Acórdão nº 10813/2006-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 15 de Maio de 2007

Magistrado ResponsávelGRAÇA AMARAL
Data da Resolução15 de Maio de 2007
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam na 7ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, I - Relatório 1.b M S.A. propôs acção declarativa, sob a forma ordinária, contra J S V e l S M pedindo a condenação dos Réus no pagamento da quantia de € 5.793,08, acrescida de € 259,06, a título de juros vencidos até 21/08/03, € 10,36 de imposto de selo sobre os juros vencidos, juros vincendos à taxa de 22,67% sobre €5.793,08 desde 22.08.03, mais o respectivo imposto de selo, à taxa de 4%.

Sustentou a acção no não cumprimento por parte da Ré do contrato de mútuo celebrado nos termos do qual e com vista à aquisição por aquela de veículo automóvel concedeu ao mesmo o crédito, na importância de € 6.983,20, com juros à taxa nominal de 18,67%, devendo tal importância (incluindo juros e prémios de seguro) ser paga em 48 prestações mensais e sucessivas, vencendo-se a primeira em 10.03.2002 e as restantes no dia 10 dos meses subsequentes, não tendo a Ré procedido ao pagamento da 15ª prestação (vencida em 10.05.03) e seguintes.

Alega relativamente ao Réu assunção de responsabilidade pelo pagamento da dívida contraída pela Ré por respeitar a um empréstimo que reverteu em proveito comum do casal por o veículo se destinar ao respectivo património comum.

  1. Após citação apenas o Réu deduziu contestação suscitando as excepções de incompetência territorial do tribunal e a sua ilegitimidade. Impugnou a acção alegando encontrar-se separado de facto da Ré, não tendo tido conhecimento do empréstimo nem beneficiado do mesmo.

  2. Não foi apresentada resposta à contestação.

  3. Após saneador e realizado julgamento foi proferida sentença que julgou a acção improcedente quanto ao Réu, absolvendo-o do pedido e parcialmente procedente quanto à Ré, condenando-a a pagar à Autora quantia a liquidar em execução de sentença correspondente às 34 prestações de capital (excluindo assim as quantias nelas incluídas de juros moratórios à taxa de 22,67 % (18,67 % + 4 %) desde Maio de 2003 até integral pagamento, bem como do imposto de selo sobre os mesmos juros moratórios, considerando-se ainda o montante que resultou da venda do veículo (1.594,11 €), absolvendo-a do demais pedido.

  4. Inconformada a Autora apelou da sentença concluindo nas suas alegações: 1. Resulta pois que não faz qualquer sentido pretender que estejam apenas em dívida as prestações de capital não pagas acrescidas os juros de mora à taxa acordada, contabilizados apenas desde 10.05.2003.

  5. O artigo 781º do Código Civil é expresso ao estabelecer, que: "Se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas." 3. Estamos perante obrigações com prazo certo pelo que o devedor se constitui em mora independentemente de interpelação do devedor ex vi alínea a) do n.º 2 do artigo 805º do Código Civil, o seu vencimento é imediato.

  6. Conforme acordado entre as partes, para que todas as prestações do contrato dos autos se vencessem imediatamente - como venceram -, apenas era - como o foi - necessário o preenchimento de uma condição, o não pagamento pelo R. de uma das referidas prestações.

  7. É, pois, manifesta a falta de razão do Senhor Juíz a quo na sentença recorrida, que ao julgar, como o fez, parcialmente improcedente e não provada a presente acção, violou o disposto no artigo 781º do Código Civil e ainda o disposto no artigo 560º do Código Civil, nos artigos 5º, 6º e 7º, do Decreto-Lei 344/78, de 17 de Novembro, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 83/86, de 6 de Maio, o artigo 1º do Decreto-Lei 32/89, de 25 de Janeiro, o artigo 2º do Decreto-Lei 49/89, de 22 de Fevereiro, nos artigos 1º e 2º do Decreto-Lei 206/95, de 14 de Agosto, e o artigo 3º, alínea I, do Decreto-Lei 298/92, de 31 de Dezembro.

  8. Nestes termos, deve ser dado inteiro provimento ao presente recurso de apelação e, por via dele, declarar-se a sentença nula, substituindo-a por acórdão que julgue a acção inteiramente procedente e provada, condenando os RR ora recorridos, solidariamente entre si, na totalidade do pedido formulado, como é de inteira JUSTIÇA.

    II - Enquadramento fáctica O tribunal a quo considerou provado seguinte factualismo: 1. No exercício da sua actividade comercial, e com destino à aquisição de um veículo automóvel, de marca Alfa Romeu, modelo 146 2.0 TDI, com matrícula, a Autora entregou a título de empréstimo a quantia de € 6.983,20, tendo um representante da Autora e a Ré aposto as suas assinaturas no documento denominado Contrato de Mútuo, datado de 11 de Fevereiro de 2002, cuja cópia foi junta como documento n.º 1 a fls. 10 e ss com a petição inicial.

  9. Foi estipulado o pagamento do empréstimo em 48 prestações mensais, com início a primeira em 10 de Março de 2002 e as restantes nos dias 30 dos meses subsequentes.

