Acórdão nº 7344/2006-1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 30 de Janeiro de 2007

Magistrado ResponsávelRUI VOUGA
Data da Resolução30 de Janeiro de 2007
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam, na Secção Cível da Relação de Lisboa: Nas Varas Cíveis de Lisboa, E intentou contra T, LDA.

acção declarativa de condenação, com processo comum na forma ordinária, peticionando a condenação da Ré: a) a encerrar de imediato o estabelecimento de indústria que explora no prédio dos autos; b) a pagar uma indemnização ao A., no valor de € 20.000,00, para ressarcimento dos graves prejuízos que este sofreu; c) e ainda no pagamento de sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no encerramento do restaurante, em montante não inferior a € 250,00 por dia.

Para tanto, alegou, resumidamente, que: 1) é o dono da fracção autónoma correspondente ao 2° andar do prédio, constituído em propriedade horizontal, sito na Rua do Alecrim n.° 27 a 35 e Travessa do Alecrim n. 2 a 4, em Lisboa, a qual actualmente se destina a habitação, e onde passou a residir com a sua família, após ter realizado obras profundas, e de valor avultado, de adaptação da casa, anteriormente destinada ao comércio, para o seu fim habitacional, correspondendo todo esse investimento a um projecto de vida pessoal e familiar; 2) por seu turno, a R. é dona da fracção correspondente à Cave do mesmo prédio, destinada a comércio, tendo também nela feito obras e decidido aí instalar um estabelecimento de restaurante, o que destruiu os projectos de vida do A.; 3) ao assim proceder, a Ré alterou o fim a que se destinava essa fracção, tal como consta do título constitutivo da propriedade horizontal, sem que tenha sido dada autorização para o efeito pela assembleia de condóminos - o que viola o disposto no Art. 1422° n.° 2 al.s c) e d) do Código Civil; 4) ademais, a nova utilização da fracção pela R. determinou a emissão de cheiros nauseabundos, fumos, vapores e calores, bem como ruídos causados pelos clientes e funcionários da R. até altas horas da madrugada, que prejudicam em substância o imóvel, o direito de propriedade do A. e, bem assim, o seu direito, e da sua família, à saúde, repouso e bem estar - o que constitui violação do Art. 1346° do Cód. Civil e dos seus direitos à, vida, ao repouso e bem estar ( Art.s 70° e ss do mesmo diploma); 5) por outro lado, as obras realizadas pela R. alteraram a estrutura e a estética do prédio, nomeadamente pela abertura duma janela para o saguão e pela construção duma chaminé nova de material metálico, que não se coaduna com o prédio de matriz pombalina onde foi edificada - o que tudo foi feito sem a autorização dos condóminos, nomeadamente por deliberação aprovada em assembleia geral.

A Ré contestou, pugnando pela total improcedência da acção.

Defendendo-se por excepção, invocou a existência de causa prejudicial (porquanto, na sequência das obras por si feitas e da utilização pretendida dar à fracção, encontrar-se-ia pendente de vistoria o processo de licenciamento, que corre na Câmara Municipal de Lisboa, o qual, a ser deferido, prejudicaria as pretensões do A.), a preterição do tribunal arbitral (porquanto o Artigo 1° do Regulamento de Condomínio do prédio dos autos estabelece que os litígios entre condóminos devem ser resolvidos preferencialmente através de compromisso arbitral) e a ilegitimidade activa do A. para intentar a presente acção (porquanto a mesma implica o conhecimento de questões relativas à utilização das partes comuns do prédio, das quais o A. não é proprietário absoluto, sendo que, estando em causa interesses do condomínio, nomeadamente no que se refere ao saguão e à chaminé de extracção de fumos, a legitimidade pertenceria ao condomínio, através do respectivo administrador - Art. s 1436° e n.° 1 do Art. 1437° do Cód.Civil).

Defendendo-se por impugnação, pôs em causa os factos alegados pelo A., nomeadamente quanto aos alegados danos, fumos, cheiros e barulhos, sustentando que utiliza a sua fracção em conformidade com o título constitutivo e com a destinação natural da mesma, já que nela já havia funcionado um estabelecimento semelhante, denominado "A Cantina do Marquês de Pombal".

Invocou igualmente que não carecia da autorização dos restantes condóminos, quer para fazer as obras que realizou, quer para a utilização que faz da fracção dos autos, sendo que, de todo o modo, todos os condóminos sabiam, desde o princípio, das obras e utilização que a R. iria dar àquele espaço, tendo participado esses factos nas assembleias do condomínio em que sempre interveio.

Aproveitou ainda para sustentar que o direito do A. não é absoluto, antes se deve sujeitar às limitações resultantes da propriedade horizontal e que o A. funda a sua pretensão em factos e prejuízos que não existem. Pelo que o A. agiria de má-fé e contra o fim social e económico do direito que lhe assiste, tentando obter benefícios e resultados a que não tem direito, fazendo uso indevido do processo e dos mecanismos administrativos e camarários.

Em conformidade, porque o A. agiria em abuso de direito, a Ré sustentou que o mesmo deveria indemnizá-la em € 25.000,00, e ainda em € 30.000,00 por danos morais com a interposição da presente acção, com a sua actuação junto das entidades administrativas e com a difamação que tem efectuado em todos os locais públicos, na presença de quem quer que seja.

