Acórdão nº 247/07-02 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 29 de Março de 2007

Magistrado ResponsávelJORGE LEAL
Data da Resolução29 de Março de 2007
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Em 12.11.1999 M A, A A, A A P (posteriormente substituído pela sua herdeira habilitada, M E C A, M M A, e V M A O G, instauraram nas Varas Cíveis de Lisboa a presente acção declarativa de simples apreciação positiva sob a forma ordinária contra Hotel E.

Disseram que os autores são donos e legítimos possuidores do prédio urbano, sito em Lisboa. Por escritura pública datada de dezanove de Abril de mil novecentos e cinquenta e oito, o primeiro autor e sua mulher, o segundo autor e sua mulher e o terceiro autor deram à ré de arrendamento: as caves, o compartimento que forma o gaveto do rés do chão, a sobre loja direita, primeiro andar direito, os últimos oito pisos e o terraço subjacente, todos do sobredito prédio. Os locais arrendados destinavam-se ao exercício da indústria hoteleira. O arrendamento teve início em 06.02.58. Da cláusula primeira do contrato de arrendamento consta que " o arrendamento teve início no dia seis de Fevereiro de mil novecentos e cinquenta e oito, é por cinco anos, renovável tacitamente por períodos de um ano, desde que não haja declaração escrita em contrário, com quatro meses de antecedência e a lei consinta este modo de pôr termo ao contrato". O referido contrato foi alterado por escritura de 10 de Agosto de 1987. A escritura tinha em conta uma transacção lavrada em acção de despejo a 20 de Abril de 1963 e um trespasse efectuado por escritura de 06 de Junho de 1973. Por efeito da escritura alterou-se o contrato de arrendamento de 1958 por forma a nele se integrarem os seguintes locais, dados de arrendamento pelo autor M A e sua mulher, autor A A e sua mulher e autor M M A à ré: primeiro andar esquerdo, primeiro andar frente, sobreloja frente, os compartimentos e o andar anexo, contíguos à sobreloja esquerda, de que a ré por efeito do mencionado trespasse celebrado por escritura de 06.06.1973, era locatária. Com a ampliação do contrato de arrendamento, a renda anual inicialmente acordada - 1.074.000$00 - paga em duodécimos de 89.500$00 - sofreu um aumento para 630.000$00 mensais, sendo o valor anual de 7.560.000$00. Com o decurso do contrato de arrendamento, foi a referida renda actualizada para o montante anual de 15.926.652$00, paga em duodécimos de 1.327.221$00 - renda actualmente em vigor. Da cláusula oitava desta escritura, consta: "Em tudo o mais do aqui previsto aplicar-se-á o arrendamento constante da mencionada escritura de dezanove de Abril de mil novecentos e cinquenta e oito". Por sua vez, nas cláusulas adicionais ao acordo, lê-se : "Que o contrato de arrendamento celebrado por escritura de dezanove de Abril de 1958, atrás referido, foi feito pelo prazo de cinco anos, prorrogável por períodos de um ano e teve o seu início no dia seis de Fevereiro de mil novecentos e cinquenta e oito". Ao abrigo da cláusula primeira do contrato de arrendamento celebrado em 19.04.58, conjugado com o disposto no art.118 do RAU, aprovado pelo DL 321-B/90, de 15.10 e inserido pelo art. 2° do DL n° 257/95, de 30 de Setembro, os autores denunciaram com data de 02.10.96 e mediante notificação judicial avulsa o referido contrato. Em resposta datada de 30.10.96 e igualmente mediante notificação judicial avulsa, considerou a ré que o contrato, por virtude do disposto no art. 6° do DL 257/95, de 30 de Setembro, não era denunciável nos termos pretendidos, constituindo a denúncia "um acto simplesmente irrelevante".

Os AA. concluíram pedindo que seja proferida declaração no sentido de se reconhecer a livre denunciabilidade do contrato de arrendamento celebrado por escritura pública de 19.04.1958 e alterado por escritura pública de 10.08.1987.

