Acórdão nº 3839/2006-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 06 de Fevereiro de 2007
Magistrado Responsável | ARNALDO SILVA |
Data da Resolução | 06 de Fevereiro de 2007 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
ACÓRDÃO Acordam os juízes, em conferência, na 7.ª Secção Cível, do Tribunal da Relação de Lisboa: I.
Relatório: 1. F.[…] e C.[…] casaram, entre si, em 27-05-1975. Desde Maio de 1993 até à data do divórcio (28-05-1999) estiveram separados de facto fazendo vidas e economias completamente distintas e autónomas. No inventário para a partilha dos bens do casal a ex-mulher reconheceu a verba n.º 1 do passivo da relação de bens no montante de 4.059.097$00 proveniente do empréstimo contraído perante a Caixa Geral de Depósitos, mas não reconheceu a verba n.º 2 do mesmo passivo no montante de 27.936,01 € relativa às prestações pagas à Caixa Geral de Depósitos pelo cabeça-de-casal (o ex-marido) relativas ao dito empréstimo desde Junho de 1993 até Novembro de 2001. A ex-mulher recusa-se a pagar 50% deste montante.
Com base nestes fundamentos, veio F.[…], divorciado, […]intentar contra C.[…] acção declarativa comum com forma ordinária, na qual pede que a ré seja condenada a pagar à autora a quantia de 13.968,00, acrescida de juros de mora vencidos no montante de 6.319,13 € e vincendos até integral pagamento.
* 2. Na sua contestação, a ré argui as excepções dilatórias de caso julgado e da incompetência em razão do território, dizendo os valores pedidos pelo autor já foram fixados no âmbito do processo de inventário, que correu termos […] pelo que a acção a interpor contra a ré deveria ter sido uma acção executiva a correr termos por apenso aos autos do dito inventário, pelo que o Tribunal de Loures é incompetente em razão do território.
Por impugnação, diz o valor das prestações pagas pelo autor foram, no total, de 6.039,88 €, pelo o crédito do autor seria 3.019,98 €. Mais diz que este valor já tinha sido fixado por despacho de 18-05-2001, onde o autor não só reafirmou o valor, como o aceitou na sua formulação. O autor ao exigir valor diverso do que inicialmente apresentou e aceitou, é um venire contra factum proprium e manifesta má fé processual.
E conclui: a) pela rejeição liminar da petição inicial por incidir sobre caso julgado e o meio ser inidóneo para tutelar o direito em causa; b) pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido.
Pede que o autor seja condenado como litigante de má fé em valor nunca inferior a 3.000,00 €.
* 3. Na réplica, o autor respondeu às excepções. Disse que quanto à verba n.º 2 o Mm.º Juiz não reconheceu a dívida por falta de elementos e remeteu as partes para os meios comuns. Quanto à incompetência territorial alegou que as acções destinadas a exigir o cumprimento de obrigações devem ser propostas no Tribunal do lugar onde a obrigação deveria ter sido cumprida, ou no Tribunal do domicílio do réu, pelo tendo a acção sido intentada no domicílio da ré, é competente o Tribunal de Loures.
E conclui pela improcedência das excepções.
* 4. No despacho saneador foi julgada procedente a excepção de caso julgado e a ré absolvida do pedido, e o autor condenado em custas. Na sequência do recurso interposto pelo autor, por acórdão desta Relação de 09-12-2003, foi dado provimento ao recurso e julgada improcedente a excepção dilatória de caso julgado, e ordenado o prosseguimento dos autos.
Em posterior despacho saneador o Tribunal foi julgado competente.
A acção prosseguiu os seus posteriores termos, tendo sido proferida sentença que julgou a acção improcedente, e, consequentemente, absolveu a ré do pedido contra ela formulado. Mais condenou o autor como litigante de má fé no montante de 1.500,00 € ao abrigo do disposto nos art.ºs 456º e 457º do Cód. Proc. Civil e o autor foi condenado nas custas.
