Acórdão nº 1935/2007-8 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 22 de Março de 2007

Magistrado ResponsávelSALAZAR CASANOVA
Data da Resolução22 de Março de 2007
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: 1.

F, sub-rogada nos direitos do alienante de veículo com reserva de propriedade, intentou na comarca de Lisboa providência cautelar de apreensão de veículo automóvel e respectivos documentos nos termos do artigo 15º do Decreto-Lei nº 54/75, de 12 de Fevereiro contra Joaquim Domingues Santos residente no Fundão.

  1. O tribunal considerou-se incompetente em razão do território face ao disposto no artigo 74º do Código de Processo Civil com a redacção dada pela Lei nº 14/2006, de 26 de Abril pois, de acordo com o disposto no artigo 83º/1, alínea c) do C.P.C., sendo competente para os procedimentos cautelares o tribunal em que deva ser proposta a acção respectiva, é competente o Tribunal do Fundão pois nele deve ser proposta a acção principal de que depende a providência.

  2. A acção principal, no caso vertente, será, de acordo com o disposto no artigo 18.º/1 do DL 54/75, a acção de resolução do contrato de alienação muito embora o requerente da providência tenha invocado a rescisão do contrato de financiamento.

  3. A decisão, ora sob recurso, considerou que o artigo 21º do Decreto-Lei nº 54/75, de 12 de Fevereiro segundo o qual " o processo de apreensão e as acções relativas aos veículos apreendidos são da competência do tribunal da comarca em cuja área se situa a residência habitual ou sede do proprietário" deve considerar-se revogado pela nova redacção dada ao artigo 74º do C.P.C..

  4. Reconhecendo a sentença que este preceito se traduz em norma especial face à norma geral de competência constante do artigo 74º do C.P.C, o que conduz à aplicabilidade da regra do artigo 7.º do Código Civil "lei geral não revoga lei especial", certo é que, no caso, deve considerar-se verificada a excepção à dita regra a que alude o mesmo preceito: " excepto se outra for a intenção inequívoca do legislador".

  5. Importa, assim, prossegue a decisão recorrida, " atender às condições específicas do tempo em que a lei é aplicada, devendo o intérprete presumir que na fixação os sentido e alcance da lei o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados" (artigo 9.º do Código Civil).

  6. Ora, ainda segundo a decisão recorrida, foi intenção os legislador proteger o consumidor face aos litigantes de grande dimensão, aproximando o centro de decisão da lide do seu local de residência, poupando-se ao consumidor, parte contratualmente mais desfavorecida, as despesas inevitavelmente ocasionadas pela deslocação da lide para local diverso, "reconhecendo-se que tais encargos seriam melhor suportados por entidades dotadas de organização empresarial, orientadas para a prossecução do lucro e possuindo maior disponibilidade de recursos económicos.

    Pretendeu ainda o legislador reduzir as consequências nocivas da litigância de massas, designadamente a concentração de acções num reduzidíssimo número de tribunais e a decorrente distorção na aplicação da justiça com os inevitáveis prejuízos para a desejada celeridade Assim sendo, contrariaria a lógica do sistema e a intenção do legislador considerar intocado pelo regime introduzido pela Lei nº 14/2006 o artigo 21º do Decreto-Lei nº 54/75, de 1´2 de Fevereiro.

    Impõe-se, assim, concluir que foi intenção do legislador derrogar o artigo 21º do Decreto-Lei nº 54/75, inequivocamente demonstrado".

  7. A recorrente, reconhecendo embora a indiscutível intenção do legislador, explanada na proposta da referida lei, considera que a situação de facto não está abrangida pois " não se encontra preenchida a premissa da litigância de massas que visa o ressarcimento pecuniário do crédito e que entope a disponibilidade dos tribunais para a resolução de litígios de maior complexidade e urgência".

  8. E, não fora a especialidade do mercado automóvel nomeadamente pela rápida desvalorização e perecimento dos bens objecto do mesmo, e não haveria razão para se manter no tempo o procedimento cautelar previsto pelo Decreto-Lei nº 54/75,de 12 de Fevereiro […] 10.

    Embora a situação de facto se reconduza ao Direito do Consumo, o facto de estar em causa o accionamento de uma garantia bem como a fragilidade daquela explanada no artigo 19 sempre exige uma revogação expressa pelo legislador do regime jurídico criado pelo Decreto-lei nº 54/75, de 12 de Fevereiro".

    Apreciando: 11.

    A Lei nº 14/2006, de 26 de Abril ao consagrar o domicílio do devedor como " critério relevante para aferição do tribunal competente" insere-se no declarado objectivo de descongestionamento dos tribunais na sequência do Plano de Acção para o Descongestionamento dos Tribunais conforme Resolução do Conselho de Ministros nº 100/2005, de 30 de Maio, o que expressamente se salienta na Resolução do Conselho de Ministros nº 122/2006 de 7 de Setembro de 2006, DR.Iª Série, nº185 de 25 de Setembro de 2006.

  9. Também na exposição de motivos constante da Proposta de lei nº 389/2005, de 24 de Novembro de 2005 se salientou, prosseguindo a mesma ideia de descongestionamento dos tribunais, que se " previu, entre outras medidas, a «introdução da regra de competência territorial do tribunal da comarca do réu para as acções relativas ao cumprimento de obrigações, sem prejuízo das especificidades da litigância característica das grandes áreas metropolitanas de Lisboa e Porto».

    A adopção desta medida assenta na constatação de que grande parte da litigância cível se concentra nos...

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