Aproveitou ainda para alegar que o A. abriu ilegalmente uma janela na sua fracção para o saguão.

A Autora replicou, pugnando pela improcedência das excepções dilatórias alegadas, entendendo não haver fundamento legal para a requerida suspensão da instância e tendo respondido por impugnação à reconvenção formulada.

Findos os articulados, veio a ser proferido despacho saneador, que julgou não haver fundamento para a suspensão da instância e não ter havido preterição de tribunal arbitral e só admitiu o pedido reconvencional quanto ao pedido de condenação do A. no pagamento da quantia de € 25.000,00 a título de indemnização por manifesto abuso de direito, não tendo, porém, admitido os pedidos reconvencionais de condenação do A. no pagamento de € 30.000,00 a título de indemnização por danos morais e a proceder ao fecho da janela que ilicitamente abriu na sua fracção.

A R. recorreu do despacho saneador, tendo tal recurso sido admitido com subida diferida. No entanto, notificada do despacho que admitiu o recurso, não apresentou alegações, pelo que tal recurso ficou deserto (Arts. 291°, nº 2, e 690º, nº 3, do C.P.C.).

Fixaram-se os factos assentes por acordo das partes e por documentos dotados de força probatória plena e organizou-se a base instrutória, após o que se seguiu a instrução dos autos.

Discutida a causa em audiência de julfamento (com gravação da prova testemunhal produzida) e decidida a matéria de facto controvertida, veio a ser proferida (em 11/1/2006) sentença final que, julgou a acção parcialmente procedente, nos seguintes termos: "

  1. Condenamos a R., Travessa do Alecrim Sociedade de Exploração Hoteleira, Lda, ao encerramento imediato do restaurante que instalou e explora na fracção "A" do prédio, constituído em propriedade horizontal, sito na Rua do Alecrim n .°s 27 a 35 e Travessa do Alecrim n.°s 2 a 4, descrito na 6° Conservatória de Registo Predial de Lisboa sob o n.° 128/19970404 da freguesia de São Paulo, concelho de Lisboa, extraída da descrição n.° 3.467 do livro B-10; b) Mais se condena a mesma R. no pagamento duma sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no encerramento do restaurante, no montante de € 250,00/dia, a contar do trânsito em julgado da presente sentença; c) Absolvemos a R. do pedido de pagar ao A. uma indemnização não inferior a € 20.000,00 para ressarcimento dos prejuízos por si sofridos; d) Mais se julga absolver o A. do pedido reconvencional de pagar uma indemnização de € 25.000,00 pelo manifesto abuso de direito.

    Custas da acção por A. e R., na proporção do respectivo decaimento, que fixamos em 1/6 para o primeiro e 5/6 para a segunda (Art. 446 n° 1 e 2 do C.P.C.), sem prejuízo do decaimento já decidido a fls 185".

    Inconformada, a Ré interpôs recurso de apelação da referida sentença, tendo extraído das alegações que apresentou as seguintes conclusões:

    1. A Apelante deduziu excepção de ilegitimidade do Apelado para instaurar a presente acção, na medida em que sendo invocada a (suposta) afectação das partes comuns do edificio, tal legitimidade pertencia, em exclusivo, ao condomínio.

    2. Tal excepção viria a ser julgada improcedente no Despacho Saneador, tendo o Tribunal a quo considerado que "a pretensão indemnizatória formulada pelo A., com base no art. 1346° do CC, funda-se na violação do seu direito subjectivo de proprietário, que nada tem a ver com o condomínio".

    3. A decisão do Tribunal a quo teve, assim, como premissa a eventual existência de prejuízos para o Apelado, supostamente causados pelo funcionamento do restaurante da Apelante.

    4. Porém, conforme resulta da Sentença, o Apelado não logrou fazer prova de quaisquer prejuízos merecedores de tutela jurisidicional.

    5. Assim sendo, a questão da legitimidade do Apelado, apreciada em sede de Despacho Saneador pelo Tribunal a quo, foi posta em causa, pelo que devia ter sido reapreciada e decidida na Sentença final.

    6. Pois, a decisão plasmada no Despacho Saneador sobre esta matéria deverá ser entendida como condicional, no sentido de que foi proferida com base num pressuposto - existência de prejuízos para o Apelado - que, a final, após a realização da prova, se concluiu não se verificar.

    7. Ora, não admitindo o nosso sistema jurídico a figura da condenação condicional, impunha-se ao Tribunal a quo julgar, novamente, tal excepção, de acordo com os novos elementos entretanto traduzidos para o processo.

    8. Neste sentido decidiu o Ac. da Relação do Porto, de 18.12.1984, publicado in Colectâneas de Jurisprudência, 1984, 5.0-273, ao afamar que "Como dispõe o Assento do STJ, de 1/2/63, é definitiva a declaração em termos genéricos no despacho saneador transitado, relativamente à legitimidade, salvo a superveniência de factos gue nesta se repercutam.»".

    9. Acresce que, apesar de já não valer como forma de interpretação autêntica da lei, o Assento a que...

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