A ré contestou dizendo que os autores aceitaram que a ré não praticou qualquer acto ilícito ao recusar, por meio de notificação judicial avulsa, a denúncia do contrato de arrendamento em 30.10.96, pelo que a apreciação requerida é irrelevante e sem qualquer efeito. A escritura de 10.08.97 serviu, essencialmente, para dar resolução a alterações ao contrato de arrendamento de 1958, que passaria a integrar novos locais, tais como foi referido. A escritura notarial de 10 de Agosto de 1987 alterou o montante da renda mensal, a qual sofreu um aumento de 89.500$00 para 630.000$00. Este substancial aumento da renda radicava-se no facto de a ré poder ampliar a locação aos locais arrendados a terceiros no próprio edifício do Hotel - 2° andar esquerdo e direito e a sobreloja direita - condicionalismos estes que só agora veio a alcançar, o que denota a verdadeira intenção das partes de considerarem o contrato de renovação automática e não susceptível de denúncia injustificada pela parte do senhorio, situação incompatível com esta previsibilidade. Tanto os senhorios como a ré, na escritura outorgada em 10.08.87 alteraram o teor da cláusula primeira do contrato de arrendamento inicial, tendo acordado que "o contrato de arrendamento celebrado por escritura de dezanove de Abril de 1958, atrás referido, foi feito pelo prazo de cinco anos, prorrogável por períodos de um ano e teve o seu início no dia seis de Fevereiro de 1958." Na escritura de 10.08.87 foi estabelecido que "em tudo o mais do aqui previsto" se aplicaria o contrato de arrendamento inicial. Tal disposição tem o significado de consolidar a matéria das cláusulas não alteradas e de ao mesmo tempo que eram integrados novos locais de arrendamento inicial não permitir que pudesse haver qualquer eventual promiscuidade nos prazos de renovação ou prorrogação contratuais dos novos locais arrendados e que passariam a pertencer ao mesmo estabelecimento hoteleiro. Foi assim abolida do contrato de arrendamento de 1958, por acordo das partes, a asserção final da cláusula primeira, em que os autores unicamente se alicerçam para poder ser proferida declaração, no sentido de reconhecer a livre denunciabilidade do contrato de arrendamento. Por outro lado, atendendo à legislação em vigor na data em que foi celebrado contrato de arrendamento em 1958 não permitia que o senhorio pusesse fim ao contrato por interesse seu e tal situação manteve-se até ao DL 257/95, de 30.09, que introduziu alterações ao DL 321-B/90, de 15.10 e que estendeu aos arrendamentos para o exercício do comércio ou indústria a possibilidade de convenção de duração efectiva do contrato. No entanto, de acordo com as novas disposições legais o contrato em que seja convencionada a duração limitada do contrato está sujeito a outros condicionalismos, que não foram observados no contrato de 1958.

A Ré conclui pedindo que seja proferida declaração no sentido do contrato de arrendamento celebrado por escritura pública, de 19 de Abril de 1958 e alterado por escritura pública de 10 de Agosto de 1987 não atribuir poderes aos Autores para denunciarem livre ou infundadamente tal contrato, por não lhes ter sido concedido legal ou contratualmente esse direito, estando antes sujeito à prorrogação obrigatória do prazo contratual a favor da inquilina.

Realizou-se audiência preliminar, no decurso da qual procedeu-se à selecção da matéria de facto assente e elaborou-se base instrutória.

Realizou-se julgamento e a final o tribunal respondeu à base instrutória, com reclamação por parte dos AA., desatendida.

Em 31.5.2006 foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e consequentemente não reconheceu a livre denunciabilidade do contrato de arrendamento celebrado por escritura pública de dezanove de Abril de 1958, alterado por escritura pública de dez de Agosto de 1987.

Os AA. apelaram da sentença, tendo apresentado alegações em que formularam as seguintes conclusões, que se transcrevem: 1ª: Os Rec.tes e Rec.da celebraram, por escritura pública de 19 de Abril de 1958, contrato de arrendamento cuja cláusula primeira estabelecia: "O arrendamento teve o seu início no dia seis de Fevereiro de mil novecentos e cinquenta e oito, é por cinco anos, renovável tacitamente por períodos de um ano, desde que não haja declaração escrita em contrário, com quatro meses de antecedência e a lei consinta esse modo de pôr termo ao contrato" (sublinhado nosso).

Assim, atento o disposto na referida cláusula contratual, o senhorio estava impedido de denunciar unilateralmente aquele contrato sem uma "permissão legal" prévia nesse sentido.

Afigura-se, pois, manifestamente incongruente considerar nula uma cláusula, por celebrada contra uma disposição legal de carácter imperativo, quando essa mesma cláusula ressalva a possibilidade de denúncia apenas quando "a lei consinta esse modo de pôr termo ao contrato'!! Face ao exposto, deve considerar-se ab initio válida a cláusula primeira em causa, na parte em que prevê a possibilidade de denúncia unilateral e imotivada do senhorio, mediante prévio consentimento da lei nesse sentido.

Ao decidir como decidiu o tribunal a quo violou o princípio da liberdade contratual e o art. 294.° do Cód. Civil.

  1. : Por escritura pública, outorgada em 10 de Agosto de 1987, os Rec.tes e a Rec.da alteraram o contrato de arrendamento celebrado em 1958 para alargarem o número de fracções dadas de arrendamento, aumentarem o valor da renda e atribuírem à Rec.da o direito de preferência, no respectivo arrendamento, sobre determinadas fracções do mesmo prédio, caso ficassem devolutas. Na referida escritura pública de alteração do contrato de arrendamento foi exarada declaração complementar onde se afirma que "o contrato de arrendamento celebrado por...

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