Acórdão nº 0281/11 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 06 de Julho de 2011

Magistrado ResponsávelVALENTE TORRÃO
Data da Resolução06 de Julho de 2011
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1. “A…, Ldª”, com os demais sinais nos autos, veio recorrer da decisão do Mmº Juiz do TAF de Sintra que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra a liquidação de IRC do exercício de 2008, apresentando, para o efeito, alegações nas quais conclui: Iª) - A sentença recorrida julgou improcedente a impugnação judicial deduzida pela ora Recorrente contra a autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) do exercício de 2008, por entender que a norma plasmada no artigo 5º, nº 1 da Lei nº 64/2008, de 5 de Dezembro, na medida em que determinou a produção de efeitos desde 1 de Janeiro de 2008 do disposto no artigo 1°-A da mesma lei, o qual alterou o artigo 81.° do Código do IRC (actual artigo 88º) agravando de 5% para 10% a taxa de tributação autónoma incidente sobre os encargos com viaturas ligeiras de passageiros e despesas de representação, consubstancia um caso de retroactividade mínima não sendo violadora da proibição da retroactividade da lei fiscal; IIª) - O Tribunal recorrido incorreu, assim, em erro de julgamento ao não relevar, na sua decisão, o disposto no artigo 103°, n.º 3, da CRP, o qual consagra a proibição da retroactividade da lei fiscal, apoiando a sua decisão em doutrina e jurisprudência anteriores à Revisão Constitucional de 1997, que introduziu aquele preceito no texto constitucional; IIIª) - Com efeito, o Tribunal recorrido considerou que o juízo de desconformidade constitucional da norma em apreço não se basta com a constatação da sua natureza retroactiva, sendo necessário verificar se daquela não resultaria uma violação do princípio da segurança jurídica e da tutela da confiança, juízo este que era feito anteriormente à Revisão Constitucional de 1997, sendo certo, porém, que à luz da actual redacção da CRP verificando-se que a norma controvertida contempla um caso de retroactividade não há que averiguar circunstâncias adicionais; IVª)- Ora, atento o teor literal da norma em análise, que expressamente manifesta a intenção do legislador de reportar os efeitos da redacção do nº 3 do artigo 81º do Código do IRC a uma data anterior à da sua publicação e início de vigência e portanto a factos tributários passados, não existem quaisquer dúvidas de que se trata de uma norma retroactiva, sendo manifesta a sua desconformidade como disposto no n.º 3 do artigo 103.° da CRP; Vª) - Incorreu ainda o Tribunal a quo num outro erro de julgamento, encontrando-se viciada a sentença recorrida na apreciação que faz da data da verificação dos factos tributários em apreço determinante para aferir se a norma em análise é retroactiva; VIª) - Com efeito, não podia o Tribunal recorrido ter-se limitado a invocar o disposto no artigo 8.° do Código do IRC sem atender ao momento da verificação do facto tributário e sem se dar conta que não estamos face a um imposto sobre o rendimento, mas na presença de uma figura diametralmente distinta que é a tributação autónoma, sendo que os factos sujeitos a tributação autónoma são distintos dos que se encontram sujeitos a IRC stricto sensu; VIIª) - De facto, as tributações autónomas tributam despesa e não rendimento, são impostos indirectos e não directos, que penalizam determinados encargos incorridos pela empresa e apuram-se de forma totalmente independente do IRC e Derrama devidos no exercício, não se relacionando sequer com a obtenção de um resultado positivo. Em boa verdade, as tributações autónomas constantes do Código do IRC poderiam estar inscritas num outro código ou em diploma autónomo; VIIIª) - Por outro lado, enquanto que o lucro tributável sujeito a IRC é de formação sucessiva, as despesas sobre as quais incide a tributação autónoma constituem factos tributários instantâneos ou de obrigação única; IXª) - Note-se ainda que o facto de a tributação autónoma ser devida com referência a um determinado período que coincide com o ano civil tão pouco afasta a natureza de facto tributário instantâneo, tal como ninguém discute que o IVA é um imposto de obrigação única e não um imposto periódico apesar de a respectiva liquidação ser feita com referência a um determinado período de tributação mensal ou trimestral; Xª) - Constatando-se, assim, verificado o facto tributário no momento em que se incorre nas despesas sujeitas a tributação autónoma, conclui-se, contrariamente ao que entendeu o tribunal recorrido, que não pode deixar de ser considerado materialmente inconstitucional, por violação do n.º 3 do artigo 103° da CRP, o artigo 5º, n.º 1, da Lei n.º 64/2008, de 5 de Dezembro, na parte em que atribui eficácia retroactiva à redacção conferida por aquela mesma lei ao n.º 3 do artigo 81º do Código do IRC, na medida em que se aplica a factos integralmente ocorridos antes da sua entrada em vigor; XIª)- Ainda que as despesas sujeitas a tributação autónoma consubstanciassem factos tributários de formação sucessiva, o que apenas por hipótese de raciocínio se equaciona, sempre a norma sub judice configuraria uma norma retroactiva e, em consequência, inconstitucional, porquanto se aplica a factos parcialmente ocorridos antes da sua entrada em vigor, devendo neste caso proceder-se à divisão do período de tributação pro rata temporis, caso em que aquela norma se aplicaria apenas às despesas realizadas após a data da sua entrada em vigor, tal como peticionou a Recorrente na reclamação da autoliquidação que apresentou; XIIª) - De resto, de outro modo se não poderia concluir, bastando para tal atentar no artigo 12º, n.º 2 da LGT, o qual tendo sido ignorado pelo Tribunal recorrido, determina que “Se o facto tributário for de formação sucessiva, a lei nova só se aplica ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor”.

XIIIª) - E nem sequer se invoque, como faz a sentença recorrida, o disposto no artigo 8º, nº 9, do Código do IRC para afirmar que no momento da entrada em vigor da norma sub judice ainda se não havia verificado por completo o facto tributário, desde logo porque verificando-se o facto tributário no momento da realização das despesas sobre as quais incide a tributação autónoma, não releva para este concreto efeito a referida norma; XIVª) - Contudo, ainda que assim não se entendesse, o que por mera cautela de patrocínio se equaciona, refira-se que também quanto ao IRC stricto sensu o n.º 9 do artigo 8° daquele Código não determina o momento de verificação do facto tributário, contrariamente ao que se invoca na sentença recorrida, consagrando uma mera autorização de cobrança do imposto por parte do Estado, fixando o momento a partir do qual aquele se toma exigível; XVª) - Em face do exposto, conclui-se que mesmo quanto aos rendimentos obtidos no período de tributação não é o disposto no artigo 8°, n.º 9, do Código do IRC que é determinante para apurar o momento da verificação do facto tributário, pelo que, por maioria de razão, também não autoriza que se “ficcione”, para efeitos de aplicação da lei no tempo, a ocorrência dos factos tributários sujeitos a tributação autónoma em data diversa daquela em que efectivamente ocorreram...

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