Acórdão nº 4139/2007-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 22 de Maio de 2007

Magistrado ResponsávelABRANTES GERALDES
Data da Resolução22 de Maio de 2007
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

I - S.[…]SA, intentou contra A.[…] procedimento cautelar solicitando a apreensão de um veículo automóvel, ao abrigo do art. 15º do Dec. Lei nº 54/75, de 12-2.

Para o efeito alegou que celebrou com o requerido um contrato de financiamento para que este adquirisse a uma terceira entidade um veículo automóvel, ficando constituída a seu favor reserva de propriedade sobre o veículo.

A providência foi liminarmente indeferida, com fundamento em que a requerente apenas invoca um contrato de financiamento, sendo que a providência específica visa unicamente as situações decorrentes de contrato de compra e venda a prestações com reserva de propriedade.

Agravaram as requerentes e concluíram que: a) A reserva de propriedade, tradicionalmente uma garantia dos contratos de compra e venda, tem vindo, face à evolução verificada nas modalidades de contratação, a ser constituída como garantia dos contratos de mútuo, sobretudo, daqueles cuja finalidade e objecto é financiar um determinado bem, ou seja, quando existe uma dependência entre o contrato de mútuo e o contrato de compra e venda; b) Nestas situações, tem-se verificado uma sub-rogação do mutuante na posição jurídica do vendedor, isto é, o mutuante ao permitir que o comprador pague o preço ao vendedor, sub-roga-se no risco que este correria caso tivesse celebrado um contrato de compra e venda a prestações, bem como nas garantias de que este poderia dispor, no caso, a reserva de propriedade; c) Este entendimento encontra pleno acolhimento no art. 591° do CC, bem como, no princípio da liberdade contratual estabelecido no art. 405°, uma vez que não se vislumbram quaisquer objecções de natureza jurídica, moral ou de ordem pública relativamente ao facto de a reserva de propriedade ser constituída a favor do mutuante e não do vendedor; d) A própria lei que regula o crédito ao consumo o admite no n° 3 do seu art. 6° quando refere que "o contrato de crédito que tenha por objecto o financiamento da aquisição de bens ou serviços mediante pagamento em prestações deve indicar ainda: O acordo sobre a reserva de propriedade".

e) O direito que a requerente tem de reaver a viatura não decorre das cláusulas do contrato de mútuo, mas da propriedade que tem sobre ela; f) Ao não se verificar a condição que implicaria a transmissão da mesma para o requerido, a propriedade permanece na sua esfera jurídica e é com base nesse direito que lhe assiste o direito de reaver a viatura ao abrigo do art. 15° do Decreto-Lei n° 54/75; g) Encontrando-se inscrita a favor da recorrente reserva de propriedade sobre a viatura e estando indiciariamente provado que o requerido não cumpriu as obrigações que originaram a constituição da reserva de propriedade, encontram-se reunidos os pressupostos para o decretamento da requerida providência Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II - Decidindo: 1.

A agravante requereu a providência cautelar específica de apreensão do veículo automóvel como preliminar de uma acção declarativa destinada a fazer valer o direito de crédito decorrente de um contrato de financiamento para aquisição a crédito de um veículo. Para o efeito, invoca a outorga de um "contrato de financiamento para aquisição a crédito" celebrado com o requerido, em cujo texto se identifica o vendedor do veículo e se indica o montante do financiamento concedido, a taxa de juros e as prestações mensais convencionadas; também no contrato de financiamento se alude à "garantia" de "reserva de propriedade".

Das condições gerais desse mesmo contrato consta ainda o seguinte: "Em garantia do bom pagamento do capital emprestado, respectivos juros e demais obrigações decorrentes do presente contrato, o cliente presta as garantias que venham referidas nas condições particulares do mesmo.

… Até integral cumprimento deste contrato, a S.[…] poderá constituir no seu interesse, reserva de propriedade sobre o bem objecto deste contrato, salvo se a S.[…] dela prescindir".

Da certidão emitida pela Conservatória do Registo Automóvel de Lisboa consta que a propriedade do veículo está inscrita a favor do requerido e que a favor da requerente se encontra averbado, como "encargo" a "reserva".

Já no âmbito do agravo nº 7023-03, de 16-12-03, acessível através de www.dgsi.pt/jtrl, foi proferido acórdão, com o mesmo relator, aliás citado na decisão recorrida, que incidiu sobre a mesma questão. Assim, por economia de esforços e de meios, seguir-se-á de muito perto a fundamentação então aduzida. Afinal, a situação de facto, nos seus aspectos essenciais, é idêntica; o quadro jurídico manteve-se inalterado; enfim, não se verifica qualquer circunstância susceptível de levar a modificar o entendimento que presidiu ao mencionado acórdão.

  1. Os preceitos que formam o quadro normativo em que se insere a pretensão da agravante são basicamente os seguintes: - O art. 15º, nº 1, onde se prevê que, "vencido e não pago o crédito hipotecário ou não cumpridas as obrigações que originaram a reserva de propriedade, o titular dos respectivos registos pode requerer em juízo a apreensão do veículo e do certificado de matrícula".

- O art. 16º, segundo o qual, "provados os registos e o vencimento do crédito ou, quando se trate de reserva de propriedade, o não cumprimento do contrato por parte do adquirente, o juiz ordenará a imediata apreensão do veículo".

- O art. 18º, nº 1, que determina que, "dentro de quinze dias ... o titular do registo de reserva de propriedade deve propor acção de resolução do contrato de alienação". E o seu nº 3, de acordo com o qual, "...

transitada em julgado a decisão que declare a resolução do contrato de alienação com reserva de propriedade, o certificado de matrícula é entregue pelo tribunal ao adquirente do veículo ou ao autor da acção que toma posse do veículo, independentemente de qualquer outro acto ou formalidade".

2.1.

Estamos em face de normas de cariz essencialmente processual, na medida em que estabelecem os pressupostos de que depende o acesso a uma determinada providência cautelar e os requisitos de que depende a manutenção dos efeitos da providência que venha a ser decretada.

Importa, pois, ter presente que, sem olvidar a natureza meramente instrumental do direito adjectivo ou a prevalência que sempre deve ser dada às questões de mérito, a natureza publicística das normas processuais implica que sejam os interessados a adaptar-se às normas vigentes e não o intérprete a fazer das mesmas o uso que se mostre mais conveniente para integrar situações que nem expressa nem implicitamente nelas encontram cabimento.

Segundo Antunes Varela, que na construção do ordenamento jurídico teve uma...

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