Acórdão nº 3011/2006-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 19 de Abril de 2007

Magistrado ResponsávelFERNANDA ISABEL PEREIRA
Data da Resolução19 de Abril de 2007
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: 1. Relatório: J intentou, em 17 de Setembro de 2001, no Tribunal Cível da Comarca de Lisboa acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, contra Maria, pedindo a condenação desta a pagar-lhe 24 000 000$00, acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos, a título de restituição em dobro do sinal e do reforço de sinal por incumprimento de um contrato-promessa de compra e venda de uma fracção autónoma situada na Rua Eduardo Coelho, nº 57, 2º e 3º andares, em Lisboa.

A ré contestou, impugnando a factualidade alegada pela autora relativa ao incumprimento contratual. Deduziu reconvenção, pedindo que se declare que a autora incumpriu o contrato-promessa e se reconheça o direito da ré a fazer seu o sinal recebido, alegando que, por virtude de um adiamento do prazo para a celebração do contrato prometido, seguido da prorrogação prevista no contrato, o prazo para a celebração do contrato prometido terminou a 1.8.2001, pelo que a resolução do contrato pela autora ocorreu antes de tal data. Mais alegou que ainda fixou à autora um prazo suplementar para cumprir, mas em vão.

Pediu ainda a condenação da autora como litigante de má-fé.

Na réplica a autora pugnou pela absolvição do pedido reconvencional e pediu a condenação da ré como litigante de má-fé.

Houve tréplica.

Procedeu-se a julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou improcedentes a acção e a reconvenção, absolvendo a ré e a autora dos respectivos pedidos, e concluiu pela inexistência de má fé.

Desta sentença apelaram autora e ré.

Na sua alegação formulou a autora, em resumo, as seguintes conclusões: 1ª Foram incorrectamente julgados os factos que dizem respeito às respostas de "provado" dadas aos artigos 2º, 3º, 4º, 5º, 6º e 7º da base instrutória e a resposta dada "não provado" aos artigos 23º e 24º da mesma base instrutória, devendo conduzir a reapreciação dos meios de prova indicados a que se dêem como não provados os primeiros e provados os segundos.

  1. A Recorrente e a Recorrida tinham acordado no contrato que a realização da escritura pública de compra e venda deveria ser celebrada até ao dia 1 de Junho de 2001 (cfr. Cláusula Terceira, n.° 1), cabendo à Recorrida avisar a Recorrente da concreta data, hora e local, até 15 dias antes, por meio de carta registada com aviso de recepção (cfr. facto dado como provado, sob a ai. D) da douta sentença recorrida).

  2. Mas a escritura não foi celebrada até essa data, porquanto a Recorrida lançou mão da possibilidade de prorrogação por um mês daquele prazo limite (cfr. facto dado como provado sob a al. G) e ponto 2, da douta sentença recorrida). A data de realização da escritura de compra e venda foi, assim, prorrogada por um mês.

  3. Em face do supra exposto, a Recorrida estava obrigada a avisar a Recorrente até 15 de Junho de 2001, por carta registada com aviso de recepção, nos termos da cláusula terceira, n° 1, do dia, hora e local onde a escritura teria lugar (cfr. facto dado provado sob a al. D)).

  4. É facto inegável que a Recorrida não marcou o dia hora e local da escritura nem disso avisou a Recorrente até 15 de Junho.

  5. Não o tendo feito entrou em mora, artigos 804º n.° 2 e 805.° n.° 2 alínea a), ambos do Código Civil. Passou a estar em situação de incumprimento (art.° 798º do Código Civil).

  6. Já depois de estar em incumprimento (o que no que respeita à data de celebração do contrato definitivo ocorreu após 1 de Julho), a Recorrente afirmou solenemente que cumpriria aquilo a que estava obrigada na semana entre 23 e 27 de Julho.

  7. A Recorrente, porque ainda tinha interesse na prestação, e porque após se ter verificado a situação de mora estava já marcado um novo prazo para que a Recorrente pudesse, finalmente, cumprir com o que estava obrigada, tolerou como válido o prazo a que a Recorrente se auto-vinculou.

  8. Terminado esse prazo a Recorrente, de novo, não cumpriu.

  9. Ao decidir a douta sentença recorrida não ter havido conversão da mora da Recorrida em incumprimento definitivo, com a consequente necessidade de entregar em dobro a quantia entregue a titulo de sinal, violou o disposto nos artigos 442° n.° 2 e 808° n.° 1 do CC.

  10. Mas a douta sentença recorrida erra ainda na determinação da norma aplicável quando defende que ao caso seriam aplicáveis os artigos 473° e segs. do CC, tendo decidido não decretar a restituição das quantias entregues a título de sinal por tal não ter sido pedido.

  11. É que ainda que se admitisse correcto o julgamento feito na sentença recorrida, ou seja, de que não teria havido incumprimento definitivo do contrato-promessa sub judice por qualquer das partes, diz expressamente a Recorrida, em 30.07.2001, que se após 8 dias sem que o Banco da Recorrente marcasse a escritura, ela própria marcaria a escritura, em dia, hora e cartório notarial por ela designados, como de resto lhe competia nos termos do contrato.

