Acórdão nº 0021386 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 19 de Dezembro de 2000

Magistrado ResponsávelMÁRIO CRUZ
Data da Resolução19 de Dezembro de 2000
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório A........... -Aluguer de Automóveis, Ld.ª, com sede na Rua ......., Porto, instaurou acção declarativa ordinária contra Américo .......... e esposa, ele comerciante e ela doméstica, residentes ......, Trofa, pedindo: a)que seja decretada a resolução do contrato junto à providência cautelar, celebrado em 92.07.14, com efeitos a 93.07.93, por culpa exclusiva do R. marido; b) que os RR. sejam condenados a restituírem definitivamente à A. o veículo Mercedes Benz 200 CL com a matrícula ...-...-...., com todos os seus documentos e chaves; c) que os RR. sejam condenados a pagarem à A. a quantia de 10.033.479$00 acrescida de juros vincendos à taxa de 18% ao ano até efectivo pagamento, sobre 9.672.129$00; d) que sejam os RR. condenados a pagarem à A. por cada mês que decorrer desde a data da p.i.(93.10.19) até efectiva restituição do dito veículo a quantia de 729.972$00 (364.986$00 x 2).

Para o efeito alega ter celebrado com o R. marido um contrato que qualifica de aluguer de longa duração, de que juntou a respectiva cópia, relativamente ao veículo já atrás mencionado, pelo prazo de um mês, automaticamente renovável por outros 29 períodos iguais, mediante as prestações mensais de 314.643$00, acrescidas de IVA, e que o R. deixou de pagar o aluguer referente às renovações de Nov/92 a Set/93, no total de 4.379.832$00, sendo o referido contrato resolvido pela A., e que, de acordo com o clausulado no contrato e face à situação de incumprimento, dá à A. o direito de formular os pedidos que acima indicou.

Mais indicou a A. que o referido veículo se destinava à actividade comercial do R. marido e a satisfazer as necessidades e passeios do casal, sendo a respectiva locação efectuada em proveito comum de ambos os RR.

Os RR. contestaram dizendo que a A. não estava autorizada legalmente a celebrar contrato de leasing, e por isso, o denominou de contrato de aluguer de longa duração, mas que, verdadeiramente, o que as partes acordaram foi a celebração de um contrato em que, contra o pagamento de uma prestação mensal, a A. se obrigava a conceder ao R. o gozo temporário do veículo identificado na petição e adquirido por indicação deste, que o poderia adquirir à A., total ou parcialmente, no prazo convencionado, mediante o pagamento de preço logo determinado.

Aconteceu, no entanto que, em virtude de um grave acidente de viação que requeria reparação orçada em 4.219.632$00 e não repunha o veículo na situação anterior ao acidente, foi acordado entre A. e R. a transformação desse primitivo contrato em contrato de compra e venda imediata mediante o pagamento à A. da quantia de 4.000.000$00 pela seguradora dos danos próprios, Inter-...., mais, 4.000.000$00 pelo adquirente dos salvados, estes a serem pagos em duas prestações mensais e iguais após a entrega dos salvados e declaração de venda do veículo, fazendo a A. seus, além das quantias referidas, as rendas iniciais já por si recebidas no montante de 1.094.958$00, mais os 2.5000.000$00 entregues a coberto do contrato de caução, mais a prestação de mês de Outubro/92 no montante de 314.643$00, e que só não recebera ainda a importância de 4.000.000$00 dos salvados porque a A. nunca chegou a entregar ao adquirente dos salvados a declaração de venda a que se obrigara, assim obstando e impedindo o pagamento e desoneração das obrigações assumidas pelo R. no contrato em causa.

Alegam os RR. que, desta feita, não chegou a haver resolução do contrato primitivo mas antes conversão de um negócio em outro, que a A. entretanto incumpriu, pelo que pedem os RR. a sua absolvição do pedido e a condenação da A. como litigante de má fé, em multa e indemnização, sendo esta em montante não inferior a 2.500.000$00.

Replicou a A. aceitando ser verdade que o R. pagou à A. os 1.094.958$00 das prestações iniciais, mas dizendo que só em Janeiro de 1993 o R. comunicou à A. a existência do acidente, enviando então um cheque de 1.952.075$00 para pagamento de alugueres e juros, e que se disponibilizou a alugar ao R. uma nova viatura, em substituição da sinistrada, imputando a essa nova viatura tudo o que recebera do R. inerente ao anterior contrato.

No entanto, refere a A., que o cheque de 1.952.075$00 não veio a ter provisão, nem veio a ser formalizado o novo contrato , como também não veio nunca a A. a receber o valor do cheque, porque entretanto o R. desapareceu para paradeiro incerto.

Desta forma, conclui a A. pela improcedência da excepção deduzida pelos RR., e conclui como na p.i., a que veio a acrescentar o pedido de condenação dos RR. em multa e indemnização como litigantes de má fé.

Saneado, condensado e instruído o processo, veio a ter lugar a audiência de julgamento, sendo dadas respostas aos quesitos e proferida sentença, na qual foi julgada parcialmente procedente a acção e condenados os RR. a restituírem definitivamente à A. os salvados relativos ao veículo identificado no ponto 2 da matéria de facto provada e absolvidos dos demais pedidos deduzidos, não se condenando nenhuma das partes como litigante de má fé.