* 5. Inconformado apelou o autor. Nas suas alegações, em síntese e organização nossa, conclui: 1.ª O pedido do recorrente abrange dois períodos: o primeiro abrange o período que medeia entre a separação de facto e a propositura da acção de divórcio; o segundo o período que medeia entre a propositura da acção de divórcio e o decretamento do divórcio; 2.ª A própria sentença indica que, quanto ao primeiro período a pretensão do recorrente tem fundamento através do pedido de retroacção dos efeitos patrimoniais do divórcio à data da separação de facto, entendendo a sentença recorrida que tal não foi expressamente pedido; 3.ª Quanto ao segundo período, a sentença recorrida entende que a pretensão do recorrente já tinha sido satisfeita no momento em que recebeu tornas. E isto apesar de a ré não ter reconhecido o valor em causa para o segundo período; 4.ª Assim, a pretensão do recorrente tem fundamento; 5.ª Foram violados os art.ºs 456º e 457º do Cód. Proc. Civil; 6.ª A sentença recorrida entende que na presente acção não se peticiona a retroacção dos efeitos do divórcio à data da separação de facto. No entanto, apesar de a norma que tal permite não ter sido expressamente invocada na petição inicial, a presente acção tem como base o estabelecimento da data da separação de facto (o que foi conseguido) e a obtenção dos efeitos jurídicos que só poderão existir com aquela retroacção; 7.ª Apesar da sentença recorrida ter considera provado que foi o recorrente a suportar sozinho, sem se referir se tais bens eram ou não próprios, a sentença concluiu que não eram próprios; 8.ª Por outro lado, no que a segundo período respeita, a sentença recorrida entende que a pretensão do recorrente já tinha sido satisfeita no momento em que recebeu tornas. O que não permite concluir que haja compensação; 9.ª Há assim contradição entre os factos provados e as conclusões daí retiradas pela sentença; 10.ª Foram violados os art.ºs 659º, n.ºs 2 e 3 do Cód. Proc. Civil e 1697º e 1789º do Cód. Civil.
* 6. Nas suas contra-alegações, a ré bate-se pela improcedência do recurso.
* 7. As questões essenciais a decidir: Na perspectiva da delimitação pelo recorrente (1), os recursos têm como âmbito as questões suscitadas pelos recorrentes nas conclusões das alegações (art.ºs 690º, n.º 1 e 684º, n.º 3 do Cód. Proc. Civil), salvo as questões de conhecimento oficioso (n.º 2 in fine do art.º 660º do Cód. Proc. Civil), exceptuando-se do seu âmbito a apreciação das questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (n.º 2 1.ª parte do art.º 660º do Cód. Proc. Civil).
Atento o exposto e o que flui das conclusões das alegações do autor apelante supra descritas e I. 5., são duas as questões essenciais a decidir: 1) se o autor tem ou não direito a receber da ré a quantia pretendida a título de despesas por si pagas à C.G.D. com o reembolso do empréstimo para a aquisição do andar que foi bem comum, acrescida dos respectivos juros; 2) e se deve ou não manter a condenação do autor como litigante de ma fé, bem como na multa em que, por causa desta condenação, foi também condenado.
Vai-se conhecer das questões pela ordem indicada.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir: *** II.
Fundamentos: A) De facto: Nos termos do art.º 713º, n.º 6 do Cód. Proc. Civil, e dado que a matéria de facto provada na 1.ª instância não foi objecto de impugnação, nem tem de ser alterada por esta Relação, remete-se, aqui, no que toca à matéria de facto provada na 1.ª instância, para os termos dessa decisão.
* B) De direito: 1. A dívida da ré ao autor: Os efeitos do divórcio produzem-se, em regra, a partir do trânsito em julgado da sentença (art.º 1789º, n.º 1 1.ª parte do Cód. Civil). Mas este princípio, comporta excepções. Nos termos do art.º 1789º, n.º 1 2.ª parte do Cód. Civil, os efeitos do divórcio retrotraem-se à data da propositura da acção, quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges. Com esta excepção ao princípio geral proclamado na 1.ª parte do n.º 1 do mesmo artigo, visa-se evitar que um dos cônjuges seja prejudicado pelos actos de insensatez, de prodigalidade ou de pura vingança, que o outro venha a praticar, desde a propositura sobre os valores do património comum (2). A outra excepção ao princípio geral da eficácia constitutiva da sentença de divórcio é a prevista no n.º 2 do art.º 1789º do Cód. Civil. Segundo ela os efeitos do divórcio __ patrimoniais e não só (3) __ retrotraem-se à data fixada na sentença em que a coabitação cessou, quando a coabitação entre os cônjuges tiver cessado por culpa exclusiva ou predominante de um deles e a falta de coabitação estiver provada no processo, e um dos cônjuges requeira a retroacção dos efeitos da dissolução à data em que haja cessado a coabitação conjugal. Esta faculdade prevista no n.º 2 do art.º 1789º do Cód. Civil, visa proteger o cônjuge inocente ou não principal culpado, afastando, por exemplo, a comunicabilidade de um bem adquirido por esse cônjuge antes da acção divórcio, mas depois de ter cessado a coabitação. O cônjuge declarado único ou principal culpado não pode servir-se desta faculdade (4). E isto mostra que esta faculdade só é aplicável ao divórcio litigioso, desde que seja alegada e provada a violação do dever de coabitação como fundamento do pedido de divórcio ou, pelo menos do pedido de declaração do...
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