Acórdão nº 10954/2006-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 20 de Março de 2007

Magistrado ResponsávelMARTINHO CARDOSO
Data da Resolução20 de Março de 2007
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

I Acordam, em audiência, na 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: Nos presentes autos de Processo Comum com intervenção de tribunal colectivo n.º 114/04.8JAPDL, do 3.º Juízo de Ponta Delgada, responderam os arguidos: 1.º -- BH; … 8.º -- RO; …###Pronunciados por terem cometido: O arguido BH, em concurso efectivo e como reincidente: - Um crime de receptação, na forma continuada, p. p. no art. 231.º, n.º 1, do Código Penal, com referência ao art. 30.º, n.º 2, do mesmo diploma; - Um crime de extorsão, p.p. no art. 223.º, n.º 1, do Código Penal; - Um crime de condução sem habilitação legal, p.p. no art. 3.º, n.ºs 1 e 2, do D.L. 2/98, de 03 de Janeiro; e - Um crime de tráfico de estupefacientes, p.p. no art. 21.º, n.º 1, do D.L. 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às tabelas anexas I-A e B.

… Condenar o mesmo RO pela prática um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no artigo 21.º, n.º 1, do D.L. n.º 15/93, de 22 de Janeiro, em 7 anos e 6 meses de prisão.

  1. Do mesmo passo, decidiu que os objectos fossem atribuídos à Região Autónoma; 3. A declaração de perdimento não é feita em função de interesses patrimoniais do Estado, mas porque há que dar destino a objectos que não podem ser devolvidos ; 4. A declaração de perdimento cria um direito de propriedade sobre a coisa para o Estado; 5. A partir desse momento, é ao proprietário da coisa que compete, em exclusivo, dar o destino aos objectos sobre que incide aquele seu direito (art° 1.305° do C.C.), mesmo que esse proprietário seja o Estado (art° 1.304° do C.C.); 6. Não existe disposição legal que consinta ao tribunal ser ele a fazer a afectação dos objectos perdidos em processo crime.

    Posto isto, Decidindo como decidiu, o douto acórdão sob recurso violou o disposto nos art°s 1.304º e 1305°, do Cód. Civil e, por erro de interpretação, o disposto nos art°s 35° e 36° do DL 15/93, de 22.1., devendo ser revogado no que respeita à atribuição dos bens feita à Região Autónoma dos Açores (RAA).

    Procedeu-se a exame preliminar.

    Colhidos os vistos e realizada a audiência, cumpre apreciar e decidir.

    IINo acórdão recorrido e em termos de matéria de facto, consta o seguinte: -- Factos provados:III De acordo com o disposto no art.º 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o objecto do recurso é definido pelas conclusões formuladas pelos recorrentes na motivação e é por elas delimitado.

    De modo que as questões postas ao desembargo desta Relação são as seguintes: -- Postas pelo recurso interposto pelo M.º P.º: Que os bens que o acórdão recorrido declarou perdidos, o deviam ter sido a favor do Estado e não da Região Autónoma dos Açores (RAA).

    -- Postas pelo recurso interposto pelo arguido BH: 1.ª - Que são nulas:

    1. A busca realizada ao anexo do café …, sito na Rua de Lisboa, n° 17, em Ponta Delgada; B) A busca realizada numa casa sita na Rua …, n.º 9, Arrifes, Ponta Delgada; e C) A busca levada a cabo na residência do arguido sita na Rua …, n° 61.

      1. - Que a operação controlada pela Polícia Judiciária de entrega de droga do arguido S… ao arguido JC, efectuada em 7-10-2004 no Café …, em Ponta Delgada, também é nula por violação de requisitos legais previstos na Lei n.º 101/01, de 25-8; 3.ª - Que foi por o tribunal ter apreciado mal a prova produzida em julgamento que deu como provados os factos constantes dos itens 1, 2, 3, 15 a 20 e 31 a 38; e 4.ª - Que a pena aplicada ao recorrente é exagerada.