  10. Declararam ainda Autora e Ré que sobre a quantia de € 6.983,20 incidiam juros à taxa nominal de 18,67% ano.

  11. As prestações deveriam ser pagas por meio de transferência bancária.

  12. De acordo com a cláusula 8ª das Condições Gerais do documento n.º1 de fls. 10 e ss com a petição inicial, a falta de pagamento de uma prestação, na data do respectivo vencimento, implica vencimento de todas as restantes. Em caso de mora (…) incidirá sobre o montante em débito, e durante o tempo da mora, a título de cláusula penal, uma indemnização correspondente À taxa de juro contratual acrescida de quatro pontos percentuais.

  13. A Ré pagou as 14 primeiras prestações não tendo pago qualquer outra.

  14. A Autora e Ré declararam que esta entregaria o veículo automóvel para que a Autora diligenciasse pela sua venda e creditasse o valor que por esta venda obtivesse por conta do que a Ré lhe devesse, tendo nessa sequência a Ré procedido à entrega à Autora do veículo descrito em A), que foi vendido por € 1.594,11.

    III - Enquadramento jurídico De acordo com as conclusões das alegações e na ausência de aspectos de conhecimento oficioso que cumpra conhecer, impõe-se a este tribunal saber se o vencimento das prestações resultante do incumprimento contratual por parte do mutuário incluiu os juros remuneratórios Considerou-se na sentença recorrida que a Autora apenas teria direito imediato às prestações do capital por pagar e não às prestações de juros remuneratórios posteriores ao primeiro incumprimento.

    Tal posicionamento teve por subjacente que a periódica capitalização dos juros vencidos pressupõe a génese da obrigação de juros e o seu vencimento, ou seja, sendo o juro um rendimento do capital em função do tempo, o respectivo crédito só nasce à medida e na medida em que o tempo decorra.

    Concluiu a decisão sob censura que, no caso, ocorria tão só o vencimento imediato de todas as prestações de capital, não existindo qualquer vencimento imediato de prestações de juro remuneratório, alicerçando tal entendimento no disposto no art.º 781º, do Código Civil e na interpretação da cláusula 8ª, alínea b) das Condições Gerais do contrato.

    A sentença recorrida vem na esteira de alguma jurisprudência, designadamente do STJ(1), que faz assentar o respectivo posicionamento no postulado de que com o vencimento antecipado da obrigação (de restituição do capital) deixa de decorrer o prazo a que respeitavam os juros remuneratórios e, por isso, não podem estes ser devidos atenta a sua natureza - enquanto rendimento do capital em função do tempo.

    Não podemos concordar com tal entendimento pois que, a nosso ver, o mesmo descura a concreta realidade contratual a integrar juridicamente, isto é, a posição seguida na sentença sob recurso constitui uma visão unilateral da problemática em causa uma vez que se encontra construída sob uma perspectiva predominantemente formal e restritiva do termo "prestações" ínsito no art.º 781, do Código Civil, sustentada na origem da figura do juro remuneratório, desvalorizando dois aspectos fundamentais que se impõem considerar em situações como a dos autos: - estar em causa um contrato de crédito ao consumo; - inserir-se o contrato no exercício da actividade bancária do mutuante.

    Vejamos.

    Resulta do processo que a Autora, aqui Apelante, na qualidade de sociedade financeira de aquisições de crédito concedeu à Ré um crédito no valor de €6.983,20 a pagar em 48 prestações, no valor cada de €213,14, incluindo-se nesse valor o capital mutuado, imposto de selo devido, prémios de seguro de vida e juros à taxa de 18,67%, conforme resulta expressamente da cláusula 4, alínea c) onde se estipula que "No valor das prestações estão incluídos o capital, os juros do empréstimo, o valor dos impostos devidos, bem como os prémios das apólices de seguro a que se refere a cláusula 15 destas Condições Gerais".

    Constata-se pois que Autora e Ré celebraram entre si um contrato de concessão de crédito ao consumo sob a forma de mútuo(2), nos termos do qual aquela, no exercício da sua actividade, concedeu a este um determinado montante que a mesma se obrigou a devolver (fraccionado em 48 prestações mensais e sucessivas), acrescido da respectiva remuneração.

    As referidas prestações que, como vimos, correspondem ao fraccionamento da obrigação do capital mutuado, compreendiam, nos termos expressamente acordados entre as partes, parte do capital e os respectivos juros remuneratórios, pressupondo, nessa medida, a capitalização desses juros (cfr. cláusula 4 c) das condições gerais do contrato).

    Ficou demonstrado nos autos que a Ré não procedeu ao pagamento das 15ª e seguintes prestações, vencendo-se aquela em 10 de Maio de 2003.

    Igualmente resultou apurado que, de acordo com o contrato celebrado, nos termos da cláusula 8ª, das condições gerais(3) (cuja validade não se encontra posta em causa), "A falta de pagamento de uma prestação, na data do respectivo vencimento, implica o imediato vencimento de todas as restantes" - (alínea b)) e que "Em caso de mora, e sem prejuízo do disposto no número anterior, incidirá sobre o montante em débito, e durante o tempo de mora, a título de cláusula penal, uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual acrescida de quatro pontos percentuais...

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