  12. O que é um facto é que, apesar do teor daquela carta, a Recorrida nunca marcou a dita escritura, até ao momento em que tornou impossível o cumprimento do contrato-promessa por ter alienado o bem prometido a um terceiro em finais de 2001, conforme atestam as inscrições do registo predial relativas ao imóvel prometido.

  13. Seja qual seja a perspectiva pela qual se aborde o incumprimento da Recorrida é manifesto e está sempre presente, pelo que no caso não teriam aplicação as regras do instituto do enriquecimento sem causa em virtude da subsidiariedade de tal instituto expressa no artigo 474° do CC, nomeadamente perante a consequência resultante da aplicação dos artigos 808° n.° 1 e 442° n.° 2 do CC.

  14. A sentença recorrida violou assim, entre outras, as normas constantes dos artigos 221° n.° 2, 393°, 394°, 410° n.° 2, 442° n.°2, 808° n.° 1 do CC, e errou na determinação da norma aplicável ao considerar aplicável o artigo 473° do CC.

    Termos em que, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a sentença recorrida, substituindo-a por outra que julgue procedente o pedido formulado pela Recorrente.

    Na alegação que apresentou deduziu a ré, em resumo, a seguinte síntese conclusiva: 1ª A data limite para a realização da prometida escritura pública de compra e venda foi, por força da primeira prorrogação acordada entre as partes e, posteriormente, mercê de uma segunda prorrogação correspondente ao exercício de uma faculdade que contratualmente foi concedida à Apelante, definitivamente fixada para o dia 1 de Agosto de 2001.

  15. Em 30 de Julho de 2001, ou seja, num momento em que o prazo definitivamente fixado para realização da escritura pública não tinha ainda decorrido, a Apelada resolveu o contrato dos presentes autos, alegando, para o efeito, que, por força dos sucessivos adiamentos daquele acto notarial, havia perdido o interesse na celebração do contrato prometido; 3ª Dado que o prazo definitivamente fixado para a realização da escritura pública não havia ainda decorrido, é ilícita, em face do acordado bem como da nossa lei geral civil, a resolução contratual operada pela Apelada; 4ª Mesmo que se considerasse como data limite para celebração da escritura pública o dia 27 de Julho de 2001, a verdade é que, como ficou provado nos presentes autos, nessa data, a Apelante encontrava-se impedida de realizar a escritura pública pois que foi só nesse mesmo dia que a Câmara Municipal de Lisboa veio informar que não pretenderia exercer o direito legal de preferência que detinha sobre o imóvel prometido vender (cfr. alíneas Q) e R) da Matéria Assente); 5ª Decorrido o prazo de realização da escritura pública de compra e venda por impossibilidade temporária, a obrigação que sobre a Apelante impendia tornou-se, nos termos do artigo 805.° do Código Civil, uma obrigação pura; 6ª Assim, nos termos da citada disposição legal, para que se considerasse ter a Apelante incorrido numa situação de mora e/ou incumprimento definitivo seria necessário que a Apelada a interpelasse para vir cumprir a sua obrigação, e que este novo prazo fosse também preterido; 7ª Inexistindo uma interpelação admonitória, nos termos do artigo 808.° do Código Civil, só poderia a Apelada resolver o contrato se provasse ter objectivamente perdido o interesse na celebração do contrato prometido, o que não manifestamente não sucedeu; 8ª No caso em apreço, a vontade expressa e declarada da Apelada de resolver o contrato e a circunstância de não ter respondido à carta referida na alínea U) da matéria assente equivalem, como é por demais evidente, a uma recusa de cumprimento, pelo que na esfera jurídica da Apelante se constituiu, desde logo, o direito a fazer sua a quantia recebida a título de sinal e de reforço do sinal, revelando-se desnecessária a interpelação admonitória; Nestes termos, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a douta sentença recorrida na parte em que absolveu a Apelada do pedido reconvencional formulado pela Apelante.

    Houve contra alegações.

    Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

    1. Fundamentos: 2.1. De facto: Na 1ª instância julgaram-se provados os seguintes factos: a) Em 30/11/99 a R.

      MARIA e a FUNDAÇÃO celebraram entre si o acordo escrito de cuja cópia se acha a fls. 57 a 62, nos termos do qual, nomeadamente, a primeira se comprometeu a adquirir à segunda determinado apartamento, comprometendo-se esta a transferir para aquela o domínio total e exclusivo sobre o mesmo, mediante contrapartida em dinheiro.

      1. Em 19/02/01 a A.

        J e a R.

        MARIA celebraram entre si o acordo escrito de fls. 10 a 16, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

      2. Nos termos da cláusula primeira do acordo referido em B), em que a A. é referida como "PROMITENTE COMPRADORA" e a R. é referida como "PROMITENTE VENDEDORA", nomeadamente, "a PROMITENTE VENDEDORA promete vender à PROMITENTE COMPRADORA e esta promete comprar-lhe, livre de quaisquer hipotecas, ónus, encargos ou responsabilidades...

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