Inconformada com a sentença recorreu a A., tendo o recurso sido admitido como de apelação e com efeito suspensivo.

Alegou a apelante e contra-alegaram os apelados.

Remetidos os autos a este Tribunal veio o recurso a ser aceite com as mesmas qualificações.

Correram os vistos legais.

.........................................

  1. Âmbito do recurso São as conclusões apresentadas na alegação de recurso pelo apelante que delimitam o respectivo âmbito, como resulta do disposto nos arts. 684.º, n.º 3 e 690.º, n.º 1 do CPC. Face ao exposto, passam a transcrever-se as conclusões apresentadas pela apelante-A. nessa peça processual: "1ª. Salvo o devido respeito por melhor opinião, a sentença recorrida comete um erro quanto à qualificação jurídica do contrato dos autos. Com efeito, atenta a denominação dada pela apelante e pelos apelados ao mesmo, atento o facto de que não resulta da matéria de facto dada como provada que na base da celebração do mesmo tenha estado a impossibilidade dos apelados, por alguma situação especial, não poderem dispor do seu veículo automóvel habitual, atento o facto de que, como resulta da matéria dada como provada, a atribuição patrimonial, a cargo dos apelados pelo gozo do veículo objecto do contrato dos autos, não ser satisfeita duma só vez mas sim ao longo de trinta períodos mensais, e atento o facto de que, como resulta do teor das cláusulas que constituem o contrato dos autos, designadamente das cláusulas 3.ª, 5.ª, 7.ª 10.ª-ponto 3 e 12.ª - ponto § único, a finalidade do mesmo ultrapassa em muito a mera cedência do gozo do veículo aos apelados - o montante das atribuições patrimoniais a cargo dos apelados, aliado ao contrato celebrado (30 meses), indicam, claramente, uma relação directa de correspectividade entre estas e o valor pelo qual o veículo automóvel ...-...-... foi adquirido pela apelante, o qual resulta do valor do seguro a que os apelados se obrigaram a fazer, figurando aquela como beneficiário do mesmo, fica claro que a função económico-social, a finalidade e as características do contrato dos autos não se identifica plenamente com a função, a finalidade e as características de um mero contrato de Rent-à-Car, tratando-se o mesmo de um Contrato de Aluguer de Longa Duração, vulgo ALD, sendo que a sua função, a sua finalidade e as suas características se identificam plenamente com este tipo de contratos.

    1. O contrato de ALD é aquele pelo qual um sujeito se compromete a ceder a outro o gozo de um bem duradouro, geralmente um veículo automóvel, por um prazo de tempo dilatado, findo o qual poderá ter lugar, ou não, a transmissão de propriedade desse bem, por força da celebração de um novo contrato, um contrato de compra e venda.

      Como se verifica, tal contrato congrega em si elementos pertencentes a vários tipos de contratos legalmente tipificados, designadamente, ao contrato de locação - os direitos e as obrigações das partes no contrato de ALD reconduzem-se, grosso modo, ao esquema legal previsto pelo CC para o contrato de locação - e ao contrato de compra e venda - atenta a possibilidade de, chegado o termo do contrato de ALD, as partes convencionarem a transmissão do veículo automóvel objecto do mesmo.

      Estamos, pois, perante a fusão de elementos pertencentes àqueles tipos legais num só contrato, razão que justifica a qualificação do contrato de ALD como contrato misto, ao qual, em virtude da inexistência de disposições legais especiais relativas ao mesmo, devem ser aplicadas, por analogia, disposições legais gerais previstas para o contrato de locação e para o contrato de compra e venda.

      Ora, assim sendo, e apesar do erro quanto à qualificação jurídica do contrato dos autos, a decisão recorrida, salvo o devido respeito, esteve bem na aplicação ao caso "sub judice" das disposições gerais previstas no CC. quanto ao contrato de locação, sendo certo, no entanto, que cometeu um erro na interpretação e, por consequência, de aplicação dos arts. 1.051.º, n.º1-e) e 1.044.º do CC., ao caso dos autos.

    2. " I. - Só a perda total envolve a caducidade do arrendamento. II. - O critério de qualificação da perda como total ou parcial não é físico ou naturalístico, antes dependendo do fim a que a coisa locada se destina. III. - A perda é total quando, em virtude de causa não imputável ao locador, se tornar impossível o uso da coisa para o fim convencionado"- Acórdão RL, de 89.11.09, CJ, 1989, tomo 5-103.

      Conforme resulta da matéria dada como provada, designadamente no que concerne ao acidente ocorrido com o veículo automóvel ...-...-..., objecto do contrato dos autos, em 92.09.29 - pontos 17 a 21 -, embora, em resultado do mesmo, os apelados tenham ficado impossibilitados de circular com o referido veículo, a verdade é que as deteriorações, sofridas pelo mesmo em resultado do acidente eram reparáveis, e que tal reparação permitiria repor o veículo automóvel em situação idêntica à anterior ao acidente, ou seja, permitiria...

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