      -- Postas pelo recurso interposto pelo arguido RO: 1.ª - Que o acórdão recorrido padece dos vícios referidos no art.º 410.º, n.º 2 al.ª a) [insuficiência para a decisão da matéria de facto provada] e b) [contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão]; 2.ª - Que o Tribunal recorrido, ao valorar como meio de prova as declarações do co-arguido JC, relativamente a imputações que aquele fez em audiência de discussão e julgamento ao ora recorrente, violou o disposto nos art°s.327.°, n.º 2, do C.P.P. e 32.°, n.º 5, da C.R. Portuguesa; 3.ª - Que o tribunal a quo violou o princípio do "in dubio pro reo"; e 4.ª - Que o tribunal a quo não podia ter declarado perdidos os bens e objectos apreendidos ao ora recorrente uma vez que não deu como provado que os mesmos fossem provenientes de qualquer actividade ilícita ou que estivessem destinados a servir para a prática de qualquer crime.

      Este assunto foi já tratado em termos coincidentes em (pelo menos) dois acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, um de 4-11-04 (que é aliás citado pelo Magistrado do M.º P.º recorrente) e outro de 9-2-06, o primeiro incidindo sobre outra decisão proferida pelo mesmo Juízo de onde provem a agora recorrida e o segundo incidindo sobre decisão proferida senão pelo mesmo Juízo pelo menos na mesma Comarca agora recorrida, ambos publicados na Colectânea de Jurisprudência dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, respectivamente no ano de 2004, III-228 e no ano de 2006, I-188, o primeiro dos quais seguiremos de perto, com a devida vénia, pois este assunto devia estar já pacificado, que essa é uma das funções da jurisprudência.

      Assim, segundo o Estatuto Político e Administrativo da Região Autónoma dos Açores (Lei nº 39/80, de 5 de Agosto - art. 91.º; Lei nº 9/87, de 26 de Março - art. 105.º; Lei nº 61/98, de 27 de Agosto - art. 113°), integram o domínio privado da Região:

      1. Os bens do domínio privado do Estado existentes no território regional, excepto os afectos aos serviços estaduais não regionalizados.

      2. Os bens do domínio privado dos três antigos distritos autónomos.

      3. As coisas e direitos afectos a serviços estaduais transferidos para a região.

      4. Os bens adquiridos pela Região dentro ou fora do seu território ou que por lei lhe pertençam.

      5. Os bens abandonados e os que integrem heranças declaradas vagas para o Estado, desde que uns e outros se situem dentro dos limites territoriais da Região.

      Determina o artigo 35°do DL nº 15/93, de 22 de Janeiro: 1 - «São declarados perdidos a favor do Estado os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de uma infracção prevista no presente diploma ou que por esta tiverem sido produzidos».

      2 - As plantas, substâncias e preparações incluídas nas tabelas I a IV são sempre declaradas perdidas a favor do Estado».

      O relatório preambular do DL nº 15/93, de 22 de Janeiro, principia por dizer: «A aprovação da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e de Substâncias Psicotrópicas de 1988, oportunamente assinada por Portugal e ora ratificada - Resolução da Assembleia da República nº 29/91 e Decreto do Presidente da República nº 45/91, publicados no "DR", de 6 de Setembro de 1991 - é a razão determinante do presente diploma... ».

      O DL nº 15/93, de 22/01 é uma lei geral da República Portuguesa, com aplicação a todo o território nacional (foi publicada antes da entrada em vigor da LC 1/97 - art. 112.º, nº 5, da CRP (4ª Revisão Constitucional) e nos seus arts. 35.º a 38° fixa uma regulamentação especial que afasta a aplicação da norma geral do art. 109° do CP; e o legislador ao referir no art. 35.º que «...são declarados perdidos a favor do Estado», usou a palavra "Estado" no sentido de pessoa colectiva de direito público que tem por órgão o Governo.

      E o arquipélago dos Açores, como o da Madeira, constitui uma região autónoma constitucionalmente reconhecida, dotada de estatuto político-administrativo e de órgãos de Governo próprio (o Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores foi aprovado pela Lei nº 39/80, de 5 de Agosto, alterado pelas Lei nº 9/87, de 26 de Março, e Lei n.º 61/98, de 27 de Agosto, sendo as regiões autónomas pessoas colectivas territoriais (art. 227.º, nº 1, da CRP). Mas uma região autónoma não tem natureza estadual. Com efeito, o art. 225.º, n.º 2, da CRP (numeração segundo a RC/97) dispõe: A autonomia político-administrativa regional não afecta a integridade da soberania do Estado e exerce-se no quadro da Constituição.

      Para assim decidir, o acórdão recorrido fez interpretação extensiva do preceito da al. e) do art. 113° do Estatuto da RAA, afirmando que o legislador com ele pretendeu foi esclarecer que é a Região e não o Estado quem adquire tudo o que seja uma "res nullius" não tendo...

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