respectivo. Este entendimento é rejeitado por outros, para quem o prejuízo patrimonial, na definição do tipo fundamental de crime vertido no artigo 24 do Decreto 13004, estava congénito à actuação tipicamente descrita e especificado na causa de agravação da pena prevista no n. 2, alínea b), do referido preceito. Para correctamente equacionar e decidir a questão e para a adequada compreensão da solução a adoptar, convém averiguar se realmente, no anterior regime, o prejuízo patrimonial era ou não elemento típico do crime. Temos para nós que ele era tão somente cirscunstãncia agravante qualificativa, porque, mesmo nos casos em que a emissão não causasse prejuízo patrimonial, existia crime consumado. A Jurisprudência entendia uniformemente que essa infracção tinha natureza de crime de perigo e que bastava o dolo genérico. Como crime de perigo, não era preciso o prejuízo efectivo do portador, mas o do público em geral, cujo interesse a lei visava proteger. A suficiência do dolo genérico significava que era bastante a intenção do agente de praticar o facto que constitui crime, ou seja, a consciência de falta...

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